1967 - Domingo - Caetano Veloso e Gal Costa

"Domingo" é o primeiro disco da carreira de Caetano Veloso, feito com Gal Costa. Já reconhecido como compositor (de "De Manhã" e "Boa Palavra", por exemplo), Caetano se lança como cantor neste disco datado de Julho de 1967 com produção de Dori Caymmi pela Philips (Universal Music), cuja direção era de João Araújo. É fruto da admiração (devoção) dos baianos a João Gilberto. Caetano e Gal ocupavam o estúdio na parte da manhã, pois os melhores horários eram reservados para os artistas mais famosos - o que, para Caetano, devia ser oneroso, tendo em vista seu costume notívago.

Caetano: "Foi o Dori Caymmi quem produziu. Tem arranjos lindos. Ele toca um violão lindo. A gente botava a voz de manhã, veja só. Tinha outros artistas mais famosos que ocupavam os estúdios à noite. Gosto muito de Coração Vagabundo e de Gal cantando Candeias (Edu Lobo). Foi uma documentação do que eu já tinha feito e que não correspondia ao que eu  fazia na época. Já estava com o germe do Tropicalismo na cabeça. O João Araújo, que era o diretor da gravadora na época, foi um amor. Aceitou fazer essa experiência. Não dava para fazer um LP de cada um, aí ele juntou eu e a Gal num só. Adoro quando começo a cantar Um Dia. A voz estava linda." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991).

"Eu próprio - que a essa altura não via para mim outra vida que não fosse uma vida de artista - vira surgir a oportunidade de gravar um LP. Edu, que tinha me recebido com carinho desde o dia em que cheguei de Salvador num ônibus, falava com interesse sobre minhas canções. Dori Caymmi, que eu conhecera na Bahia num passeio seu pela terra do pai Dorival, e Francis Hime, que me fora apresentado por Edu e Dori, também demonstravam entusiasmo pelo que eu parecia prometer. Eram todos jovens da minha idade e punham a curiosidade e o desejo de enriquecer o ambiente musical brasileiro à frente das ambições egóticas. Eram naturalmente generosos e excitavam-se com a relativa novidade que esse grupo de baianos apresentava. Falava-se de nós. A afinação e a beleza de emissão de Gau (era assim que escrevíamos o apelido só usado pelos muitos íntimos, até que Guilherme Araújo mudou a grafia para Gal, pois a maioria das pessoas ainda a chamava de Gracinha) eram tão cultuadas quanto a sua timidez. Suponho que foi o próprio Dori - que afinal produziu o disco - quem convenceu João Araújo, então diretor artístico da Philips (atual Polygram) e hoje chefão da Som Livre (o selo vinculado à TV Globo), a fazer um LP reunindo Gal e eu. Nós gravávamos de manhã, horário reservado aos iniciantes e especialmente inapropriado para mim que sempre dormi tarde e demoro a me sentir inteiramente acordado. Mas, embora o sentimento dominante fosse o de frustração permanente, alguma coisa do disco me agradava desde a feitura. Mais que tudo os arranjos de Dori e seu jeito de tocar violão. A voz de Gal, naturalmente, em quase tudo. E até minha própria voz em Um Dia e, com reservas, em Coração Vagabundo. [...] Desde criança - Dedé contava - Gal usava as panelas da cozinha para fazer o som de sua voz voltar ampliado aos seus próprios ouvidos, e assim poder exercer melhor controle sobre a emissão, como se estivesse num estúdio de gravação. Todos os jovens músicos encantavam-se com sua voz, e a colaboração com eles na feitura de Domingo estava sendo muito boa. [...] Para mim, tudo se fazia possível no estúdio - minha timidez não era grande demais -, porque eu já estava mergulhado nos novos projetos que me distanciavam do material que gravávamos." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).

"Olhando a foto de capa desse disco, meu primeiro long-play, não posso deixar de pensar em como eu era bonitinho. Fiz esse disco em 1967, com a Gal Costa, e não tenho muitas informações, porque nessa época não havia a prática de se colocar nos discos os nomes dos arranjadores, dos músicos etc. Lembro que foi produzido pelo Dori Caymmi, que também arranjou algumas faixas, dividindo o trabalho com Francis Hime e com Roberto Menescal. Domingo foi muito bem recebido pelo pessoal da bossa nova. Edu, Wanda Sá, Francis Hime, todo mundo adorou. Seguramente porque foi mesmo o disco mais joãogilbertiano, desde João Gilberto. Porque os outros haviam tomado outros caminhos: Edu Lobo criou um negócio diferente, que era muito mais extrovertido do que a coisa do João, voltado para aspectos mais épicos da canção, para os modos nordestinos de uma maneira mais grandiloqüente. Enquanto isso, o pessoal do Beco das Garrafas volta-se para um jazzismo pré-cool e pré-João Gilberto, com muita improvisação e um sotaque americanizado que o João não tinha. Coração vagabundo, Candeias e Onde eu nasci passa um rio foram arranjadas por Dori. Avarandado, Quem me dera e Minha Senhora, por Francis. Domingo, por Roberto Menescal. Foi gravado no Rio, em um estúdio na Avenida Rio Branco. Foi feito por insistência da gravadora, porque quando isso aconteceu minha cabeça já estava em outra. Implico um pouco com o meu cantar nesse disco. Aliás, implico com meu cantar em vários discos meus. Domingo foi feito em uma época em que ainda se tratava de cantar bonito. Isso foi derrubado quando começou o tropicalismo, onde o que interessava era criar situações explosivas. Mas o Tom Jobim me disse diversas vezes que achava minha interpretação de Coração vagabundo de primeiríssimo nível. "Você canta essa canção como um grande cantor", ele dizia. Mas eu não estava satisfeito. Às vezes, em casa, fazia melhor, sabia que podia fazer melhor. Tinha que ser mais perto do Chet Baker. Infelizmente, o disco foi todo gravado de manhã, hora ruim para cantores. Deveria ter sido gravado à noite. Quero deixar registrado que esse disco se deve ao então diretor artístico da gravadora, João Araújo. Foi ele quem fez com que Domingo existisse. Os superiores dele não queriam me contratar, nem queriam contratar a Gal. Não achavam que fossemos interessantes o suficiente. O João é que teve a idéia de fazer o disco com os dois juntos, como uma tentativa de tornar a idéia viável e possível." (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).

"Comecei a gravar por causa dele [João Araújo]. Ele decidiu que Gal e eu fizéssemos também um  disco. Sua ideia era que cada um fizesse um, mas a gravadora não achava que tínhamos potencial comercial. Então ele pensou em gravarmos juntos. Domingo existiu por causa dele. João teve essa percepção com muitos outros, de enxergar primeiro. Eu o amava muito." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2013).  

Texto da contracapa

I

GAL participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros grandes cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas musiquinhas. Por isso eu considero necessária a sua presença neste disco em que se registra uma fase do meu trabalho em música popular, algumas das canções que eu fiz até agora. Por isso, e também porque desde a Bahia que nós cantamos juntos, desde lá que ela faz com que meus sambas existam de verdade. Não há defasagem de tempo entre a composição e o canto: cada interpretação sua tem a mesma idade da canção. Todas as minhas músicas que aparecem aqui foram feitas junto dela e um pouco por ela também. Ouso considerá-la como parte integrante do meu processo de criação: este é um disco de "GAL interpretando Caetano" mesmo nas faixas em que ela canta músicas de outros autores ou quando sou eu mesmo quem canta as minhas. GAL cantando o que quer que ela goste, isso já é minha música, e quando eu canto ela está presente. O seu canto (como o de Gil ou o de Bethânia) têm sido sempre meu parceiro. 

II

Eu gosto muito de cantar. Mas jamais consegui gostar muito de cantar as minhas composições. Um velho baião, uma canção antiga, o último samba de um amigo, isso é bom de cantar: da música que eu mesmo tenha inventado me aparece informe pela proximidade e eu desconfio de tudo que escrevi. Neste disco estou enfrentando uma experiência nova: ouço essas coisas que fiz transformadas em música por Dori, Menescal e Francis e procuro amá-las despreocupadamente, tento aceitá-las como prontas (não há mais como compô-las): cantar as músicas que eles me devolveram, não aquilo que eu lhes dei. 

III

Acho que cheguei a gostar de cantar essas músicas porque minha inspiração agora está tendendo pra caminhos muito diferentes dos que segui até aqui. Algumas canções deste disco são recentes (UM DIA, por exemplo), mas eu já posso vê-las todas de uma distância que permite simplesmente gostar ou não gostar, como de qualquer canção. A minha inspiração não quer mais viver apenas de nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro. Aqui está - acredito que gravei este disco na hora certa, minha inquietude de agora me põe mais à vontade diante do que já fiz e não tenho vergonha de nenhuma palavra, de nenhuma nota. Quero apenas poder dizer tranquilamente que o risco de beleza que este disco possa correr se deve a Gal, Dori, Francis, Edu Lobo, Menescal, Sidney Miller, Gil, Torquato, Célio, e também, mais longe, a Duda, a seu Zezinho Veloso, a Hercília, a Chico Mota, às meninas de Dona Morena, a Dó, a Nossa Senhora da Purificação e a Lambreta. 


Lista de Músicas

Lado A

1 - Coração Vagabundo
(Caetano Veloso)

2 - Onde Eu Nasci Passa Um Rio
(Caetano Veloso)

3 - Avarandado
(Caetano Veloso)

4 - Um Dia
(Caetano Veloso)

5 - Domingo
(Caetano Veloso)

6 - Nenhuma Dor
(Caetano Veloso, Torquato Neto)

Lado B

1 - Candeias
(Edu Lobo)

2 - Remelexo
(Caetano Veloso)

3 - Minha Senhora
(Gilberto Gil, Torquato Neto)

4 - Quem Me Dera
(Caetano Veloso)

5 - Maria Joana
(Sidney Miller)

6 - Zabelê
(Gilberto Gil, Torquato Neto)

Vamos às Letras.

1 - Coração Vagabundo (Caetano Veloso)

Meu coração não se cansa
De ter esperança
De um dia ser tudo o que quer
Meu coração de criança
Não é só a lembrança
De um vulto feliz de mulher

Que passou por meus sonhos
Sem dizer adeus
E fez dos olhos meus
Um chorar mais sem fim
Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim
Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim

Meu coração não se cansa
De ter esperança
De um dia ser tudo o que quer
Meu coração de criança
Não é só a lembrança
De um vulto feliz de mulher
Que passou por meus sonhos
Sem dizer adeus
E fez dos olhos meus
Um chorar mais sem fim

Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim
Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim

Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim
Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim

Comentário do autor: "É a minha canção de que mais gosto, acho. É a que mais resiste, porque é muito antiga, de quando eu conheci Gil, ou de antes ainda, de 63, 64. É lindo a Gal cantando em Domingo. Há quem cante errado, dizendo "meu coração de criança é só a lembrança", mas a letra diz exatamente o contrário: "meu coração de criança não é só a lembrança de um vulto feliz de mulher". Assim como "Onde eu nasci passa um rio", essa canção tem muito da poesia de Drummond, daqueles poemas que a gente sabia de cor. Mas é muito ingênua, muito abaixo de Drummond, não é como outras canções, mais bonitas." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


2 - Onde eu nasci passa um rio (Caetano Veloso)

Onde eu nasci passa um rio
Que passa no igual sem fim
Igual sem fim minha terra
Passava dentro de mim

Passava como se o tempo
Nada pudesse mudar
Passava como se o rio
Não desaguasse no mar

O rio deságua no mar
Já tanta coisa aprendi
Mas o que é mais meu cantar
É isso que eu canto aqui

Hoje eu sei que o mundo é grande
E o mar de ondas se faz
Mas nasceu junto com o rio
O canto que eu canto mais

O rio só chega no mar
Depois de andar pelo chão
O rio da minha terra
Deságua em meu coração

Comentário do autor: "A graça está mais na melodia, que é muito parecida com a de "Upa neguinho", do Edu Lobo. Eu fiz a música quando estava morando na Bahia e, mais tarde, quando estava em São Paulo, mostrei-a ao Edu e à turma do Zumbi [musical Arena conta Zumbi, montagem de Augusto Boal (1965)]. A peça ainda não tinha estreado, eles estavam ensaiando e as músicas eram completamente desconhecidas. Cantei para eles e todo mundo disse: "Parece 'Upa neguinho', a música da peça!". Quando se canta uma e outra, percebe-se a semelhança: "Upa neguinho na estrada, upa pra lá e pra cá...", "Onde eu nasci passa um rio, que passa no igual sem fim...". Mas a melodia de ambas também se parece muito com um baião de Luiz Gonzaga: "Helena, traga a sanfona...". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


3 - Avarandado (Caetano Veloso)

Cada palmeira da estrada
Tem uma moça recostada
Uma é minha namorada
E essa estrada vai dar no mar
 
Cada palma enluarada
Tem que estar quieta, parada
Qualquer canção, quase nada
Vai fazer o sol levantar
Vai fazer o dia nascer

Namorando a madrugada
Eu e minha namorada
Vamos andando na estrada
Que vai dar no avarandado do amanhecer

Comentário do autor: “É um pouco posterior a "Coração Vagabundo", que compus quando na Bahia. "Avarandado" eu fiz quando estava em São Paulo, com Bethânia, no tempo do Opinião [Espetáculo que foi a causa da ida de Bethânia para o Rio em 1965, a fim de substituir Nara Leão. Caetano foi para acompanhar a irmã]. Tinha saudades de Dedé, fiz pensando nela. Foi a primeira música minha gravada pelo João [Gilberto]". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


4 - Um Dia (Caetano Veloso)

Como um dia numa festa
Realçavas a manhã
Luz de sol, janela aberta
Festa e verde o teu olhar

Pé de avenca na janela
Brisa verde, verdejar
Vê se alegra tudo agora
Vê se pára de chorar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo-me embora
Tou só preparando a hora
De voltar

No rastro do meu caminho
No brilho longo dos trilhos
Na correnteza do rio
Vou voltando pra você

Na resistência do tempo
No tempo que vou e espero
No braço, no pensamento
Vou voltando pra você

No Raso da Catarina
Nas águas de Amaralina
Na calma da calmaria
Longe do mar da Bahia,
Limite da minha vida,
Vou voltando pra você

Vou voltando como um dia
Realçavas a manhã
Entre avencas verde-brisa
Tu de novo sorrirás

E eu te direi que um dia
As estrelas voltarão
Voltarão trazendo todos
Para a festa do lugar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo embora
Tou só preparando a hora
De voltar
De voltar

Comentário do autor: "É sobre querer voltar para Salvador. Quando compus os versos "no rastro do meu caminho/ no brilho longo dos trilhos/ na correnteza do rio/ vou voltando pra você", eles ecoavam, para mim, a letra lusitana escrita para "Mãe Preta", que é o "Barco negro", que fala "no vento que lança areia nos vidros, na água que canta, no fogo mortiço, no calor do leito, nos barcos vazios, dentro do meu peito estás sempre comigo." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"Tenho 24 anos, sou solteiro, filho de funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos em Santo Amaro, interior da Bahia, onde nasci. Passei a infância lá mesmo, sentindo curiosidade pelo que me cercava e fascinação por tudo o que me poderia tirar de Santo Amaro. Nesse tempo eu pintava, escrevia, desenhava e tocava piano. Em 1960 fui para Salvador e ingressei na Faculdade de Filosofia. Estava em evidência a bossa-nova de João Gilberto. Depois de ouvir o que ele fazia, decidi enfrentar com maior responsabilidade a tarefa de saber música. Aprendi a tocar violão e entrei para o grupo do Teatro Vila Velha, em Salvador. Preocupado com as coisas que Tom, Vinicius e João Gilberto formulavam, resolvi usar seus métodos na pesquisa de nossas raízes folclóricas. Daí em diante, mudei um pouco, pois já havia abandonado a preocupação formal da bossa-nova e queria fazer música brasileira, mesmo sem as pesquisas de harmonia e de forma poética. Hoje digo o que sinto, com o aperfeiçoamento musical que adquiri e com a consciência que a realidade brasileira me dá. Foi assim que falei de amor, na música, Um Dia." (Caetano Veloso para a Revista Realidade, 1966). 

"Primeiro me nasceram alguns versos: “Abre os olhos/ Mostra o riso/ Quero, careço, preciso/ De ver você se alegrar/ Eu não estou indo embora/ Tô só preparando a hora/ De voltar”. A música estava nascendo para minha irmã, Maria Bethânia, que havia pedido uma canção que falasse em despedida. Mas acabei mandando a coisa para o concurso. Já gostei menos de Um Dia. Achava a música feia. Hoje gosto um pouco mais, embora reconheça que se trata de uma canção desmembrada, de fórmula meio violenta. Maria Odete foi muito bem cantando a música, mas o seu estilo não é o meu. Bem, ela fez tudo com muita seriedade." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1966).


5 - Domingo (Caetano Veloso)

Roda, toda gente roda
Ao redor desta tarde
Essa praça é formosa
E a rosa pousada no meio da roda
No meio da tarde de um imenso jardim
Rosa não espera por mim
Rosa, menina pousada
Não espera por nada
Não espera por mim

Roda toda gente roda
Ao redor desta praça
Esta tarde está morta
E a rosa, coitada, na praça, na porta
Na sala, na tarde do mesmo jardim
Que dia espera por mim
Nova, perdida, calada
Não há madrugada
Esperando por mim
Nova, perdida calada
Não há madrugada
Esperando por mim

Comentário do autor: "Uma valsinha. Aqui, Santo Amaro aparece doce, sem putrificação. Se bem que é triste a segunda parte." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


6 - Nenhuma Dor (Letra: Torquato Neto, Música: Caetano Veloso)

Minha namorada tem segredos
Tem nos olhos mil brinquedos
De magoar o meu amor
Minha namorada, muito amada
Não entende quase nada
Nunca vem de madrugada
Procurar por onde estou
É preciso, ó doce namorada
Seguirmos firmes na estrada
Que leva nenhuma dor
Minha doce e triste namorada
Minha amada, idolatrada
Salve, salve o nosso amor

Comentário de Caetano: "Folha - Qual foi o primeiro trabalho que você fez com Torquato? Caetano - "Talvez tenha sido "Minha Namorada". Talvez tenha havido alguma colaboração antes que não chegou a ser [ilegível]. "Minha Namorada" é de 66, quando vim morar no Rio. Mas eu conheci o Torquato através de Duda Machado, na Bahia. Ele era muito jovem. Não sei se mais jovem do que Duda, que naquela época era muito mais moço que eu (risos)... Eu gostei logo dele. Lembro que gostava muito de Drummond e já tinha um caderno, onde escrevia umas coisas. Quando cheguei no Rio, esse caderno já estava maior e me recordo que ele gostava de seguir Drummond na rua e também o Nelson Rodrigues, que ele admirava muito..."." (Caetano Veloso. Folha de São Paulo, 1992).


7 - Candeias (Edu Lobo)

Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje meu amor eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
Quero ver a lua vindo por detrás da samambaia
Rede de palha se abrindo em cada palmo de praia
Quero ver a lua branca clareando como um dia
E nos teus olhos de espanto
Tudo quanto eu mais queria
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje meu amor eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
E nas sombras lá de longe
Lá onde o céu principia
Quero ver mestre proeiro no remo e na valentia
Procissão de velas brancas no sentido da Bahia

Comentário de Caetano: "Edu compôs uma canção "no estilo do grupo baiano" (isso era um grande elogio, pois o que ele compôs era enormemente mais requintado harmonicamente do que tudo o que fazíamos), uma canção chamada Candeias, sobre lembranças de suas férias pernambucanas, para ela gravar no nosso disco, e até hoje considero essa a melhor interpretação de Gal nesse primeiro trabalho." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997). 


8 - Remelexo (Caetano Veloso)

Que menina é aquela
Que entrou na roda agora
Eu quero falar com ela
Ninguém sabe onde ela mora
Por ela bate o pandeiro
Por ela canta a viola
Enquanto ela está sambando
Ninguém mais entra na roda
Enquanto ela samba
As outras ficam do lado de fora
E quando ela pára
O samba se acaba na mesma hora
Valha-me Deus! Se ela pára o samba
E vai-se embora
Eu quero falar com ela
Ninguém sabe onde ela mora
Ninguém sabe sua janela
Ninguém sabe sua porta
Quem sabe se ela é donzela
Quem sabe se ela namora
E depois o samba acaba
E ela fica na memória
Por ela bate o meu peito
Por ela a viola chora
Que menina é aquela
Que entrou na roda agora
Ninguém sabe nessa terra
Me contar a sua história
Que menina é aquela
Que entrou na roda agora
Ela tem um remelexo
Que valha-me Deus! Nossa Senhora!


9 - Minha Senhora (Letra: Torquato Neto, Música: Gilberto Gil)

Minha senhora
Onde é que você mora?
Em que parte desse mundo?
Em que cidade escondida?
Dizei-me, que sem demora
Lá também quero morar

Onde fica essa morada?
Em que reino, qual parada?
Dizei-me por qual estrada
É que eu devo caminhar

Minha senhora
Onde é que você mora?
Venho da beira da praia
Tantas prendas que eu lhe trago
Pulseira, sandália e saia
Sem saber como entregar

Quero chegar sem demora
Nesta cidade encantada
Dizei-me logo, senhora
Que essa chegança me agrada

Quero chegar sem demora
Nesta cidade encantada
Dizei-me logo, senhora
Que essa chegança me agrada


10 - Quem me dera (Caetano Veloso)

Adeus, meu bem
Eu não vou mais voltar
Se Deus quiser, vou mandar te buscar
De madrugada, quando o sol cair dend’água
Vou mandar te buscar

Ai, quem me dera
Voltar, quem me dera um dia
Meu Deus, não tenho alegria
Bahia no coração

Ai, quem me dera o dia
Voltar, quem me dera o dia
De ter de novo a Bahia
Todinha no coração

Ai, água clara que não tem fim
Não há outra canção em mim
Que saudade!

Ai, quem me dera
Mas quem me dera a alegria
De ter de novo a Bahia
E nela o amor que eu quis

Ai, quem me dera
Meu bem, quem me dera o dia
De ter você na Bahia
O mar e o amor feliz

Adeus, meu bem
Eu não vou mais voltar
Se Deus quiser, vou mandar te buscar
Na lua cheia
Quando é tão branca a areia
Vou mandar te buscar

Comentário do autor: "Fiz pra Dedé quando eu morava em São Paulo, com saudades dela e da Bahia." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


11 - Maria Joana (Sidney Miller)

Não faz feitiço quem não tem um terreiro
Nem batucada quem não tem um pandeiro
Não vive bem quem nunca teve dinheiro
Nem tem casa pra morar
Não cai na roda quem tem perna bamba
Não é de nada quem não é de samba
Não tem valor quem vive de muamba
Pra não ter que trabalhar
Eu vou procurar um jeito de não padecer
Porque eu não vou deixar a vida sem viver

Mas acontece que a Maria Joana
Acha que é pobre, mas nasceu pra bacana
Mora comigo, mesmo assim não me engana
Ela pensa em me deixar
Já decidiu que vai vencer na vida
Saiu de casa toda colorida
Levou dinheiro pra comprar comida
Mas não sei se vai voltar
Eu vou perguntar: Joana, o que aconteceu?
Dinheiro não faz você mais rica do que eu


12 - Zabelê (Letra: Torquato Neto, Música: Gilberto Gil)

Minha sabiá
Minha zabelê
Toda meia-noite eu sonho com você
Se você duvida, eu vou sonhar pra você ver

Minha sabiá
Vem me dizer, por favor
O quanto que eu devo amar
Pra nunca morrer de amor

Minha zabelê
Vem correndo me dizer
Por que eu sonho toda noite
E sonho só com você

Se você não me acredita
Vem pra cá, vou lhe mostrar
Que riso largo é o meu sonho
Quando eu sonho com você

Mas anda logo
Vem que a noite já não tarda a chegar
Vem correndo pro meu sonho escutar
Que eu sonho falando alto
Com você no meu sonhar



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