1972 - Barra 69 - Caetano Veloso e Gilberto Gil
Barra 69 é o disco do show de despedida de Caetano Veloso e Gilberto Gil antes de partirem para o exílio, após quase dois meses de prisão no Rio e quatro meses de confinamento em Salvador. O espetáculo foi gravado da plateia com uma fita cassete e, por isso, vale menos pela qualidade de áudio e mais pelo seu clima e contexto histórico. Os shows ocorreram em 20 e 21 de julho de 1969 - enquanto o homem chegava à lua - no Teatro Castro Alves e tiveram que receber autorização do Departamento de Polícia Federal para serem realizados. Traz as raras versões ao vivo de Superbacana e Cinema Olímpia e as jovens presenças de Pepeu e Jorginho Gomes, futuros novos baianos. Há inserções de For no one (Beatles) e Panis et Circensis (Caetano e Gil) em Superbacana, numa versão mais dramática que a original. É bonito ouvir o público cantando o Hino do Esporte Clube Bahia. Num tom debochado para o contexto, em tiras coloridas no encarte do disco, lia-se: "tanto faz no sul como no norte".
Caetano: "O show do Castro Alves em 69 foi um momento inesquecível para muitos. Eu, no entanto, não tenho dele uma lembrança muito precisa. Rogério [Duarte], como já contei, tinha me feito a observação de que, quando a gente é preso, é preso para sempre, e eu me sentia sob uma pesada sombra. Roberto Santana - o mesmo que tinha nos produzido no Vila Velha - ficou encarregado de pôr o novo show no palco. Lembro apenas de Dedé fazendo um colete com espelhinhos e de que alguém trouxe de São Paulo - e ofereceu graciosamente - uma máquina de projetar aquelas bolhas coloridas que são a marca do final dos anos 60 e do início dos 70. [...] Penso hoje em como teve pouco significado para mim o fato de esse show coincidir exatamente com a chegada dos primeiros homens na lua. De fato, tanto nós quanto o público que lotava o Teatro Castro Alves estávamos perdendo a transmissão pela televisão do grande acontecimento. Isso nunca pesou na decisão quanto à data do show. Mas Gil pelo menos quis cantar "Lunik 9" - uma sua canção já então velha de três anos em que ele fala da iminente morte do "romantismo" por causa da profanação da Lua pelas viagens espaciais. Ele na verdade estava exultante com a "conquista" da Lua, e cantava as palavras ingênuas e nostálgicas com doce ironia." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).
"O exílio nasceu de Gil falar com o coronel responsável por nosso confinamento, que a gente já estava sem ter do que viver. Ele era casado e já tinha duas filhas, então sentia mais fortemente que a gente precisava ganhar dinheiro. A gente não podia trabalhar, não podia aparecer e nem dar entrevista, estava totalmente cerceado. Aí os militares optaram pelo exílio, porque lá a gente poderia trabalhar à vontade, se quisesse. Aqui eles não iam deixar, pois estavam com medo. Mas eles permitiram uma última apresentação em Salvador, porque o Gil alegou que a gente não tinha dinheiro nem pra chegar lá. O show foi feito pra ter uma bilheteria, pra gente dividir e viajar com algum dinheiro no bolso e ter algum quando chegasse lá. A parte legal eles conduziram toda, eles fizeram nossos passaportes rapidamente, pra que a gente pudesse sair logo, e literalmente nos botaram dentro do avião pra Londres, fisicamente, mesmo. Eu, sentado dentro do avião, o cara ainda falou comigo: 'Não volte! E, se voltar, se apresente logo para nos poupar o trabalho de procurá-lo!" (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).
"Resultado de um show que fiz com Gil, no Teatro Castro Alves, pouco antes de viajar. O disco foi lançado anos depois, quando já estávamos de volta. Gravado da platéia e lançado pela série Piratas da gravadora, que fez só um disco do Jorge Mautner e esse aqui. A edição original não tinha as qualidades sonoras necessárias, porque foi feita a partir de fita cassete, mas marca o lançamento de Aquele abraço, de Cinema Olympia, de Frevo rasgado, entre outras canções. Registra Gil cantando Madalena pela primeira vez, a gente cantando juntos o Hino do Esporte Clube Bahia e algumas curiosidades. (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).
No Teatro Castro Alves em 1969.
Programa do show
Barco Vazio
Há muitos e muitos anos que não há nada a dizer. João Gilberto, Roberto Carlos, Jorge Ben. Ninguém é profeta fora de sua terra. Bob Dylan. Ninguém. A doce música brasileira com turbinas a jato-propulsão, nada mais. Não há proposta, nem promessa, nem proveta, nem procela. Ninguém. Janis Joplin. Apenas meu pai, minha mãe e eu e meus irmãos, a quem dedico estes restos de empolgação. O gênio é uma longa besteira: eu quero a geral. Agradecimentos especiais a Vivaldo Costa pelas histórias do Cinema Olympia. Há o enigma e a falta de paciência para decifrá-lo, no momento.
Oportunamente apresentaremos para vocês algo mais... mais... mais... mais... mais... sei lá... algo mais divertido - disse o palhaço vaiado. Assim esperamos - disse a plateia, já agora morrendo de rir. O grande sucesso do palhaço. Esta e outras histórias não serão contadas agora porque não há tempo. Viva a rapaziada. Não há tempo para lenga-lengas. Pepeu, pegue sua guitarra e toque! Tristes tropeços, trastes típicos, tristes trópicos, antigos trocadilhos. Viva a música. Viva Alice e a carne de sol com pirão de leite. Viva a sorte e o bom humor. Viva o Esporte Clube Bahia. Mais um: Viva as inúteis conquistas da linguagem. ADEUS. (Caetano Veloso. Alegria, Alegria. Editora Pedra Q Ronca, 1977).
Texto da contracapa
bilhete de Londres
finalmente, depois de dois anos, ouvi aqui a fita do show de despedida que Cae e Gil fizeram em Salvador. Foi o primeiro espetáculo dos dois que eu não vi, não produzi, não me envolvi. Já estava aqui, a espera do desafio para recomeçar tudo do zero. Quando a fita acabou de rodar no gravador, disse a Cae que tínhamos que fazer o possível pra Philips soltar isso. Não importa o que Cae e Gil fizeram depois ou o que ainda vão fazer. Não interessa a má qualidade técnica da fita. Não interessa a opinião de músicos que não sabem ouvir. Essa fita é emoção e a primeira explosão de vocês. Essa fita encerra uma fase das carreiras de Cae e Gil e passa a jogada pra vocês. Antes de acabar, com a licença dos dois e de vocês, quero dedicar esse disco aos novos baianos. É por causa da força da Bahia, que esse disco chega, mesmo com atraso, aos que se interessam pelo nosso trabalho e pela música popular brasileira.
Janeiro, 1971. Guilherme Araújo
"Ninguém nos vence em vibração".
Lista de Músicas
Lado 1
1 - Cinema Olympia - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)
2 - Frevo Rasgado - Gilberto Gil
(Gilberto Gil, Bruno Ferreira)
3 - Superbacana - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)
4 - Madalena - Gilberto Gil
(Isidoro)
Lado 2
1 - Atrás do Trio Elétrico - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)
2 - Domingo no Parque - Gilberto Gil
(Gilberto Gil)
3 - Medley - Caetano e Gil
Alegria, Alegria
(Caetano Veloso)
+
Hino do Esporte Clube Bahia
(Prof. Dr. Adroaldo Ribeiro da Costa)
+
Aquele Abraço
(Gilberto Gil)
Vamos às Letras.
1 - Cinema Olympia (Caetano Veloso)
Não quero mais
Essas tardes mornais, normais
Não quero mais
Video-tape, mormaço, março, abril
Eu quero pulgas mil na geral
Eu quero a geral
Eu quero ouvir gargalhada geral
Quero um lugar para mim, pra você
Na matiné do cinema Olympia
Tom Mix, Buck Jones
Tela e palco
Sorvetes e vedetes
Socos e coladas
Espartilhos
Pernas e gatilhos
Atilhos e gargalhada geral
Do meio-dia até o anoitecer
Na matiné do cinema Olympia
Comentário do autor: "O momento em que cantei "Cinema Olímpia", minha (única?) canção inédita nesse show, está gravado em minha lembrança como tendo sido consideravelmente emocionante, com muitas caras cheias de vida na plateia lotada." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1969).
2 - Frevo Rasgado (Gilberto Gil-Bruno Ferreira)
Foi quando topei com você
Que a coisa virou confusão
No salão
Porque parei, procurei
Não encontrei
Nem mais um sinal de emoção
Em seu olhar
Aí eu me desesperei
E a coisa virou confusão
No salão
Porque lembrei
Do seu sorriso aberto
Que era tão perto, que era tão perto
Em um carnaval que passou
Porque lembrei
Que esse frevo rasgado
Foi naquele tempo passado
O frevo que você gostou
E dançou e pulou
Foi quando topei com você
Que a coisa virou confusão
No salão
Porque parei, procurei
Não encontrei
Nem mais um sinal de emoção
Em seu olhar
A coisa virou confusão
Sem briga, sem nada demais
No salão
Porque a bagunça que eu fiz, machucado
Bagunça que eu fiz tão calado
Foi dentro do meu coração
Porque a bagunça que eu fiz, machucado
Bagunça que eu fiz tão calado
Foi dentro do meu coração
3 - Superbacana (Caetano Veloso)
Toda essa gente se engana
Ou então finge que não vê que eu nasci
Pra ser o superbacana
Eu nasci pra ser o superbacana
Superbacana Superbacana
Superbacana Super-homem
Superflit, Supervinc
Superist, Superbacana
Estilhaços sobre Copacabana
O mundo em Copacabana
Tudo em Copacabana Copacabana
O mundo explode longe, muito longe
O sol responde
O tempo esconde
O vento espalha
E as migalhas caem todas sobre
Copacabana me engana
Esconde o superamendoim
O espinafre, o biotônico
O comando do avião supersônico
Do parque eletrônico
Do poder atômico
Do avanço econômico
A moeda número um do Tio Patinhas não é minha
Um batalhão de cowboys
Barra a entrada da legião dos super-heróis
E eu superbacana
Vou sonhando até explodir colorido
No sol, nos cinco sentidos
Nada no bolso ou nas mãos
Um instante, maestro
Super-homem Superflit
Supervinc, Superist
Superviva, Supershell
Superquentão
4 - Madalena (Isidoro)
Fui passear na roça
Encontrei Madalena
Sentada numa pedra
Comendo farinha seca
Olhando a produção agrícola
E a pecuária
Madalena chorava
Sua mãe consolava
Dizendo assim
Pobre não tem valor
Pobre é sofredor
E quem ajuda é Senhor do Bonfim
Entra em beco sai em beco
Há um recurso Madalena
Entra em beco sai em beco
Há uma santa com seu nome
Entra em beco sai em beco
Vai na próxima capela
E acende um vela
Pra não passar fome
5 - Atrás do Trio Elétrico (Caetano Veloso)
Atrás do trio elétrico
Só não vai quem já morreu
Quem já botou pra rachar
Aprendeu, que é do outro lado
Do lado de lá do lado
Que é lá do lado de lá
O sol é seu
O som é meu
Quero morrer
Quero morrer já
O som é seu
O sol é meu
Quero viver
Quero viver lá
Nem quero saber se o diabo
Nasceu, foi na bahi...
Foi na Bahia
O trio elétrico
O sol rompeu
No meio-dia
No meio-dia
Comentário do autor: "Quando eu era menino em Santo Amaro, um ou outro vinha de Salvador e, embora destoassem dos "ternos" tradicionais compostos de instrumentos de sopro e percussão (os Amantes da Moda e Amantes da Folia que, com suas roupas de cetim colorido e lantejoulas, executavam marchas cariocas) e das "batucadas" (blocos de samba exclusivamente de percussão que eram mais admirados do que seguidos), os trios elétricos nos encantavam. Pelo fim dos anos 60, as marchas (e mesmos os sambas) de Carnaval cariocas estavam desaparecendo, os bons compositores que surgiram com a (e depois da) bossa nova não encontrando o jeito de se adequar ao Carnaval. Houve várias tentativas de ressuscitar o gênero, todas abortadas. Há uma foto, tirada em 66, em que Chico Buarque, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Torquato Neto, Gil, Capinan, eu próprio e tantos outros de minha geração aparecemos ao lado de Tom Jobim, Braguinha (o grande compositor João de Barro, então setuagenário) e velhos cantores da Rádio Nacional, num encontro promovido por não sei quem para reerguer a canção carnavalesca. Mas dali não saiu nenhum samba ou marcha memorável. O meu "Atrás do trio elétrico" quebrou o tabu. Composto em 68, esse quase-frevo foi um sucesso nas ruas de Salvador no Carnaval de 69 - e ficou conhecido no Brasil inteiro. Eu, no entanto, não tive a alegria de presenciar esse milagre: estava na cadeia. E nos dois outros Carnavais subsequentes, no exílio, de onde mandei frevos novos que também tiveram êxito". (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).
6 - Domingo no Parque (Gilberto Gil)
O rei da brincadeira
Ê, José!
O rei da confusão
Ê, João!
Um trabalhava na feira
Ê, José!
Outro na construção
Ê, João!
A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi pra lá
Pra Ribeira, foi namorar
O José como sempre
No fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo
Um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque
Que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu
Foi que ele viu Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João
O espinho da rosa feriu Zé
(Feriu Zé!) (Feriu Zé!)
E o sorvete gelou seu coração
O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Foi dançando no peito
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!
O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Oi girando na mente
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!
Juliana girando
Oi girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
O amigo João (João)
O sorvete é morango
É vermelho!
Oi, girando e a rosa
É vermelha!
Oi girando, girando
É vermelha!
Oi, girando, girando
Olha a faca! (Olha a faca!)
Olha o sangue na mão
Ê, José!
Juliana no chão
Ê, José!
Outro corpo caído
Ê, José!
Seu amigo João
Ê, José!
Amanhã não tem feira
Ê, José!
Não tem mais construção
Ê, João!
Não tem mais brincadeira
Ê, José!
Não tem mais confusão
Ê, João!
Comentário de Gilberto Gil: "A roda gigante gira, e o sorvete, até então sorvete só, já é sorvete de morango pra poder ser vermelho, e a rosa, antes rosa só, é vermelha também, e o vermelho vai dando a sugestão de sangue - bem filme americano -, e, no corte, a faca e o corte mesmo. O súbito ímpeto, a súbita manifestação de uma potência no José: ele se revela forte, audaz, suficiente. A coragem que ele não teve para abordar Juliana, ele tem para matar." (Gilberto Gil. Todas as letras. Companhia das Letras, 1996).
7 - Alegria, Alegria (Caetano Veloso)
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No Sol de quase dezembro
Eu vou
O Sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
O Sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não? Por que não?
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento
Eu vou
Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil
Ela nem sabe, até pensei
Em cantar na televisão
O Sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não? Por que não?
Por que não? Por que não?
Por que não? Por que não?
Comentário do autor: "Tendo assumido a tarefa que Gil tão claramente delineara, decidi que no festival de 67 nós deflagraríamos a revolução. No meu apartamentinho do Solar da Fossa, comecei a compor uma canção que eu desejava que fosse fácil de apreender por parte dos espectadores do festival e, ao mesmo tempo, caracterizasse de modo inequívoco a nova atitude que queríamos inaugurar. "Paisagem útil" não me parecia preencher esses dois requisitos. Era bom que a nova canção fosse, como aquela, uma marcha de Carnaval transformada, mas não uma arrastada e errática marcha-rancho. Tinha que ser uma marchinha alegre, de algum modo contaminada pelo pop internacional, e trazendo na letra algum toque crítico-amoroso sobre o mundo onde esse pop se dava. Lembrei de uma canção que eu tinha feito dois anos antes na Bahia para um show que me tinham proposto fazer na Boate Anjo Azul, requintado antro de artistas e intelectuais de Salvador, e que era uma sátira sobre os jovens alienados da cidade, intitulada "Clever boy samba". O show nunca aconteceu, mas a canção, diferentemente das outras que eu fazia então, era cheia de referências a lugares badalados da cidade (um deles era a porta da loja O Adamastor, assim chamada não por causa do monstro do poema épico de Camões, mas por ser o nome do seu proprietário, seu Adamastor Rocha, pai de Glauber), as gírias da moda, a trechos de canções americanas e a estrelas do cinema europeu, no intuito claro de criar empatia fácil (mas, eu tinha certeza, surpreendente) com a plateia sofisticada do Anjo Azul. Rapidamente compreendi que, se o tom de mera sátira devia ser subvertido, o esquema de retrato, na primeira pessoa, de um jovem típico da época andando pelas ruas da cidade (o Rio, agora), com fortes sugestões visuais, criadas, se possível, pela simples menção de nomes de produtos, personalidades, lugares e funções - pois esse era o esquema de "Clever boy samba" -, devia ser mantido pois era o ideal para os novos propósitos. À medida que a canção avançava, eu percebia que, como no caso de "Paisagem útil", havia a distância necessária para a crítica - para mim, uma condição de liberdade -, mas havia a alegria imediata da fruição das coisas. Essa consciência da alegria assim situada me levou a eleger como título (sem, contudo, incluir na canção) o bordão "alegria, alegria!", que o animador de TV Chacrinha emprestara do bom cantor de samba-jazz em vias de aderir a um comercialismo vulgar (mas nem por isso menos delicioso) Wilson Simonal. [...] "Alegria, alegria", seu bordão da temporada (ele lançou muitos que entraram na linguagem cotidiana), se tornou o título dessa minha canção projetada para ser um mero abre-alas mas que se tornou o sucesso mais amplo e mais perene entre todas as minhas composições." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).
Foto: Artur Ikissima.
8 - Hino do Esporte Clube Bahia (Prof. Dr. Adroaldo Ribeiro da Costa)
Um, dois, três
Somos a turma tricolor
Somos a voz do campeão
Somos do povo, o clamor
Ninguém nos vence em vibração
Vamos avante esquadrão
Vamos, serás o vencedor
Vamos conquistar mais um tento
Bahia, Bahia, Bahia
Ouve esta voz que é teu alento
Bahia, Bahia, Bahia
Mais um, mais um Bahia
Mais um, mais um título de glória
Mais um, mais um Bahia
É assim que se resume a sua história
Somos a turma tricolor
Somos a voz do campeão
Somos do povo, o clamor
Ninguém nos vence em vibração
Vamos avante esquadrão
Vamos, serás o vencedor
Vamos conquistar mais um tento
Bahia, Bahia, Bahia
Ouve esta voz que é teu alento
Bahia, Bahia, Bahia
Mais um, mais um Bahia
Mais um, mais um título de glória
Mais um, mais um Bahia
É assim que se resume a sua história
Somos a turma tricolor
Somos a voz do campeão
Somos do povo, o clamor
Ninguém nos vence em vibração
Vamos avante esquadrão
Vamos, serás o vencedor
Vamos conquistar mais um tento
Bahia, Bahia, Bahia
Ouve esta voz que é teu alento
Bahia, Bahia, Bahia
Vamos conquistar mais um tento
Bahia, Bahia, Bahia
Ouve esta voz que é teu alento
Bahia, Bahia, Bahia
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três, o Vitória é freguês
Um, dois, três...
Comentário de Caetano: “Eu ia também ao estádio da Fonte Nova para ver futebol.
Junto com Fred, Hermano Penna, Pedro Bira e outros amigos de Dedé, encontrava
grande alegria nas tardes ensolaradas e festivas das grandes partidas. Foi o
único período de minha vida em que o futebol teve presença considerável. A
imprensa, sob censura cerrada, não podia sequer sugerir que Gil e eu estávamos
nessa situação excepcional. O público mal notava nossa ausência nos palcos e na
TV. Vagos rumores de que tínhamos sido presos não chegavam a se confirmar.”
(Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).
“[...] é uma música animada, uma das mais tocadas pelo Trio
Elétrico em épocas carnavalescas.” (Caetano para o Jornal do Brasil, 1969).
9 - Aquele Abraço (Gilberto Gil)
O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
O Rio de Janeiro, fevereiro e março
Alô, alô, Realengo
Aquele abraço!
Alô torcida do Flamengo
Aquele abraço
Chacrinha continua
Balançando a pança
E buzinando a moça
E comandando a massa
E continua dando
As ordens no terreiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha
Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho palhaço
Alô, alô, Terezinha
Aquele abraço!
Alô, moça da favela
Aquele abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele abraço!
Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço!
Pra você que me esqueceu
Aquele abraço!
Alô Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!
Comentário de Caetano: "Muito mais vivo em minha memória está o momento em que Gil me mostrou "Aquele Abraço", canção que ele cantaria pela primeira vez em público naquele show. Estávamos na sala da casinha da Pituba e o samba me fez chorar. O brilho e a fluência das frases, a evidência de que se tratava de uma canção popular de sucesso inevitável, o sentimento de amor e perdão impondo-se sobre a mágoa, e sobretudo o dirigir-se diretamente ao Rio de Janeiro, cidade que sinto tão intimamente minha por causa da estada de um ano entre os treze e os catorze - e tão minha em outro nível também, por ser, como diz João Gilberto, "a cidade dos brasileiros" -, tudo isso me abalava fortemente e eu soluçava de modo compulsivo. No show, a plateia também foi tomada pela música, e cantou-a com Gil como se já a conhecesse de muito tempo. O lugar onde a ironia se punha nessa canção - que parecia ser um canto de despedida do Brasil (representado pelo Rio, como é tradição) sem sombra de rancor - fazia a gente se sentir à altura das dificuldades que enfrentava. "Aquele abraço" era, nesse sentido, o oposto do meu estado de espírito, e eu entendia comovido, do fundo do poço da depressão, que aquele era o único modo de assumir um tom de "bola pra frente" sem forçar nenhuma barra. Nunca esta canção deixará de ter, para mim, uma importância afetiva semelhante à de "Chega de saudade", à de La strada, à de Le mots." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).
Ficha técnica do show
Direção Musical - GILBERTO GIL
Direção Geral - CAETANO VELOSO
Produção - PAULO LIMA & ROBERTO SANTANA
Guitarra - PEPEU
Bateria - JORGINHO
Baixo - CARLINHOS
2ª Guitarra - LICO
Participação - Conjunto Folclórico Viva Bahia / Escola de Samba do Garcia.
Gravação ao vivo no Teatro Castro Alves feita por PERINHO e DJALMA em 20 e 21 de Julho de 69.
Direção de Produção - NELSON MOTTA
Assistente da Produção - PAULO LIMA
Fotos - ARTUR IKISSIMA
Capa - LUCIANO FIGUEIREDO e ÓSCAR RAMOS