1972 - Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo - Caetano Veloso e Chico Buarque


O disco "Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo" é o resultado dos shows realizados nos dias 10 e 11 de novembro de 1972 no Teatro Castro Alves, em Salvador. Para Caetano, o espetáculo foi "um encontro importante para a música brasileira". Rivalizados pela mídia desde a era dos festivais, a parceria significava, para Chico, "o fim das intrigas". No show, Caetano apresentou esboços das canções de seu então futuro disco - Araçá Azul (1973) - como "Julia/Moreno", "Buranhém" (trazendo Dona Edith Oliveira para tocar prato e faca) e uma pré-"Sugar cane fields forever", esta num inimaginável dueto com Chico. De calça vermelha cintilante, corpete, tamancos altos e batom, em "Tropicália" Caetano simulou um strip-tease na introdução e imitou os movimentos de Carmen Miranda ao final. Subversivo e desvirilizante demais: a censura acabou rechaçando os "trejeitos afeminados" de Caetano. Além disso, trechos (assinalados abaixo) de "Atrás da Porta", "Partido Alto", "Bárbara" e "Ana de Amsterdam" de Chico Buarque foram encobertos por barulho de palmas e gritos da plateia no estúdio sob ordem do Departamento de Polícia Federal. No primeiro dia, enquanto Caetano e Chico ensaiavam veio a notícia: Torquato Neto havia se suicidado. 

Caetano: "Este foi tudo rápido. A ideia foi de um cara, Roni, dono de uma loja de discos em Salvador onde a Gal Costa trabalhava como vendedora. Ele arranjou tudo. Aí eu disse para o Chico que ele deveria cantar "Com Açúcar e com Afeto", que era uma coisa de mulher. Ele disse que tinha uma melhor, uma história homossexual de duas mulheres e cada um faria uma, "Bárbara". Tem uma obra prima, "Deus Dará", um sucesso nacional. Tem "Você Não Entende Nada" junto com "Cotidiano", que ficou lindo. O disco fez o maior sucesso. (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991).

"Também resultado de show, feito por mim e pelo Chico, em 1972, em Salvador, no Teatro Castro Alves. Não posso esquecer: foi feito no dia em que Torquato Neto se suicidou, dia do aniversário dele. Eu e Chico estávamos ensaiando, quando chegou a notícia do suicídio. O disco traz cortes feitos pela censura também, como no verso "na barriga da miséria / nasci brasileiro", que o "brasileiro" foi cortado. Depois Chico colocou "batuqueiro" no lugar. O show fez muito sucesso. E o disco também." (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).

Relatório da Censura

1 - Apresentação de Caetano Veloso como um homossexual, pintado de baton e com trejeitos afeminados;

2 - Apresentação de uma música “Ana”, de Chico Buarque de Holanda, na qual existem termos imorais – “Sacana”, etc.

3 - Apresentação de uma Senhora, convidada de Caetano Veloso, que cantou samba de roda, no qual fazia referência aos olhos e os artistas presentes colocavam as mãos nos olhos, boca, idem, as mãos na boca, e finalmente dizia no “lelê, lalá” e os artistas colocavam a mão no sexo;

4 - No final do show, Caetano Veloso chamou o público para o palco dizendo que “o teatro é do povo”. Conforme o relato ainda do coronel Juarez, dezenas de pessoas subiram no palco, colocando a estrutura do mesmo em perigo, e com isso foi necessário a intervenção de bombeiros, os quais foram vaiados após ter Caetano Veloso dito: “É, o teatro não é do povo”.

Diz ainda o ofício: “Quanto a Chico Buarque: postura masculina normal; entretanto, ao final do show cantou “Apesar de Você”, de modo qual gritante, notando-se grande empolgação”. Saiba mais
 aqui.

Parte do relatório do departamento de censura sobre o show.

Lista de Músicas

Lado 1

1 - Bom conselho - Chico Buarque
(Chico Buarque)

2 - Partido alto - Caetano Veloso
(Chico Buarque)

3 - Tropicália - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)

4 - Morena dos olhos d'água - Caetano Veloso
(Chico Buarque)

5 - Rita - Caetano Veloso
(Chico Buarque)
+
Esse cara - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)

6 - Atrás da porta - Chico Buarque
(Chico Buarque, Francis Hime)

Lado 2

1 - Você não entende nada - Chico e Caetano
(Caetano Veloso)
+
Cotidiano - Chico e Caetano
(Chico Buarque)

2 - Bárbara - Chico e Caetano
(Chico Buarque)

3 - Ana de Amsterdam - Chico Buarque
(Chico Buarque)

4 - Janelas abertas n° 2 - Chico Buarque
(Caetano Veloso)

5 - Os argonautas - Caetano Veloso
(Caetano Veloso)

Vamos às Letras.

1 - Bom conselho (Chico Buarque)

Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado, ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha meu amigo, deixa esse regaço
Brinque com meu fogo, venha se queimar
Faça como eu digo, faça como eu faço
Haja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo, vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade

Vou pra rua e bebo a tempestade
Vou pra rua e bebo a tempestade


2 - Partido alto (Chico Buarque)

Diz que deu, diz que dá, diz que Deus dará
Não vou duvidar, ô nega, e se Deus não dá
Como é que vai ficar, ô nega?
Deus dará, Deus dará, diz que deu, diz que dá
Diz que Deus dará, não vou duvidar, ô nega
E se Deus negar, eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará, diz que deu, diz que dá
Diz que Deus dará, não vou duvidar, ô nega
E se Deus negar, eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria, nasci
Eu sou do Rio de Janeiro

Diz que deu, diz que dá, diz que Deus dará
E se Deus não dá, ô nega
Como é que vai ficar, ô nega?
Deus dará, Deus dará, diz que deu, diz que dá
Não vou duvidar, ô nega
E se Deus negar, eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Jesus Cristo inda me paga, um dia inda me explica
Como é que pôs no mundo esta pouca titica (censurado com barulho da plateia)
Vou correr o mundo afora, dar uma canjica
Que é pra ver se alguém se embala ao ronco da cuíca
E aquele abraço pra quem fica

Diz que deu, diz que dá, Deus dará
E se Deus não dá, ô nega
Como é que vai ficar, ô nega?
Deus dará, Deus dará, diz que deu, diz que dá
Diz que Deus dará, não vou duvidar, ô nega
E se Deus negar, eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Deus me deu mão de veludo pra fazer carícia
Deus me deu muitas saudades e muita preguiça
Deus me deu perna comprida e muita malícia
Pra correr atrás de bola e fugir da polícia
Um dia ainda sou notícia

Diz que deu, diz que dá, diz que Deus dará
Não vou duvidar, ô nega
E se Deus não dá
Como é que vai ficar, ô nega?
Deus dará, Deus dará, diz que Deus diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, ô nega
E se Deus negar, eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio
Pele e osso simplesmente, quase sem recheio
Mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio
Dou pernada a três por quatro e nem me despenteio
Que eu já tô de saco cheio


3 - Tropicália (Caetano Veloso)

Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento no planalto central
Do país

Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça
Viva a bossa-sa-sa
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça

O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada de uma rua antiga, estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente, feia e morta
Estende a mão

Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta
Viva a mata-ta-ta
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta

No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina e faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira
Entre os girassóis

Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Viva Maria-ia-ia
Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia

No pulso esquerdo bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração balança a um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhora e senhores ele põe os olhos grandes
Sobre mim

Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
Viva Iracema-ma-ma
Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma

Domingo é o Fino da Bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da
Viva a banda-da-da
Carmem Miranda-da-da-da-da

4 - Morena dos olhos d'água (Chico Buarque)

Morena dos olhos d'água
Tira os seus olhos do mar
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra te dar

Descansa um meu pobre peito
Que jamais enfrenta o mar
Mas que tem abraço estreito, morena
Com jeito de te agradar
Vem ouvir quantas histórias
Que por seu amor sonhei
Vem saber quantas vitórias, morena
Por mares que só eu sei

Morena dos olhos d'água
Tira os seus olhos do mar
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra te dar

O seu homem foi embora
Prometendo voltar já
Mas as ondas não tem hora, morena
De partir ou de voltar
Passa a vela e vai-se embora
Passa o tempo e vai também
Mas meu canto inda te implora, morena
Agora, morena, vem

Morena dos olhos d'água
Tira os seus olhos do mar
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra lhe dar


5 - A Rita (Chico Buarque)

A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
E o que me é de direito
Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato
Seu trapo
Seu prato
Que papel
Uma imagem de São Francisco
E um bom disco de Noel
A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meu pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão
A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
E o que me é de direito
Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato
Seu trapo
Seu prato
Que papel
Uma imagem de São Francisco
E um bom disco de Noel
A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meu pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão


6 - Esse cara (Caetano Veloso)

Ah! Que esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Como os olhos de um bandido

Ah! Que esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis
Com seus olhinhos infantis
Como os olhos de um bandido

Ele está na minha vida porque quer
Eu estou pra o que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada ele some
Ele é quem quer
Ele é o homem
Eu sou apenas uma mulher


7 - Atrás da porta (Chico Buarque, Francis Hime)

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei
Sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelos (censurado com barulho da plateia)
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua...

Foto: Thereza Eugênia.

8 - Você não entende nada (Caetano Veloso)

Quando eu chego em casa nada me consola
Você está sempre aflita
Lágrimas nos olhos, de cortar cebola
Você é tão bonita

Você traz a Coca-cola, eu tomo
Você bota a mesa, eu como, eu como
Eu como, eu como, eu como

Você não está entendendo
Quase nada do que eu digo
Eu quero ir-me embora
Eu quero é dar o fora

E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo

Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento
Você está tão curtida
Eu quero tocar fogo neste apartamento
Você não acredita

Traz meu café com Suíta eu tomo
Bota a sobremesa eu como, eu como
Eu como, eu como, eu como

Você tem que saber que eu quero correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora

E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo


9 - Cotidiano (Chico Buarque)

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pr'o jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pr'eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr'eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pr'o jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pr'eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr'eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã


10 - Bárbara (Chico Buarque, Ruy Guerra)

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar
O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua
Deixa eu te proteger do mal
Dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres
Teu leito de viúva
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas (censurado com barulho da plateia)
E mergulhar no poço escuro de nós duas (trecho retirado)
Vamos viver agonizando uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante
Como uma hemorragia
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Bárbara
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar
O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua (censurado com barulho da plateia)
Deixa eu te proteger do mal
Dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres
Teu leito de viúva
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas (censurado com barulho da plateia)
E mergulhar no poço escuro de nós duas (trecho retirado)
Vamos viver agonizando uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante
Como uma hemorragia
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Bárbara


11 - Ana de Amsterdam (Chico Buarque, Ruy Guerra)

Sou Ana do dique e das docas
Da compra, da venda, da troca das pernas
Dos braços, das bocas, do lixo, dos bichos, das fichas
Sou Ana das loucas
Até amanhã
Sou Ana, da cama
Da cana, fulana, bacana (Autorizado por Chico, Roberto Menescal foi ao estúdio e, com a própria voz, trocou a consoante 's' por 'b'. E assim, a tal Ana, que era "sacana", virou "bacana")
Sou Ana de Amsterdam
Eu cruzei um oceano
Na esperança de casar
Fiz mil bocas pra Solano
Fui beijada por Gaspar
Sou Ana de cabo a tenente
Sou Ana de toda patente, das Índias
Sou Ana do Oriente, Ocidente, acidente, gelada
Sou Ana, obrigada
Até amanhã, sou Ana
Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos
Sou Ana de Amsterdam
Arrisquei muita braçada
Na esperança de outro mar
Hoje sou carta marcada
Hoje sou jogo de azar
Sou Ana de vinte minutos
Sou Ana da brasa dos brutos na coxa
Que apaga charutos
Sou Ana dos dentes rangendo
E dos olhos enxutos
Até amanhã, sou Ana
Das marcas, das macas, das vacas, das pratas
Sou Ana de Amsterdam


12 - Janelas abertas n° 2 (Caetano Veloso)

Sim, eu poderia abrir as portas que dão pra dentro
Percorrer correndo os corredores em silêncio
Perder as paredes aparentes do edifício
Penetrar no labirinto
O labirinto de labirintos
Dentro do apartamento

Sim, eu poderia procurar por dentro a casa
Cruzar uma por uma as sete portas
As sete moradas
Na sala receber o beijo frio em minha boca
Beijo de uma deusa morta
Deus morto, fêmea de língua gelada
Língua gelada como nada

Sim, eu poderia em cada quarto rever a mobília
Em cada uma matar um membro da família
Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia
O que aconteceria de qualquer jeito
Mas eu prefiro abrir as janelas pra que entrem todos os insetos

Caetano e Edith do Prato.

13 - Os argonautas (Caetano Veloso)

O barco, meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, noite no céu tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco, da madrugada
O porto, nada
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O barco, o automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Navegar é preciso
Viver...


Ficha Técnica

Direção de Produção: Roni Berbert e Guilherme Araújo
Direção de Estúdio: Sergio M. de Carvalho
Técnico de Gravação: Ary
Gravado ao vivo no Teatro Castro Alves, Bahia nos dias 10 e 11 de novembro
Participação Especial: MPB-4
Músicos participantes: Jurandir, Ronaldo, Tuzé, Moacyr, Perinho, Perna, Tutti e Bira (percussão)
Fotos a cores: Marcos Maciel / Foto em preto e branco: Arlete Soares

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