1975 - Jóia - Caetano Veloso


Jóia (1975) pode ser considerado o primo do campo de Araçá Azul (1973), numa "versão serenizada dos desejos experimentais", segundo Caetano. O disco vem com sons mais limpos e puros, priorizando a flauta e o silêncio no lugar da guitarra e do barulho da cidade. Nas letras, a exploração de sílabas e repetições ritmadas. A capa original traz o desenho pintado a lápis de cor pelo próprio Caetano por cima de uma foto dele, de Moreno e Dedé Veloso nus e remete ao álbum Unfinished Music nº1: Two Virgins (1968) de John Lennon e Yoko Ono. A censura instaurada à época confiscou o disco das lojas por achar a capa obscena e ainda ameaçou retirar a guarda de Moreno dos seus pais. A solução foi relançar o álbum apenas com as pombas desenhadas. Pipoca Moderna da Banda de Pífaros de Caruaru lembra a sua influência no Tropicalismo sob o ponto de vista de Gilberto Gil. Na Asa do Vento é bela regravação de Luiz Vieira e João do Vale. A poesia de Oswald de Andrade é musicada na batucada de Escapulário. Uma noite toda se passa entre Lua, lua, lua, lua e Canto do povo de um lugar. Minha Mulher e Tudo tudo tudo são para a família. Guá, em parceria com Perinho Albuquerque, é um canto em iorubá cuja palavra-título tem procedência tupi e significa “origem”. Já Help anuncia: a outra metade é Qualquer Coisa

Caetano sobre Jóia e Qualquer Coisa (1975): "Ia ser um álbum duplo, porque eu tinha muito material. Aí resolvi fazer dois discos, cada um com um título. O Jóia era a minha relação com o trabalho limpo, pequenas peças bem acabadas, com a liberdade de Araçá Azul. Não tem nem bateria no Jóia, um instrumento do qual eu não gostava. Cada faixa era uma jóia. Qualquer coisa era o vale tudo, bateria, confusão. O manifesto do Jóia e o manifesto do Qualquer coisa, lidos juntos, têm um batimento engraçado. O Jóia foi o único que eu reouvi em CD. Soa tão bonito... Adoro o silêncio do CD. Gosto de Na asa do vento e em Minha mulher é maravilhoso o relaxamento meu e de Gil ao violão, que não encontro em outra faixa de Jóia. Qualquer coisa é que era relaxado. Gosto da faixa Qualquer coisa, mas na gravação a canção ficou presa. O Roberto Carlos reclamou que eu não tinha dado para ele Qualquer coisa. Devia ter dado. Ia cantar tão lindo, tão profissional. É curioso. A letra mais abstrata do Brasil, cheia de referências, um título de filme de Rogério Sganzerla, todo mundo cantou. Qualquer coisa vendeu muito mais que Jóia. Uma coisa assim de 60.000 contra 30.000." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991). 

"Durante dois anos e meio fui acumulando material e eu queria mostrar tudo. Por isso, só por isso, são dois discos. Não pensei em álbum duplo porque não gosto muito. É uma transação muito complicada. Lado A, B, C, D, a gente se perde. Tive a ideia de não dispensar nenhuma música porque sabia que, se deixasse para gravar mais tarde, elas acabariam na gaveta. Só comecei a pensar em seleção quando notamos que o número de músicas gravadas excedia a capacidade de um LP. Gravamos tudo misturado e a coerência interna que acho que conseguimos em ambos está muito ligada aos títulos. Mesmo assim, algumas músicas de Jóia acho que são mais Qualquer Coisa. Houve um critério, inventado posteriormente, mas houve. Mais um clima do que um critério. Ao mesmo tempo em que os discos se opõem, estão intimamente ligados. Jóia é a nota só do samba e Qualquer Coisa é o coração do desafinado. Jóia são os ovos de Colombo e Qualquer Coisa é a América descobrindo-se. Estou procurando aprimorar meu gosto e esperando o que pintar na minha cabeça e no ar. Quero que meu trabalho tenha uma tendência maior para a tranquilidade, mas não sei se estou conseguindo. A vinda para o Rio foi um dado de grande importância e o contato com um ambiente mais profissional aprofundou uma série de dúvidas, tornou urgente certas exigências. Gosto muito de me apresentar em público, adoro. Há muito tempo que venho planejando um espetáculo para reforçar o lançamento dos discos. Reforça mas não repete. O som será incrível e de total responsabilidade do Grupo Bendegó (Gereba e Zeca, violas; Capenga, baixo; Eli, bateria e Vermelho, órgão. E mais Djalma Corrêa na percussão). Tudo vai dar certo, o show está bem elaborado e os discos estão lindos. A polaridade parece um caminho para entender meu trabalho. O movimento bossa nova é um movimento Jóia e o Tropicalismo é um movimento Qualquer Coisa. Em ambos, o dado mais  importante é um respeito contrito à ideia de inspiração. Alegria. Saber a calma para ir perder a pressa para estar." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1975).

"Esses dois discos foram produzidos ao mesmo tempo, gravados ao mesmo tempo e lançados ao mesmo tempo. Gravei como quem grava um disco duplo, mas sentindo que, fazendo uma separação de repertório, dariam dois discos: sendo o Jóia um disco de sons mais limpos, espécie de versão mais serenizada dos desejos experimentais, também com canções mais curtas; Qualquer coisa ficou sendo um disco de canções variadas, com músicas dos Beatles, canções pop - como a própria música título, Qualquer coisa, que o Roberto Carlos gosta imensamente e queria muito ter gravado. Ele mesmo disse: "Essa canção é que você deveria ter me dado para gravar." Ele adora. Escolhi esses dois nomes exatamente pelo contraste entre eles, a diferença entre o que é "jóia" e o que é "qualquer coisa". Evitei fazer um disco duplo, que acho um pouco chato. A gente se perde pelo excesso de informação. Embora reconheça que alguns artistas arrebentaram no disco duplo. Steve Wonder, por exemplo. O ápice da vida dele é o disco Songs in the key of life, que é duplo e duplamente genial. Mas naquele dos Rollings Stones, Exile on Main St., que é tão querido, eu me perco com a variedade de canções. O próprio disco branco dos Beatles, que é lindíssimo, ali também a gente se perde um pouco na floresta de sons. É muita coisa. Então, não quis fazer duplo e optei por separar o repertório em dois discos. Qualquer coisa resultou muito mais comercial do que o Jóia. Não vendeu muito, porque os meus discos não vendiam muito, a não ser em dois ou três momentos atípicos e esporádicos. Em geral, era uma venda para mim alta, mas pequena para o mercado. São os primeiros discos feitos no Rio, desde Domingo, pois os outros todos foram feitos em São Paulo ou em Londres (e um de Salvador, o disco de capa branca). Esses dois marcam o meu retorno para o Rio de Janeiro. A capa do disco Jóia me trouxe alguns problemas com a censura. Fizemos a foto - eu, Dedé e Moreno -, eu e Moreno nus e Dedé usando uma saia de pano cru. Usei a fotografia e pintei em cima com lápis de cor. Pedi ao artista da gravadora para desenhar um pássaro, a ser colocado em cima do meu sexo, para não ficar com a genitália exposta. O resultado até que ficou suave e familiar, mas fizeram um escarcéu danado, recolheram os discos das lojas e até ameaçaram tirar o Moreno de nossa guarda. Tive que dar explicações à Polícia Federal, juntamente com o André Midani, que dirigia a gravadora. Disse aos censores que a idéia de capa era minha, que ela não tinha nada de ofensivo, não aparecia órgão sexual nenhum. A capa foi recolhida e tivemos que fazer outra, somente branca e com os pássaros espalhados por ela, juntamente com a minha assinatura." (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).

"Eu tinha uma música Jóia e uma música Qualquer Coisa. Dois títulos que me parecem fortes, e há uma tensão entre os dois. A partir dos títulos fiz uma divisão com um critério muito pessoal. As capas correspondem ao tipo de canções. Jóia tem mais canções minhas novas, muito simples, simplificantes, reduzidas a um sonho de pureza original. As músicas são desligadas das coisas da cidade, há um clima de paraíso terrestre. No fundo, Jóia é o Amor à Natureza de Paulinho da Viola. Qualquer Coisa é como a capa - meu rosto em várias fotos superpostas, com roupa, com todo o peso da realidade cotidiana. Tem músicas mais longas, mais urbanas. Não quero complicações, quero reduzir tudo à simplicidade, quero transar som, transar música com texto dentro do meu gosto. Estou aprimorando meu gosto, mas isto é uma coisa minha, não importa o que resulte. (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1975).

"Escrevi um manifesto do Movimento Jóia e um manifesto do Movimento Qualquer Coisa, que é uma piada sobre movimentos, e é uma atitude bem qualquer coisa porque não há movimento, nem necessidade de movimentos e no entanto fala-se nisso. As pessoas demonstram necessidade de que haja movimento, uma linha, então eu faço como uma brincadeira pra mexer com essa coisa e aí eu escrevi os dois manifestos." (Caetano Veloso para Letras e Letras da MPB, 1975.)

"Eu tenho uma música chamada Jóia que eu fiz pra Gal gravar. Quando eu estava na Bahia, já com a metade do material gravado, eu fiz uma música chamada Qualquer Coisa. Bem nessa hora pintou o grilo: o material dava para mais de um disco. Então imediatamente apareceu na minha cabeça a idéia de que a palavra jóia e a expressão qualquer coisa têm uma relação engraçada, porque jóia é uma palavra que quer dizer alguma coisa muito especial, de certa forma até elevada, acima das outras. Não é qualquer coisa. É uma jóia. E qualquer coisa é exatamente qualquer coisa. Eu acho muito engraçadas essas expressões. Jóia inclusive pode ter um sentido de gíria, o que a torna uma palavra bem qualquer coisa, mas é um nome de uma canção muito especial, curta, com certa elegância formal. Pelo menos na minha cabeça. Então este é o meu trabalho. Jóia e Qualquer Coisa, antes de serem duas idéias, ou uma idéia de uma dualidade, foram dois títulos. Foi uma coisa mais prática do que propriamente um pensamento sobre o trabalho que estava sendo feito. 0 pensamento, na verdade, foi buscado depois da intitulação dos trabalhos. É preciso entender bem a indefinição dos dois, para que depois se possa tentar definir as coisas através dessa indefinição. O trabalho foi feito aos poucos, gravando música por música, sem se pensar em quantas se iria gravar nem como seria o disco, ou se seriam dois discos, ou um álbum duplo. Foi gravar o material que eu tinha. E eu tinha muita coisa, porque estava sem gravar há muito tempo." (Caetano Veloso para a Crítica, 1975).

"Depois do Araçá Azul eu fiquei dois anos sem fazer álbuns, então quando fiz o Jóia acabei fazendo o Qualquer Coisa. O Araçá Azul tinha chegado num ponto muito radical, então pra retomar as canções como eu queria, eu quis fazê-lo numa situação pós-Araçá Azul. Então Jóia nasceu deste comprometimento, e Qualquer Coisa já foi como deixar rolar o que acontecesse, fosse o que fosse. Foram gravados e lançados simultaneamente. O que fosse uma espécie de canção pós-Araçá Azul, ia pro Jóia; o que fosse 'sei lá o quê', ia pro Qualquer Coisa. Tanto regravações, quanto composições. Tem Beatles nos dois, mas no Jóia só tem Help – que é jóia! As outras foram tudo qualquer coisa. Você sabe que até hoje eu gosto da gravação de Eleanor Rigby? Eu acho bonita e não me incomodo se no mundo de língua inglesa ninguém notou, nem acha. Eu acho que é boa. Parece que sou modesto, dizendo que faço coisas modestas e não imagino que vão ter permanência por sua importância artística. Isso que eu falei é verdade, não é modéstia. Eu acho isso mesmo, em geral. Agora, tem algumas coisas que eu acho que posso dizer de uma maneira e que podem soar arrogantes. Por exemplo, o mundo de língua inglesa é que vai ter que se curvar um dia, mais cedo ou mais tarde, ao fato de que essa gravação de Eleanor Rigby é bonita, assim como aquela de Jokerman, que eu fiz anos depois. E uma canção de Bob Dylan que eles não consideram bonita, mas que eu adoro. Eu acho a canção linda e acho minha gravação muito bonita. Rogério Duarte ouviu as gravações das músicas dos Beatles e sabia o quanto eles tinham sido importantes pra gente. Essas gravações dos Beatles são um reconhecimento de dívida de gratidão, um reconhecimento da importância que eles tiveram pra nós em 1966... pra acontecer o que aconteceu em I967". (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).

Sobre a capa: "Fiz uma pintura a lápis de cor sobre uma foto minha, da Dedé e de Moreno. Não posso entender o que viram de obsceno. Na minha opinião, não é sequer erótica. Muita coisa erótica circula por aí e ninguém diz nada. Essa capa só tem um parente próximo que é a capa do disco de Paulinho da Viola - Amor à Natureza - que conserva o mesmo sentido que eu busquei. E é a única imagem de que consigo me aproximar, apesar da diferença de estilo." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1975). 


Manifesto do Movimento Jóia

respeito contrito à idéia de inspiração. alegria. saber a calma para ir perder a pressa para estar. inspiração quer dizer: todo esforço em direção a esforço nenhum, nenhum esforço em direção a todo esforço em direção a esforço nenhum. todo esforço em direção a nenhum esforço em direção a todo esforço em direção a nenhum. todo esforço em direção a nenhum esforço em direção a todo esforço em direção a nenhum esforço em direção ao todo.

nenhum círculo é vicioso a ponto de impossibilitar o verde, o aparecimento do verde, a esperança do aparecimento do verde, escrevo livre da insensatez azul e do equilíbrio amarelo.

respeito contrito à idéia de inspiração. jóia. meu carro é vermelho. inspiração quer dizer: estar cuidadosamente entregue ao projeto de uma música posta contra aqueles que falam em termos de década e esquecem o minuto e o milênio.

inspiração: águas de março.

o sexo dos anjos. e não fazemos por menos.
(Caetano Veloso).

Caetano Veloso e Grupo Bendegó: "o espetáculo, em termos de repertório, foi elaborado muito em cima dos discos. Mas a transação é outra porque o som é outro". (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1975).

Lista de Músicas

Lado 1

1 - Minha mulher (Caetano Veloso)
Violões: Caetano Veloso, Gilberto Gil. 

2 - Guá (Caetano Veloso, Perinho Albuquerque)
Kissange: Perinho Albuquerque; Percussão: Djalma Corrêa; Violão: Caetano Veloso; Vocal: Quarteto em Cy.

3 - Pelos olhos (Caetano Veloso)
Flautas: Jorginho, Franklin, Altamiro Carrilho, Celso; Arranjo: Perinho Albuquerque.

4 - Asa (Caetano Veloso)
Percussão: Djalma Corrêa.

5 - Lua lua lua lua (Caetano Veloso)
Órgão: Antonio Adolfo.

6 - Canto do povo de um lugar (Caetano Veloso)
Caetano e Grupo Bendegó: Gereba, Capenga, Zeca, Vermelho. 

Lado 2

1 - Pipoca moderna (Caetano Veloso, Sebastião Biano)
Flauta: Tuzé Abreu; Percussão: Enéas Costa, Bira da Silva; Arranjo: Perna Fróes. 

2 - Jóia (Caetano Veloso)
Percussão: Caetano Veloso; Perinho Albuquerque.

3 - Help (J. Lennon, P. McCartney)
Violão: Caetano Veloso.

4 - Gravidade (Caetano Veloso)
Piano: Perna Fróes; Guitarra: Perinho Albuquerque; Baixo: Moacyr Albuquerque; Flauta: Tuzé de Abreu; Bateria: Enéas Costa; Percussão: Bira da Silva.

5 - Tudo tudo tudo (Caetano Veloso)
Arranjo: Perna Fróes.

6 - Na asa do vento (Luiz Vieira, João do Vale)
Violão: Caetano Veloso.

7 - Escapulário (Caetano Veloso, Oswald de Andrade)
Coro: As Gatas; Percussão: Cream Crackers; Bateria: Tuty Moreno.

Vamos às Letras. 

1 - Minha mulher (Caetano Veloso)

Quem vê assim pensa que você é muito minha filha
Mas na verdade você é bem mais minha mãe

Meu bichinho bonito
Meu bichinho bonito
Meu bichinho bonito
Tudo é mesmo muito grande assim
Porque Deus quer

Minha mulher
Minha mulher
Minha mulher

Quem vê assim pensa que você é muito minha filha
Mas na verdade você é bem mais minha mãe

Meu bichinho bonito
Meu bichinho bonito
Tudo é mesmo muito grande assim
Porque Deus quer

Minha mulher
Minha mulher
Minha mulher

Quando eu for velho
Quando eu for velhinho
Bem velhinho
Como seremos?
Como serei?
Como será?

Meu bichinho bonito
Meu bichinho bonito
Meu bichinho bonito
Tudo é mesmo muito grande assim
Porque Deus quer

Minha mulher
Minha mulher
Minha mulher

Comentário do autor: "Gil tocando violão comigo... aquela música reduzida ao mínimo, com o que tem que dizer. Eu adoro. Fiz pra Dedé e ela nunca demonstrou gostar dessa canção." (Caetano Veloso para o podcast Essenciais da Deezer, 2019). 


2 - Guá (Caetano Veloso, Perinho Albuquerque)

Água
Guamá
Iguapé
Ibualama

Comentário do autor: "A pessoa que sabe me disse que o meu orixá é ibu-alama. A pessoa que sabe é muito bonita. Essa sílaba ‘gua’ surgiu tantas vezes seguidas e de tal modo se comportou como núcleo desse átomo que eu pensei que ela era o jeito de se expressar o que eu não sei explicar da relação mítica entre ibu-alama e a água, as águas. Os lugares que eu amo – guamá-belém, iguape-pedrinho-baía de todos os santos, recôncavo de santo amaro, – são elementos qualquer coisa íntimos, desses que só eu sei e tudo é ritmo, tudo é inútil e não deveríamos temer coisa alguma." (Caetano Veloso. Alegria, Alegria. Editora Pedra Q Ronca, 1977).

Caetano e Djalma Corrêa.

3 - Pelos olhos (Caetano Veloso)

O Deus que mora na proximidade do haver avencas
Esse Deus das avencas é a luz
Saindo pelos olhos
De minha amiguinha

O Deus que mora na proximidade do haver avencas
Esse Deus dos fetos
Das plantas pequenas é a luz
Saindo pelos olhos
De minha amiguinha linda
De minha amiguinha


4 - Asa (Caetano Veloso)

Pássaro um
Pássaro pairando um
Pássaro momento um
Pássaro ar
Pássaro ímpar
Parou pousar
Parou repousar

Pássaro som
Pássaro parado um
Pássaro silêncio um
Pássaro ir
Pássaro ritmo
Passar voou
Passar avoou

Pássaro par

Pássaro um
Pássaro pairando um
Pássaro momento um
Pássaro ar
Pássaro ímpar
Parou pousar
Parou repousar


5 - Lua lua lua lua (Caetano Veloso)

Lua, lua, lua, lua
Por um momento meu canto contigo compactua
E mesmo o vento canta-se
Compacto no tempo
Estanca

Branca, branca, branca, branca
A minha, nossa voz atua sendo silêncio
Meu canto não tem nada a ver com a lua

Comentário do autor: "É uma das canções mais lindas do disco Jóia. É pequena, é bonita. Eu adoro "e mesmo o vento canta-se compacto no tempo", porque tem a palavra "compactua" antes. Também gosto de "estanca" e "branca, branca, branca", que têm o eco de alguma coisa de Haroldo de Campos, dos poemas dele que lia nos anos 60 e que traziam palavras como "estanco", "branco". (Caetano Veloso. Sobre as letras. Companhia das letras, 2003). 


6 - Canto do povo de um lugar (Caetano Veloso)

Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada o céu de estrelas
e a gente dorme sonhando com o dia


7 - Pipoca moderna (Caetano Veloso, Sebastião Biano)

E era nada de nem noite de negro não
E era nê de nunca mais
E era noite de nê nunca de nada mais
E era nem de negro não
Porém parece que há golpes de pê, de pé, de pão
De parecer poder
E era não de nada nem
Pipoca ali, aqui, pipoca além
Desanoitece e amanhã
Tudo mudou

Comentário de Caetano: "Em 67 Gil passou um tempo no Recife. De lá ele trouxe o pique para o tropicalismo. E, principalmente uma fita cassete com o som da banda de pífaros de Caruaru. Desde então, a pipoca moderna ficou em nossa cabeça, alguma coisa transando entre ou neurônios, umas joiazinhas de iluminação. De lá até aqui não perdi a esperança. Esses anos. Eu quero cantar palavras cantáveis, encontrar palavras cantáveis eu amo a arte de João Gilberto. Em 72, Gil colocou uma gravação da pipoca moderna na primeira faixa do lp que ele fez naquele ano. Nós não perdemos nunca a esperança. Eu venho tentando me abandonar às palavras cantáveis, ocultas aqui ali, desvelar algumas, desvelar-me para elas. Venho sonhando com um canto que seja o som como a visão do visionário. Qual é a da música, afinal? Essas palavras por causa da pipoca dos pífaros merecem meu amor. Não são a realização do meu sonho, mas a prova de que é um bom sonho, esse. Eu estava na varanda de casa na Bahia e Marquinhos Rebucetê mostrou no céu aquela luz que surgiu e cresceu e me meteu medo muito medo e Dedé ficou toda inteira e Márcia ficou tão feliz e tem uma hora que eu agradeço a Deus porque depois vieram as palavras desse canto em mim e talvez seja esse o modo pelo qual meu medo se redime e eu não me perco. Depois de cantar a pipoca moderna eu fiquei inteiro como Dedé e feliz como Márcia e fui o primeiro a ver como Marquinhos Rebucetê. Fui o primeiro a ver essa pergunta luminosa inscrita no céu da boca de quem cante e outro dia Jorge Salomão falou alguma coisa como o "jeca total". Sou feliz na pipoca desse canto e isso é muito firme. Estou inteiro quando há esse canto da pipoca moderna. Eis." (Caetano Veloso. Alegria, Alegria. Editora Pedra Q Ronca, 1977). 


8 - Jóia (Caetano Veloso)

Beira de mar
Beira de mar
Beira de mar é na América do Sul
Um selvagem levanta o braço
Abre a mão e tira um caju
Um momento de grande amor
De grande amor

Copacabana
Copacabana
Louca total e completamente louca
A menina muito contente
Toca a Coca-cola na boca
Um momento de puro amor
De puro amor

Comentário do autor: "Deu título ao disco. É um negócio pequeno mas bonito. Fala de uma menina específica, Claudinha O'Reilegh. A gente ia ver o sol nascer em Copacabana todo dia de manhã, antes de dormir, e ela tomava coca-cola". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


9 - Help (J. Lennon, P. McCartney)

Help! I need somebody
Help! Not just anybody
Help! You know I need someone
Help!

When I was younger so much younger than today
I never needed anybody's help in any way
But now these days are gone
I'm not so self assured
Now I find I've changed my mind
I've opened up the doors

Help me if you can I'm feeling down
And I do appreciate you being

Comentário de Caetano: "Tem os Beatles porque adoro, sempre adorei. Cantava na Record, canto em casa, muito." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1975). 


10 - Gravidade (Caetano Veloso)

Asa asa asa asa
Não ter asa
Pedras no fundo azul

Água água água água
Barbatana
Seixo rolando no leito

Chama chama chama chama
Nada nada
Sonho afogado no ar

Asa asa asa asa
O vento entra pela casa
Pedra de sono na cama
Sonho no fundo do leito
Brasa debaixo da cinza
Anjo no peito da terra
Asa no fundo do sonho

Asa asa asa asa
Rio infinito no leito de um rio

Seixo seixo seixo seixo
Destino do destino
Destino do destino


11 - Tudo Tudo Tudo (Caetano Veloso)

Tudo comer
Tudo dormir
Tudo no fundo do mar

Comentário do autor: "Devia ser escrito assim: mmmmmmmmmm / mmmmmmmmmm / mmmmmmmmar, como foi cantado pra ninar Moreno. De algum modo deviam ir surgindo embriões de sílabas até o que finalmente é o texto ganhar forma. Mas não foi escrito nem assim nem assado. Está sendo agora copiado pra que se também leia. São bonitas essas músicas onde não há composição contando o que de fato se passou. Só Moreno conhece. O número de repetições é até ele dormir ou ficar de saco cheio de tentar e desistir. O acalanto é uma forma de música muito útil." (Caetano Veloso. Alegria, Alegria. Editora Pedra Q Ronca, 1977). 

Foto: Biah Schmidt.

12 - Na asa do vento (Luiz Vieira, João do Vale)

Deu meia noite, a lua faz um claro
Eu assubo nos aro, vou brincar no vento leste
A aranha tece puxando o fio da teia
A ciência da abêia, da aranha e a minha

Muita gente desconhece
Muita gente desconhece, olará, viu?
Muita gente desconhece
Muita gente desconhece, olará, tá?
Muita gente desconhece

A lua é clara, o sol tem rastro vermelho
É o mar um grande espelho onde os dois vão se mirar
Rosa amarela quando murcha perde o cheiro
O amor é bandoleiro, pode inté custar dinheiro
É fulô que não tem cheiro e todo mundo quer cheirar

Todo mundo quer cheirar, olará, viu?
Todo mundo quer cheirar
Todo mundo quer cheirar, olará, tá?
Todo mundo quer cheirar
Todo mundo quer cheirar olará, viu?
Todo mundo quer cheirar


13 - Escapulário (Caetano Veloso, Oswald de Andrade)

No pão-de-açúcar
De cada dia
Dai-nos, Senhor
A poesia de cada dia

Comentário de Caetano: "Oswald de Andrade, sendo um grande escritor construtivista, foi também um profeta da nova esquerda e da arte pop: ele não poderia deixar de interessar aos criadores que eram jovens nos anos 60. Esse "antropófago indigesto", que a cultura brasileira rejeitou por décadas, e que criou a utopia brasileira de superação do messianismo patriarcal por um matriarcado primal e moderno, tornou-se para nós o grande pai." (Caetano Veloso. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997).


Caetano Veloso e o Grupo Bendegó.


Ficha Técnica

Direção de Produção: Caetano Veloso - Perinho Albuquerque
Técnicos de Gravação: João Moreira - Luigi 
Assistente de Gravação: Paulo "Chocolate" Sergio - José Guilherme
Montagem: Jairo Gualberto 
Mixagem: João Moreira 
Corte: Joaquim Figueira 
Capa: Caetano Veloso - Aldo Luiz
Foto: João Castrioto 

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