1975 - Qualquer Coisa - Caetano Veloso


Qualquer Coisa (1975) parece reunir o que não coube em Jóia. Ao contrário da redução à forma primorosa dos sons, o disco abrange o mundo ao trazer músicas de Chico e Jorge Ben, versões de compositores cubanos e peruanos, além de três interpretações dos Beatles. A música Qualquer Coisa foi desejada por Roberto Carlos e nasceu de uma observação de Moreno ao ver o berro de um bezerro. Traz a versão do compositor em A Tua Presença Morena e Da Maior Importância, músicas que Caetano gostava de cantar, feitas para Bethânia e Gal, respectivamente. A capa superpõe várias fotos de Caetano e sua montagem remete também aos Beatles, desta vez Let it be (1970). Samba e Amor conversa com Madrugada e Amor. Nicinha encanta em "a vida tem uma dívida/ com a música perdida/ no silêncio dos seus dedos/ e no canto dos meus medos". A outra metade é Jóia. 

Caetano sobre Jóia e Qualquer Coisa (1975): "Ia ser um álbum duplo, porque eu tinha muito material. Aí resolvi fazer dois discos, cada um com um título. O Jóia era a minha relação com o trabalho limpo, pequenas peças bem acabadas, com a liberdade de Araçá Azul. Não tem nem bateria no Jóia, um instrumento do qual eu não gostava. Cada faixa era uma jóia. Qualquer coisa era o vale tudo, bateria, confusão. O manifesto do Jóia e o manifesto do Qualquer coisa, lidos juntos, têm um batimento engraçado. O Jóia foi o único que eu reouvi em CD. Soa tão bonito... Adoro o silêncio do CD. Gosto de Na asa do vento e em Minha mulher é maravilhoso o relaxamento meu e de Gil ao violão, que não encontro em outra faixa de Jóia. Qualquer coisa é que era relaxado. Gosto da faixa Qualquer coisa, mas na gravação a canção ficou presa. O Roberto Carlos reclamou que eu não tinha dado para ele Qualquer coisa. Devia ter dado. Ia cantar tão lindo, tão profissional. É curiosMao. A letra mais abstrata do Brasil, cheia de referências, um título de filme de Rogério Sganzerla, todo mundo cantou. Qualquer coisa vendeu muito mais que Jóia. Uma coisa assim de 60.000 contra 30.000." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991).

"Esses dois discos foram produzidos ao mesmo tempo, gravados ao mesmo tempo e lançados ao mesmo tempo. Gravei como quem grava um disco duplo, mas sentindo que, fazendo uma separação de repertório, dariam dois discos: sendo o Jóia um disco de sons mais limpos, espécie de versão mais serenizada dos desejos experimentais, também com canções mais curtas; Qualquer coisa ficou sendo um disco de canções variadas, com músicas dos Beatles, canções pop - como a própria música título, Qualquer coisa, que o Roberto Carlos gosta imensamente e queria muito ter gravado. Ele mesmo disse: "Essa canção é que você deveria ter me dado para gravar." Ele adora. Escolhi esses dois nomes exatamente pelo contraste entre eles, a diferença entre o que é "jóia" e o que é "qualquer coisa". Evitei fazer um disco duplo, que acho um pouco chato. A gente se perde pelo excesso de informação. Embora reconheça que alguns artistas arrebentaram no disco duplo. Steve Wonder, por exemplo. O ápice da vida dele é o disco Songs in the key of life, que é duplo e duplamente genial. Mas naquele dos Rollings Stones, Exile on Main St., que é tão querido, eu me perco com a variedade de canções. O próprio disco branco dos Beatles, que é lindíssimo, ali também a gente se perde um pouco na floresta de sons. É muita coisa. Então, não quis fazer duplo e optei por separar o repertório em dois discos. Qualquer coisa resultou muito mais comercial do que o Jóia. Não vendeu muito, porque os meus discos não vendiam muito, a não ser em dois ou três momentos atípicos e esporádicos. Em geral, era uma venda para mim alta, mas pequena para o mercado. São os primeiros discos feitos no Rio, desde Domingo, pois os outros todos foram feitos em São Paulo ou em Londres (e um de Salvador, o disco de capa branca). Esses dois marcam o meu retorno para o Rio de Janeiro. A capa do disco Jóia me trouxe alguns problemas com a censura. Fizemos a foto - eu, Dedé e Moreno -, eu e Moreno nus e Dedé usando uma saia de pano cru. Usei a fotografia e pintei em cima com lápis de cor. Pedi ao artista da gravadora para desenhar um pássaro, a ser colocado em cima do meu sexo, para não ficar com a genitália exposta. O resultado até que ficou suave e familiar, mas fizeram um escarcéu danado, recolheram os discos das lojas e até ameaçaram tirar o Moreno de nossa guarda. Tive que dar explicações à Polícia Federal, juntamente com o André Midani, que dirigia a gravadora. Disse aos censores que a idéia de capa era minha, que ela não tinha nada de ofensivo, não aparecia órgão sexual nenhum. A capa foi recolhida e tivemos que fazer outra, somente branca e com os pássaros espalhados por ela, juntamente com a minha assinatura." (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).

"Durante dois anos e meio fui acumulando material e eu queria mostrar tudo. Por isso, só por isso, são dois discos. Não pensei em álbum duplo porque não gosto muito. É uma transação muito complicada. Lado A, B, C, D, a gente se perde. Tive a ideia de não dispensar nenhuma música porque sabia que, se deixasse para gravar mais tarde, elas acabariam na gaveta. Só comecei a pensar em seleção quando notamos que o número de músicas gravadas excedia a capacidade de um LP. Gravamos tudo misturado e a coerência interna que acho que conseguimos em ambos está muito ligada aos títulos. Mesmo assim, algumas músicas de Jóia acho que são mais Qualquer Coisa. Houve um critério, inventado posteriormente, mas houve. Mais um clima do que um critério. Ao mesmo tempo em que os discos se opõem, estão intimamente ligados. Jóia é a nota só do samba e Qualquer Coisa é o coração do desafinado. Jóia são os ovos de Colombo e Qualquer Coisa é a América descobrindo-se. Estou procurando aprimorar meu gosto e esperando o que pintar na minha cabeça e no ar. Quero que meu trabalho tenha uma tendência maior para a tranquilidade, mas não sei se estou conseguindo. A vinda para o Rio foi um dado de grande importância e o contato com um ambiente mais profissional aprofundou uma série de dúvidas, tornou urgente certas exigências. Gosto muito de me apresentar em público, adoro. Há muito tempo que venho planejando um espetáculo para reforçar o lançamento dos discos. Reforça mas não repete. O som será incrível e de total responsabilidade do Grupo Bendegó (Gereba e Zeca, violas; Capenga, baixo; Eli, bateria e Vermelho, órgão. E mais Djalma Corrêa na percussão). Tudo vai dar certo, o show está bem elaborado e os discos estão lindos. A polaridade parece um caminho para entender meu trabalho. O movimento bossa nova é um movimento Jóia e o Tropicalismo é um movimento Qualquer Coisa. Em ambos, o dado mais  importante é um respeito contrito à ideia de inspiração. Alegria. Saber a calma para ir perder a pressa para estar." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1975).

"Eu tinha uma música Jóia e uma música Qualquer Coisa. Dois títulos que me parecem fortes, e há uma tensão entre os dois. A partir dos títulos fiz uma divisão com um critério muito pessoal. As capas correspondem ao tipo de canções. Jóia tem mais canções minhas novas, muito simples, simplificantes, reduzidas a um sonho de pureza original. As músicas são desligadas das coisas da cidade, há um clima de paraíso terrestre. No fundo, Jóia é o Amor à Natureza de Paulinho da Viola. Qualquer Coisa é como a capa - meu rosto em várias fotos superpostas, com roupa, com todo o peso da realidade cotidiana. Tem músicas mais longas, mais urbanas. Não quero complicações, quero reduzir tudo à simplicidade, quero transar som, transar música com texto dentro do meu gosto. Estou aprimorando meu gosto, mas isto é uma coisa minha, não importa o que resulte. (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1975).

"Escrevi um manifesto do Movimento Jóia e um manifesto do Movimento Qualquer Coisa, que é uma piada sobre movimentos, e é uma atitude bem qualquer coisa porque não há movimento, nem necessidade de movimentos e no entanto fala-se nisso. As pessoas demonstram necessidade de que haja movimento, uma linha, então eu faço como uma brincadeira pra mexer com essa coisa e aí eu escrevi os dois manifestos." (Caetano Veloso para Letras e Letras da MPB, 1975.)

"Eu tenho uma música chamada Jóia que eu fiz pra Gal gravar. Quando eu estava na Bahia, já com a metade do material gravado, eu fiz uma música chamada Qualquer Coisa. Bem nessa hora pintou o grilo: o material dava para mais de um disco. Então imediatamente apareceu na minha cabeça a idéia de que a palavra jóia e a expressão qualquer coisa têm uma relação engraçada, porque jóia é uma palavra que quer dizer alguma coisa muito especial, de certa forma até elevada, acima das outras. Não é qualquer coisa. É uma jóia. E qualquer coisa é exatamente qualquer coisa. Eu acho muito engraçadas essas expressões. Jóia inclusive pode ter um sentido de gíria, o que a torna uma palavra bem qualquer coisa, mas é um nome de uma canção muito especial, curta, com certa elegância formal. Pelo menos na minha cabeça. Então este é o meu trabalho. Jóia e Qualquer Coisa, antes de serem duas idéias, ou uma idéia de uma dualidade, foram dois títulos. Foi uma coisa mais prática do que propriamente um pensamento sobre o trabalho que estava sendo feito. 0 pensamento, na verdade, foi buscado depois da intitulação dos trabalhos. É preciso entender bem a indefinição dos dois, para que depois se possa tentar definir as coisas através dessa indefinição. O trabalho foi feito aos poucos, gravando música por música, sem se pensar em quantas se iria gravar nem como seria o disco, ou se seriam dois discos, ou um álbum duplo. Foi gravar o material que eu tinha. E eu tinha muita coisa, porque estava sem gravar há muito tempo." (Caetano Veloso para a Crítica, 1975).

"Depois do Araçá Azul eu fiquei dois anos sem fazer álbuns, então quando fiz o Jóia acabei fazendo o Qualquer Coisa. O Araçá Azul tinha chegado num ponto muito radical, então pra retomar as canções como eu queria, eu quis fazê-lo numa situação pós-Araçá Azul. Então Jóia nasceu deste comprometimento, e Qualquer Coisa já foi como deixar rolar o que acontecesse, fosse o que fosse. Foram gravados e lançados simultaneamente. O que fosse uma espécie de canção pós-Araçá Azul, ia pro Jóia; o que fosse 'sei lá o quê', ia pro Qualquer Coisa. Tanto regravações, quanto composições. Tem Beatles nos dois, mas no Jóia só tem Help – que é jóia! As outras foram tudo qualquer coisa. Você sabe que até hoje eu gosto da gravação de Eleanor Rigby? Eu acho bonita e não me incomodo se no mundo de língua inglesa ninguém notou, nem acha. Eu acho que é boa. Parece que sou modesto, dizendo que faço coisas modestas e não imagino que vão ter permanência por sua importância artística. Isso que eu falei é verdade, não é modéstia. Eu acho isso mesmo, em geral. Agora, tem algumas coisas que eu acho que posso dizer de uma maneira e que podem soar arrogantes. Por exemplo, o mundo de língua inglesa é que vai ter que se curvar um dia, mais cedo ou mais tarde, ao fato de que essa gravação de Eleanor Rigby é bonita, assim como aquela de Jokerman, que eu fiz anos depois. E uma canção de Bob Dylan que eles não consideram bonita, mas que eu adoro. Eu acho a canção linda e acho minha gravação muito bonita. Rogério Duarte ouviu as gravações das músicas dos Beatles e sabia o quanto eles tinham sido importantes pra gente. Essas gravações dos Beatles são um reconhecimento de dívida de gratidão, um reconhecimento da importância que eles tiveram pra nós em 1966... pra acontecer o que aconteceu em I967". (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).


Manifesto do Movimento Qualquer Coisa

I nada de novo sob o sol. mas sob o sol.
II evitar qualquer coisa que não seja qualquer coisa.
III cantar muito
IV soltar os demônios contra o sexo dos anjos
V a subliteratura. a subliteratura e a superliteratura. e até mesmo a literatura.
VI por que não.
VII jazz carioca. samba paulista. rock baiano. baião mineiro.
VIII jazz carioca feito por mineiros. samba paulista feito por baianos. baião mineiro feito por cariocas. rock baiano feito por paulistas.
IX e até mesmo a música, por que não.
X mas sob o sol.
XI a década e a eternidade, o século e o momento, o minuto e a história.
XII exemplos: a obra de jorge mautner. a pessoa de donato, o papo de gil, o significante em maria bethânia. o significado em elis regina. baiano e os novos caetanos etc.
XIII fama e cama. sempre de novo deitar e criar.
XIV salvador dali no fantástico.
XV o show da vida.
XVI bob dylan live.
XVII qualquer coisa é radicalmente contra os radicalismos e, paradoxalmente, considera ridículo tal paradoxo, ridiculamente não vê nenhum paradoxo nisso. decididamente a favor do advérbio de modo.
XVIII a televisão está melhor do que o carnaval. insistir no carnaval.
XIX e de novo sob o sol. e sempre.
(Caetano Veloso).

Caetano Veloso e Grupo Bendegó: "o espetáculo, em termos de repertório, foi elaborado muito em cima dos discos. Mas a transação é outra porque o som é outro". (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1975).

Lista de Músicas

Lado 1

1 - Qualquer Coisa (Caetano Veloso)
Piano: João Donato; Violão: Perinho Albuquerque; Baixo: Sergio Barroso; Bateria: Enéas Costa; Arranjo: Perinho Albuquerque. 

2 - Da Maior Importância (Caetano Veloso)
Violões: Caetano Veloso, Perinho Albuquerque. 

3 - Samba E Amor (Chico Buarque)
Violão: Caetano Veloso.

4 - Madrugada E Amor (Jose Messias)
Violão: Caetano Veloso. 

5 - A Tua Presença Morena (Caetano Veloso)
Violões: Caetano Veloso, Perinho Albuquerque; Percussão: Djalma Corrêa; Arranjo de Cordas: Perna Fróes. 

6 - Drume Negrinha (Drume Negrita) (Caetano Veloso, Ernesto Grenet)
Piano: João Donato. 

Lado 2

1 - Jorge De Capadócia (Jorge Ben)
Violões: Caetano Veloso, Frederiko; Piano: Perinho Albuquerque; Baixo: Fernando Leporace; Bateria: Enéas Costa; Percussão: Hermes Contesini; Vocal: Quarteto em Cy. 

2 - Eleanor Rigby (John Lennon, Paul McCartney)
Violões: Caetano Veloso, Perinho Albuquerque; Percussão: Djalma Corrêa.

3 - For No One (John Lennon, Paul McCartney)
Piano: Perna Fróes; Guitarra: Perinho Albuquerque; Baixo: Moacyr Albuquerque; Flauta: Tuzé Abreu; Bateria: Enéas Costa; Percussão: Bira da Silva. 

4 - Lady Madonna (John Lennon, Paul McCartney)
Violões: Caetano Veloso, Perinho Albuquerque; Baixo: Sergio Barroso; Bateria: Enéas Costa; Percussão: Tuty Moreno. 

5 - La Flor De La Canela (Chabuca Granda)
Violão e viola: Frederiko; V. Baixo: Arnaldo. 

6 - Nicinha (Caetano Veloso)
Violão: Caetano Veloso. 

Vamos às Letras.

1 - Qualquer Coisa (Caetano Veloso)

Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marrakesh
Mexe qualquer coisa dentro, doida
Já qualquer coisa doida, dentro, mexe

Não se avexe não, baião de dois
Deixe de manha, deixe de manha
Pois, sem essa aranha, sem essa aranha, sem essa aranha
Nem a sanha arranha o carro
Nem o sarro arranha a Espanha
Meça tamanha, meça tamanha
Esse papo seu já tá de manhã

Berro pelo aterro, pelo desterro
Berro por seu berro, pelo seu erro
Quero que você ganhe, que você me apanhe
Sou o seu bezerro gritando mamãe
Esse papo meu tá qualquer coisa e você tá pra lá de Teerã

Comentário do autor: "Qualquer Coisa eu fiz na Bahia. Eu comecei essa música em Santo Amaro. O Moreno era pequeno, ele viu um bezerrinho gritando (a gente foi num sítio que tinha perto de Santo Amaro) e falou: "Pai, ele está chamando mamãe!". Aquilo ficou na minha cabeça e eu fiz a música." (Caetano Veloso no Programa Domingão do Faustão (TV Globo), 1996).


2 - Da Maior Importância (Caetano Veloso)

Foi um pequeno momento, um jeito
Uma coisa assim
Era um movimento que aí você não pôde mais
Gostar de mim direito
Teria sido na praia, medo
Vai ser um erro, uma palavra
A palavra errada
Nada, nada
Basta quase nada
E eu já quase não gosto
E já nem gosto do modo que de repente
Você foi olhada por nós

Porque eu sou tímido e teve um negócio
De você perguntar o meu signo quando não havia
Signo nenhum
Escorpião, sagitário, não sei que lá
Ficou um papo de otário, um papo
Ia sendo bom
É tão difícil, tão simples
Difícil, tão fácil
De repente ser uma coisa tão grande
Da maior importância
Deve haver uma transa qualquer
Pra você e pra mim
Entre nós

E você jogando fora, agora
Vá embora, vá!
Há de haver um jeito qualquer, uma hora!
Há sempre um homem
Para uma mulher
Há dez mulheres para cada um
Uma mulher é sempre uma mulher etc. e tal
E assim como existe disco voador
E o escuro do futuro
Pode haver o que está dependendo
De um pequeno momento puro de amor

Mas você não teve pique e agora
Não sou eu quem vai
Lhe dizer que fique
Você não teve pique
E agora não sou eu quem vai
Lhe dizer que fique
Mas você
Não teve pique
E agora
Não sou eu quem vai
Lhe dizer que fique

Comentário do autor: "Não apenas fiz para a Gal gravar, mas também conto um pouco uma cena entre nós na praia". (Caetano Veloso. Sobre as letras. Companhia das letras, 2003).


3 - Samba E Amor (Chico Buarque)

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã


4 - Madrugada E Amor (Jose Messias)

Madrugada chegou
O sereno caiu
Meu amor de cansaço
Caiu nos meus braços
Sorriu e dormiu (bis)
Eu só queria que não amanhecesse o dia
Que não chegasse a madrugada
Eu só queria amor
Amor e mais nada


5 - A Tua Presença Morena (Caetano Veloso)

A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca, verde, vermelha, azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra
A tua presença
Transborda pelas portas e pelas janelas
A tua presença
Silencia os automóveis e as motocicletas
A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo o que se come, tudo o que se reza
A tua presença
Coagula o jorro da noite sangrenta
A tua presença
É a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença
Mantém sempre teso o arco da promessa
A tua presença
Morena, morena, morena, morena, morena, morena
Morena

Comentários de Nana Caymmi e Maria Bethânia: "[Nana] — Como era o nome? Se não me engano é do Caetano (abaixa a cabeça, pensa e, quando levanta, canta “A tua presença morena”). “A tua presença/ Entra pelos sete buracos da minha cabeça”. Puta que pariu. Eu nunca tive essa sensação de inveja, de ciúme, mas tinha certas músicas dela que eu dizia: “Não é dela, é minha. Por que ela está cantando e não eu?”. Mas essa foi a que mais me derrubou. Bethânia ouve e revela: — Sabe que Caetano fez essa canção para Nossa Senhora? Essa presença é Nossa Senhora. Lindo, né? Ele fez o “Hino a Nossa Senhora da Purificação” e em seguida fez essa." Via Jornal O Globo

6 - Drume Negrinha (Drume Negrita) (Caetano Veloso, Ernesto Grenet)

Drume negrinha
Que eu te transo uma nova caminha
Que venha ter muito axé
Que tenha gosto d’ocê

Drume pretinha
Que eu te trago de toda Bahia
Tudo que der pra trazer
Com quase todo prazer

Se tu drume eu te descolo um araçá
Cor do céu de lá
Se não drume esse mandu de carnaval
Não vai pegar

Comentário de Gal Costa: "Era homenagem a Preta [Gil], minha afilhada que tinha acabado de nascer." Via Folha de S. Paulo


7 - Jorge De Capadócia (Jorge Ben)

Jorge sentou praça na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também
Sou da sua companhia

Eu estou vestido com as roupas
E as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham mãos
E não me toquem
Para que meus inimigos tenham pés
E não me alcancem
Para que meus inimigos tenham olhos
E não me vejam
E nem mesmo pensamento eles possam ter
Para me fazerem mal

Armas de fogo, meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
Sem o meu corpo tocar
Cordas e correntes arrebentem
Sem o meu corpo amarrar

Pois eu estou vestido com as roupas
E as armas de Jorge
Jorge é de Capadócia
Salve Jorge, salve Jorge


8 - Eleanor Rigby (John Lennon, Paul McCartney)

Eleanor Rigby picks up the rice in the church
Where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window
Wearing a face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Father Mckenzie, writing the words of a sermon
That no one will hear
No one comes near
Look at him working, darning his socks in the night
When there´s nobody there
What does he care?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Ah, look at all the lonely people!
Ah, look at all the lonely people!

Eleanor Rigby died in the church
And was buried along with her name
Nobody came
Father Mckenzie wiping the dirt from his hands
As he walks from the grave
No one was saved

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Caetano e o grupo Bendegó.

9 - For No One (John Lennon, Paul McCartney)

Your day breaks, your mind aches,
You find that all her words of kindness linger on,
When she no longer needs you.

She wakes up, she makes up,
She takes her time and doesn't feel she has to hurry,
She no longer needs you.

And in her eyes you see nothing,
No sign of love behind the tears cried for no one,
A love that should have lasted years.

You want her, you need her,
And yet you don't believe her,
When she says her love is dead,
You think she needs you.

And in her eyes you see nothing,
No sign of love behind the tears cried for no one,
A love that should have lasted years.

You stay home, she goes out,
She says that long ago she knew someone but now,
Hes gone, she no longer needs him.

Your day breaks, your mind aches,
There will be times when all the things she said will fill your head,
You won't forget her.

And in her eyes you see nothing,
No sign of love behind the tears cried for no one,
A love that should have lasted years


10 - Lady Madonna (John Lennon, Paul McCartney)

Lady Madonna, children at your feet
Wonder how you manage to make ends meet
Who finds the money? When you pay the rent?
Did you think that money was Heaven sent?
Friday night arrives without a suitcase
Sunday morning creep in like a nun
Monday's child has learned to tie his bootlace
See how they run

Lady Madonna, baby at your breast
Wonder how you manage to feed the rest

See how they run

Lady Madonna, lying on the bed
Listen to the music playing in your head

Tuesday afternoon is never ending
Wednesday morning papers didn't come
Thursday night you stockings needed mending
See how they run

Lady Madonna, children at your feet
Wonder how you manage to make ends meet

Foto: Thereza Eugênia.

11 - La Flor De La Canela (Chabuca Granda)

Déjame que te cuente limeño
Déjame que te diga la gloria
Del ensueño que evoca la memoria
Del viejo puente
Del río y la alameda

Déjame que te cuente limeño
Ahora que aún perfuma el recuerdo
Ahora que aún se mece en un sueño
El viejo puente, el río y la alameda

Jazmines en el pelo y rosas en la cara
Airosa caminaba la flor de la canela
Derramaba lisura y a su paso dejaba
Aromas de mistura
Que en el pecho llevaba

Del puente a la alameda
Menudo pie la lleva
Por la vereda que se estremece
Al ritmo de su cadera
Recogía la risa de la brisa del río
Y al viento la lanzaba
Del puente a la alameda

Déjame que te cuente limeño
Ay, deja que te diga, moreno, mi pensamiento
A ver si así despiertas del sueño
Del sueño que entretiene, moreno, tu sentimiento

Aspira de la lisura que da
La flor de la canela
Adornada con jazmines
Matizando su hermosura
Alfombra de nuevo el puente
Y engalana la alameda
Que el río acompasará
Su paso por la vereda

Y recuerda que

Jazmines en el pelo y rosas en la cara
Airosa caminaba la flor de la canela
Derramaba lisura y a su paso dejaba
Aromas de mistura que en el pecho llevaba

Del puente a la alameda menudo pie la lleva
Por la vereda que se estremece
Al ritmo de su cadera
Recogía la risa de la brisa del río
Y al viento la lanzaba
Del puente a la alameda

Comentário de Caetano: "Foi num Festival da Canção que ouvi Maria Sueño, de Chabuca Granda. Era a única música que prestava, da parte internacional, e não foi nem classificada. Fui procurar a morena que cantava e ela me falou de outra música mais bonita ainda, La flor de la canela. Na Europa comprei uma gravação do cantor cubano Bola de Nieve, depois ganhei uma da própria Chabuca". (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1975). 


12 - Nicinha (Caetano Veloso)

Se algum dia eu conseguir cantar bonito
Muito terá sido por causa de você
Nicinha

A vida tem uma dívida com a música perdida
No silêncio dos seus dedos
E no canto dos meus medos
No entanto você é a alegria da vida

Comentário do autor: "Compus para minha irmã, que tocava piano, e que era a pessoa mais musical dentro da minha casa. Eu não tinha o ouvido musical dela, que acabei desenvolvendo com o trabalho. Nicinha é minha irmã de criação e irmã de sangue, biológica, de Edite do Prato, que é extremamente musical também e que pertence a uma família mais musical do que a minha. É Eunice Oliveira o nome dela." (Caetano Veloso. Sobre as letras. Companhia das Letras, 2003).


Ficha Técnica

Direção de Produção: Caetano Veloso e Perinho Albuquerque
Técnicos: João Moreira e Luigi
Assistentes: Paulo "Chocolate" Sergio e José Guilherme
Montagem: Jairo Gualberto
Mixagem: João Moreira
Corte: Joaquim Figueira
Capa e Fotos: Rogério Duarte, Caetano Veloso e João Castrioto. 

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