1976 - Doces Bárbaros - Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia


Doces Bárbaros (1976) reuniu Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Gilberto Gil num mesmo palco dez anos após o início de suas vidas artísticas. Sem nenhum tom de revisionismo ou comemoração, o objetivo dos quatro baianos foi criar um novo grupo musical, deixando temporariamente suas carreiras individuais de lado. Menos quantidade e mais qualidade. A ideia partiu de um sonho de Bethânia durante o verão na Bahia e foi comprada por Caetano que chamou Gal e Gil. A primeira canção, Os Mais Doces dos Bárbaros, composição de Caetano, deu nome ao grupo. Num curto espaço de tempo, músicas emblemáticas como Esotérico (Gil) e Um Índio (Caetano) foram feitas e o show logo começou sua excursão nacional por São Paulo, no dia 24 de junho de  1976, dia de São João. Num clima hippie enquanto cantava o amor livre e a fé cega, o grupo foi surpreendido pela prisão absurda de Gilberto Gil e mais um integrante da banda em Florianópolis por porte de maconha. Tudo isso foi registrado no filme dirigido por Jom Tob Azulay.

Caetano: "A sugestão foi de Bethânia e, partindo dela, era uma convocação. Ela teve um sonho, não sei o quê, Gil largou uma excursão no meio. Bethânia falou e ele parou tudo. Fizemos o repertório, divino, em duas semanas, mas a gravação ao vivo saiu suja. A gente queria gravar tudo bonitinho no estúdio, mas as mulheres não quiseram. O Festival de Montreaux quer reunir novamente os Doces Bárbaros. Só depende de Bethânia. Se ela convocar... O show ficou muito bonito, romântico, baiano, colorido, sensual, extrovertido. É preto. É baiano." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991). 

"Quando nós, do grupo Doces Bárbaros, íamos para o Galeão, o automóvel de Elizeth Cardoso emparelhou com o nosso e ela nos sorriu de lá, acenando. Nós saímos para a excursão abençoados. Não é sempre que acontece a gente poder harmonizar tantas energias numa luz clara. E não é fácil. O que Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa e eu estamos conseguindo agora é isso. Saímos por aí sem intenção de criar ou resolver problemas ou aceitar provocações. Bob Marley: 'don't deal with dark things' (não transe com coisas escuras), João Donato e Jorge Ben. Gente de fé reconquistada, mostramos com simplicidade a música e a poesia da vida, do que vive, do que está vivendo - os Orixás, as pessoas boas, bonitas e fortes, os peixes e a esperança. Dentro das nossas possibilidades imediatas, o nosso trabalho é bom. É o que nos basta. Ao resto, o resto. Por exemplo, a cidade de Florianópolis (nome que deram à cidade de Desterro) não deveria constar da lista das cidades visitadas porque a produção não considerava uma boa praça (180 mil habitantes). Por insistência minha e de Gil, ela entrou. Gal não queria e Bethânia teve quase um pressentimento que nossa ida lá não seria boa. Quando os policiais interromperam nosso sono e nossa alegria, eu disse a Gal: ' Parece que ter vindo a Florianópolis foi um gesto livre demais e isso subiu à cabeça de delegado'. De fato, conhecidos meus de lá me diziam: 'Eu não acreditava que vocês viessem até que vi vocês.' Um chegou a me perguntar: 'Por que vocês incluíram Florianópolis no roteiro?' - 'Por amor', eu respondi. A polícia entrou no apartamento de Gal Costa, Maria Bethânia., Lea Millon, Eunice Oliveira, Maria Pia de Araújo, Guilherme Araújo, Chiquinho Azevedo, Djalma Correa, Arnaldo Brandão, Perinho Santana, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tuzé de Abreu, Mauro Senise, Tomás Improta, Daniel e, ainda, nos dos técnicos de som, luz e palco, alegando ter recebido uma denúncia de Curitiba. Contra quem? Contra todos esses nomes? Eles conseguiram levar Gil e Chiquinho. Nós não saímos para discutir leis nem moral. Nem a religião, nem a política, nem a estética. Saímos para não discutir e não discutiremos. Mas saímos com uma imensa carga de luz de vida, com amor no coração. É muito difícil alguém chegar a poder dizer isto, mas eu digo que nós somos um grupo de gente que saiu por aí trabalhando pelo Bem. E quem quer que - na polícia, na imprensa, no inferno - queira nos atacar ou nos atrapalhar, estará trabalhando para o Mal." (Texto de Caetano Veloso. Música Humana Música, de Nelson Motta, 1980).

"A gente (eu, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa) nem sabe direito porque se juntou para fazer este 'show' em conjunto. Porque a gente já é há tanto tempo... O engraçado é que a gente agora virou os quatros sob um nome só: Doces Bárbaros.
Outro dia, conversando com Gilberto Gil, eu disse: "Acho que a gente agora é um grupo porque foi ficando cada vez mais parecidos uns com os outros, até fisicamente".
Quando eu era menino, e mesmo quando adolescente, eu e Maria Bethânia não éramos dois irmãos parecidos: até o contrário, éramos desses irmãos de tipos diferentes dentro de uma família de muitos irmãos. E no entanto, hoje em dia, na contra-capa do 'long-play' de Gal e Caymmi, eu vi uma foto de Gal em que eu achei ela parecida comigo.
Quando eu e Maria Bethânia viemos para São Paulo em 1965 e que Bethânia foi fazer o espetáculo Opinião, Gilberto Gil já estava morando lá e Gal foi passar uns tempos conosco. Gal tinha o cabelo curto e fisicamente era completamente diferente de Maria Bethânia. Mas as pessoas viam Gal na rua, apontavam o dedo para ela e diziam: "Olha lá a Maria Bethânia".
A gente ficava assustado porque achava que Gal e Maria Bethânia eram duas pessoas totalmente diferentes. Que as pessoas deviam achar uma parecida com a outra assim como a gente acha um japonês parecido com o outro.
Gil, por sua vez, era gordo, não tinha ângulo nenhum no corpo e comia muito, muitíssimo.
Depois, ele fez macrobiótica, emagreceu e foi ficando com o corpo muito parecido com o meu, que é muito parecido com o corpo de Bethânia.
Tempos mais tardes, quando apareceu o grupo Novos Baianos, a gente (eu, Gal, Gil e Bethânia) ainda não se achava parecido.
Mas quando eu voltei de Londres falava-se muito no "morro da Gal, nas dunas do barato" e constatei que Gal Costa tinha criado uma moda, um modo de ser, de vestir, de usar o cabelo.
Foi mais ou menos nesta época que 'O Pasquim' começou a reclamar como quem reclama contra a raça. Aliás, uma das canções mais lindas dos Novos Baianos dizia: "Saindo dos prédios para a praça, uma nova raça..."
Depois, todo mundo viu, na televisão, o Chico Anísio fazendo uma imitação do baiano e eu acho que ele fazia muito bem, de um modo bonito. De maneira que a gente, aos olhos dos outros, já era, sem saber, os Doces Bárbaros. Mas não só a gente mesmo não se achava parecida ainda, como também estava mais do que nunca cada um individualizando tudo o que fazia. Talvez foi por isso mesmo que a gente tenha conseguido agora se tornar capaz de ser um grupo, resultado de nossas vivências comuns e separadas durante todos esses anos em que fazemos música.
De modo que Doces Bárbaros é uma coisa que se formou em nós, através de nós e até mesmo a despeito de nós. É uma nova raça.
As músicas que iremos tocar e cantar são todas nossas, com exceção de algumas de outros autores, como Caymmi, Milton Nascimento e Herivelto Martins. A partir do 'show', gravaremos um 'Long-play'. Gostaria também de mencionar todos os músicos que vão tocar com a gente. Na guitarra, Perinho Santana, no contrabaixo, Arnaldo Brandão, na bateria, Chiquinho Azevedo, no piano, Tomás, na percussão, Djalma Correia, na flauta e saxofone, Tuzé e Mauro.
Se eu fosse lembrar a nossa história, digo, a história de Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia e eu, eu teria de falar no Teatro Vila Velha, de Salvador, em uma porção de coisas que todo mundo já sabe e talvez até em algumas que ninguém sabe.
Ia falar também em Roberto Santana, que me apresentou a Gilberto Gil, em Álvaro Guimarães, que faz cinema e teatro e, de uma certa forma, me levou a fazer música, em Maria Muniz, em mil outras gentes.
Mas se eu quiser mesmo contar ou resumir a história dos Doces Bárbaros, vou ter que falar talvez em outros planetas, em outras dimensões, em coisas que nem sei...
Mas para as pessoas que já nos veem como um grupo há tanto tempo, ou seja, como um punhado de gente que tem características comuns, mesmo físicas, Doces Bárbaros não é senão o óbvio. Para nós, é a maior novidade. E é tudo igual.
Somos muito diferentes uns dos outros. Todo mundo sabe que fui eu que escolhi o nome de Maria Bethânia. Eu tinha quatro anos quando ela nasceu. Por isso, ela, necessariamente, aprendeu muito comigo. Mas ela é estruturalmente uma rebelde e terminou me ensinando as coisas fundamentais desta vida. Gal, eu encontrei pronta. Uma vez, há tanto tempo que nem me lembro mais, ela cantou uma música qualquer e eu disse que ela era a maior cantora que já surgiu no Brasil. Quando morava na Bahia, eu ouvia João Gilberto dia e noite e ela ouvia João Gilberto dia e noite. Quando nos vimos pela primeira vez, já éramos, musicalmente irmãos.
Hoje em dia, Gilberto Gil está refazendo a cabeça de todo mundo. Um dia, Rogério Duarte (que também teve grande importância nesta história toda) falou que Gil era o profeta e eu o apóstolo. Entre outras coisas, acho que a gente trabalhar em grupo está sendo maravilhoso, porque nós três vamos aprender e estamos aprendendo muito com Gil. Acho que ele é mesmo o mestre. Gilberto Gil faz e refaz a cabeça de todo mundo.
Vocês, que me leem, já ouviram falar em 'supergroups'? Pois bem, Doces Bárbaros é um subgrupo. No sentido de um grupo étnico. Ha-ha-ha-ha! E agora eu pergunto a mim mesmo: como será a nossa cara? Queremos ser Doces Bárbaros assim como o doce de jenipapo é um doce bárbaro! Gilberto Gil disse que ele é cocada-puxa e que eu sou 'amada', um doce que se faz na Bahia usando gengibre, farinha de mandioca e rapadura.
Para mim, Gal Costa é centro. O meio de tudo. A voz. A voz da qual nós (inclusive ela - todos os bárbaros doces) somos apenas vozes.
Mas que horda é esta que vem do planeta terra bahia, todos os santos?
Está bom. Os ensaios estão bem calmos, nos divertimos e cantamos canções cantáveis. E, para finalizar, não há nada que eu possa dizer sobre qualquer um de nós que ajude a me dar, a te dar, a dar a todo mundo uma ideia do que seremos." (Caetano Veloso para a Revista "Ele e Ela", 1976). 

"Sobre o Doces Bárbaros, há uma coisa muito importante e que mostra a riqueza e a complexidade do fato de estarmos juntos agora. Estou falando de como este acontecimento pode ser visto e de como é visto por nós. Da correspondência que se pode estabelecer entre estes momentos. Em termos de imagem, existe uma importância dada ao fato de Bethânia, como um lado, estar se aproximando de mim, de Gal e de Gil. E há, internamente, isto é, quando estamos trabalhando juntos, toda uma relação que eu, Gal, Bethânia buscamos e vivemos frente a Gil. E toda uma situação de aprendizagem com um todo do Gil como músico e como pessoa, dele no mundo. Quando penso nisso, vejo toda a força do nosso trabalho. (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1976). 

Roupas e cenário: "Não vamos, na verdade, fazer um guarda-roupa "doces bárbaros". Levaremos para o palco toda a nossa postura que a gente está tendo hoje em dia com essa coisa de se vestir. O que estiver mais fresh, mais agora. Mas deve ter uma linha que interliga tudo. Bahia, cores, mundo negro, candomblé, orixás, filhos de Gandhi, afoxés, índios. Mas a gente não quer uniformizar ou cair numa coisa folclórica. É o que a gente usa, Rolling Stones, turbantes, Oriente, tudo junto. África, Nova Iorque. Coisa urbanas misturadas com rurais. O cenário ainda não sei, mas de certa forma, como tudo é novo na feitura, tudo tem que ser visto por nós. Não podemos chamar uma pessoa para fazer um cenário agora quando essa ideia ainda não está definida, porque ela necessariamente virá com aquele part pris das personalidades anteriores dos quatro". (Gilberto Gil para o Jornal do Brasil, 1976). 

Foto: Martha.

Programa do show

Começou com elementos de magia: um sonho, um pássaro sobre a cidade, uma noite, dois irmãos. Na mesma noite Caetano Veloso e Maria Bethânia tiveram a mesma ideia. Ele, num sonho, como nas profecias. Ela, desperta, num poema, como nos contos de fadas. Juntos, fizeram uma música - Pássaro Proibido - e pensaram que seria bom ir adiante, já que estavam com um pé na estrada. - Pensei em fazer um show comemorando dez anos. Mas quando falei isso não pensei num grupo. Pensei num show dos quatro. Falei uma coisa superficial. Caetano imediatamente veio com a ideia de um show de um grupo. Um grupo mesmo, com um nome oficial. (Bethânia).
- Quando Bethânia falou comigo, falou de  fazer um show os quatro, mas cantando junto no verão da Bahia. Aí achei que era bacana a gente pegar e fazer. Eu já tinha pensado algumas vezes nisso. Gil, primeiro, ficou assim: "É demais, é preciso uma entrega muito grande". (Caetano).
A ideia levou muitos meses tomando forma, vibrações percorrendo os céus brasileiros do Rio para a Bahia, da Bahia para o Rio, seguindo por São Paulo e o interior. Primeiro Gal estava com Caymmi, cantando a Bahia no Rio. E Bethânia, Gil e Caetano curtiam o verão da Bahia na praia de Busca Vida. Depois, Gil partiu rumo da Refazenda, e Bethânia tinha uma álbum por fazer. Mas a ideia, a semente, a luz permanecia no ar.
- A gente tá há muito tempo fazendo trabalhos separados, e com isso foi acumulando uma série de compromissos pessoais. De repente, fazer uma coisa dessas, tem que parar, descontinuar o trabalho para debruçar sobre essa possibilidade de estar junto de novo, fazendo um trabalho junto. Ficar vendo tudo a partir daí. (Gil).
- Diferenças de ritmo. Tanto no tempo das pessoas (o que está fazendo em tal dia) quanto ao ritmo interno. De repente te dá uma moleza, aí o outro tá animado. Disritmia. (Caetano). 
Aí, num belo momento, aconteceu. E como disse Caetano, foi pura mágica. Água, fogo, ar e ar: Gil, Caetano, Gal e Bethânia. As vozes entraram em harmonia, os ritmos bateram juntos. Corações. Canções.
- Achei legal a ideia. Legal principalmente porque é uma coisa de começo. Depois de dez anos de carreira... acho que vai renovar. Ansiedade brota de novo, como se fosse estrear o  "Opinião". (Bethânia). 
-  Isso acontece com todos nós. Coisa de recomeçar... é uma novidade (Gal).
- A gente quer fazer de novo as coisas 16, 18 anos. Fazer de novo, mas novo. Doces Bárbaros nasceu e se formou na gente sem dar tempo pra pensar no que a gente tá fazendo agora com relação às coisas e a todas as outras que a gente já fez aqui no Sul. A memória passa por debaixo sem você saber. Não é potencializar as quatro forças. É usar o que a  gente é. A gente cantar junto como quatro pessoas quaisquer. (Gil).
- Que nós não somos. Sabemos disso. (Caetano).
O nome veio de uma música, que veio de um papo de praia. Caetano dizendo a Jorge Mautner que eles eram os mais doces dos bárbaros. E fazendo uma canção a propósito, narrando poeticamente a doce conquista da cidade amada. Outras canções vieram todas novas, todas pensadas para as quatro vozes antigas, amigas, novas de novo.
- Algumas coisas compusemos a quatro vozes. Momentinhos. (Gil).
- Coisinhas para o nosso deleite. (Caetano).
- Tem As Aiabás, que é uma suíte, uma composição de quatro pequenas peças. Pequenas músicas feitas sobre os  toques sagrados das aiabás. (Gil).
- Que são as orixás moças. (Caetano).
- Tem Um Índio que é uma profecia, tudo no futuro. (Gil).
- E Chuckberry Fields Forever, que é poética-histórica. Uma história do rock muito particular. (Caetano).
- E tem Os Mais Doces dos Bárbaros e Nós, Por Exemplo. Uma inaugura, busca um tempo, a entrada num novo tempo. A outra é divisória. A gente tá vindo disso. (Gil). 
O que vai acontecer, depois de conjurados os elementos, eles não sabem. Enquanto fazem, se divertem consigo mesmos, com o canto recém-descoberto a quatro vozes, vindo de longe e de perto. Além do material novo, quase sob medida, escolheram outras canções, as que falam dos mesmos componentes alquímicos do seu canto. Fé Cega, Faca Amolada, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, Atiraste Uma Pedra, de Herivelto Martins, Tascara Guidon, de Wally Sailormoon, Como São Lindos os Chineses, de Pericles Cavalcanti. Estrada, paixão, trópico, meditação. Depois será depois, outro dia.
- A única novidade estética que atualmente a gente já reconhece nos Doces Bárbaros é a entrega existencial ao fato que vai-se realizar. (Caetano). 
- Justamente. É como se os quatro Beatles se juntassem agora e fosse exigido deles que fizessem o que não foram. ou que não são. Pra mim seria um absurdo. Não vejo porque. Nova vanguarda, nova busca, não. (Gil). 
- Não queremos dizer que Doces Bárbaros não vai dizer nada. E que Doces Bárbaros não é nada. Pelo contrário. (Caetano). 
- "Seja onde for que a gente entra/ a gente quer continuar". (Gil). 

Foto: Walter Firmo.

Lista de Músicas

Disco 1 - Lado 1

1 - Os Mais Doces Bárbaros - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Caetano Veloso)

2 - Fé Cega, Faca Amolada - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Milton Nascimento, Ronaldo Bastos)

3 - Atiraste Uma Pedra - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Herivelto Martins, David Nasser)

4 - Pássaro Proibido - Caetano Veloso
(Caetano Veloso, Maria Bethânia)

Disco 1 - Lado 2

1 - Chuckberry Fields Forever - Caetano, Gil
(Gilberto Gil, Caetano Veloso)

2 - Gênesis - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Caetano Veloso)

3 - Tarasca Guidon - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Waly Salomão)

Disco 2 - Lado 1

1 - Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede - Caetano, Gil
(Gilberto Gil, Caetano Veloso, José Agrippino de Paula)

2 - Esotérico - Gal, Bethânia
(Gilberto Gil)

3 - Eu Te Amo - Gal Costa
(Caetano Veloso)

4 - O Seu Amor - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Gilberto Gil)

5 - Quando - Gilberto Gil
(Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso)

Disco 2 - Lado 2

1 - Pé Quente, Cabeça Fria - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Gilberto Gil)

2 - Peixe - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Caetano Veloso)

3 - Um Índio - Maria Bethânia
(Caetano Veloso)

4 - São João, Xangô Menino - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Caetano Veloso, Gilberto Gil)

5 - Nós, Por Exemplo - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Gilberto Gil)

6 - Os Mais Doces Bárbaros - Caetano, Gal, Gil, Bethânia
(Caetano Veloso)

Vamos às Letras.

1 - Os Mais Doces Bárbaros (Caetano Veloso)

Com amor no coração
Preparamos a invasão
Cheios de felicidade
Entramos na cidade amada

Peixe Espada, peixe luz
Doce bárbaro Jesus
Sabe bem quem é otário
Peixe no aquário nada

Alto astral, altas transas, lindas canções
Afoxés, astronaves, aves, cordões
Avançando através dos grossos portões
Nossos planos são muito bons

Com a espada de Ogum
E a benção de Olorum
Como num raio de Iansã
Rasgamos a manhã vermelha

Tudo ainda é tal e qual
E no entanto nada é igual
Nós cantamos de verdade
E é sempre outra cidade velha

Programa do show: "O nome veio de uma música, que veio de um papo de praia. Caetano dizendo a Jorge Mautner que eles eram os mais doces dos bárbaros. E fazendo uma canção a propósito, narrando poeticamente a doce conquista da cidade amada. Outras canções vieram todas novas, todas pensadas para as quatro vozes antigas, amigas, novas de novo."


2 - Fé Cega, Faca Amolada (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos)

Agora não pergunto mais aonde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser, faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar no e ser muito tranquilo
Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo
Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada
Irmão, irmã, irmã, irmão de fé, faca amolada

Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia
Beber o vinho e renascer na luz de todo o dia
A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada
O chão, o chão o salto até o chão, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar no pão de cada dia
Deixar o seu amor crescer na luz de todo dia
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser, muito tranquilo
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada

Foto: Acervo Flávio Império.

3 - Atiraste Uma Pedra (Herivelto Martins, David Nasser)

Atiraste uma pedra
No peito de quem
Só lhe fez tanto bem
E quebraste um telhado
Perdeste um abrigo
Feriste um amigo
Conseguiste magoar
Quem das mágoas te livrou
E atiraste uma pedra
Com as mãos que esta boca
Tantas vezes beijou

Quebraste um telhado
Que nas noites de frio
Te servia de abrigo
Perdeste um amigo
Que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou
Mas acima de tudo
Atiraste uma pedra
Turvando esta água
Esta água que um dia
Por estranha ironia
Tua sede matou


4 - Pássaro Proibido (Caetano Veloso, Maria Bethânia)

Solto está o pássaro proibido
Perigo, cuidado, sinal nas ruas
Plumagem clara, brilhante
Ao sol e à lua transparente
Ao corisco e à maré
Ao corisco e à maré

Eu canto o sonho na cama
Do jeito doce e moreno
Eu canto pássaro proibido de sonhar
O canto macio, olhos molhados
Sem medo do erro maldito
De ser um pássaro proibido
Mas com o poder de voar

Voar até a mais alta árvore
Sem medo, tranquilo, iluminado
Cantando o que quer dizer
Perguntando o que quer dizer
Que quer dizer meu cantar
Que quer dizer meu cantar


5 - Chuckberry Fields Forever (Gilberto Gil, Caetano Veloso)

Trazidos d’África pra Américas de Norte e Sul
Tambor de tinto timbre tanto tonto tom tocou
E neve, garça branca, valsa do Danúbio Azul
Tonta de tanto embalo, num estalo desmaiou

Vertigem verga, a virgem branca tomba sob o sol
Rachado em mil raios pelo machado de Xangô
E assim gerados, a rumba, o mambo, o samba, o rhythm'n'blues
Tornaram-se os ancestrais, os pais do rock and roll

Rock é o nosso tempo, baby
Rock and roll é isso
Chuck Berry fields forever
Os quatro cavaleiros do após-calipso
O após-calipso

Rock and roll
Capítulo um
Versículo vinte
-Sículo vinte
Século vinte e um
Versículo vinte
-Sículo vinte
Século vinte e um

Comentário de Gilberto Gil: "Uma visão da história do rock". (Gilberto Gil para o Jornal do Brasil, 1976). 


6 - Gênesis (Caetano Veloso)

Primeiro não havia nada
Nem gente, nem parafuso
O céu era então confuso
E não havia nada
Mas o espírito de tudo
Quando ainda não havia
Tomou forma de uma jia
Espírito de tudo

E dando o primeiro pulo
Tornou-se o verso e reverso
De tudo que é universo
Dando o primeiro pulo
Assim que passou a haver
Tudo quanto não havia
Tempo pedra peixe dia
Assim passou a haver

Dizem que existe uma tribo
De gente que sabe o modo
De ver esse fato todo
Diz que existe essa tribo
De gente que toma um vinho
Num determinado dia
E vê a cara da jia
Gente que toma um vinho

Dizem que existe essa gente
Dispersa entre os automóveis
Que torna os tempos imóveis
Diz que existe essa gente
Dizem que tudo é sagrado
Devem se adorar as jias
E as coisas que não são jias
Diz que tudo é sagrado

E não havia nada
Espírito de tudo
Dando o primeiro pulo
Assim passou a haver
Diz que existe essa tribo
Gente que toma um vinho
Diz que existe essa gente
Diz que tudo é sagrado

Foto: Acervo Flávio Império.

7 - Tarasca Guidon (Waly Salomão)

Pira tudo quanto é pitu
Quando eu em Pituaçu pintar
Ô, diá, tu tá "dodia"?
Na hora do gongo
Nas águas do Gonguji se banhar
Ô, diá, tu tá "dodia"?
No Largo da Carioca
Na loca do Acari se entoca
Ô, diá, tu tá "dodia"?
Tu tá "dodia"?
Tu tá "dodia"?
Trabalho o ano inteiro
Eu trabalho o ano inteiro
Na estiva de São Paulo
Só pra passar fevereiro em Santo Amaro
Só pra passar fevereiro em Santo Amaro
Ô, diê, ô, dia
Ô, diê, ô, dia
Ô minha vaca Laranjinha
Seu bezerro quer mamar
Berrou, quer mamar
Berrou, quer mamar
Berrou, quer mamar
Berrou, quer mamar

Quem entrou na roda foi uma boneca
Foi uma boneca, foi uma boneca
Quem entrou na roda foi uma boneca
Foi uma boneca, foi uma boneca
Ô, diá, tu tá "dodia"?
Tu tá "dodia"?
Na hora do gongo
Nas águas do Gonguji se banhar
Moinho da Bahia queimou
Queimou, deixa queimar
Moinho da Bahia queimou
Queimou, deixa queimar
Ô, diá, tu tá "dodia"?
No Largo da Carioca
Na loca do Acari se entoca
Ô, diá, tu tá "dodia"?
Tu tá "dodia"?
Tu tá "dodia"?


8 - Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede (Gilberto Gil, Caetano Veloso, José Agrippino de Paula)

Eu e ela estávamos ali encostados na parede
Ela estava em silêncio e eu estava em silêncio
Eu sentia o corpo dela junto ao meu
Os dois seios, o ventre, as pernas e os seus braços me envolviam
Eu pensei que ela deveria sentir o calor que eu estava sentindo
Nós dois estávamos imóveis encostados na parede
Eu não me recordo quanto tempo
Mas nós estávamos abraçados
E encostados ali há muito tempo
Eu não me recordava se eram horas, dias, meses
Nós dois esquecemos naquele momento
Que nós dois pretendíamos a paz
Dentro da violência do mundo
E sem perceber a chegada da paz, nós dois estávamos
Alojados dentro dela

Nós não saímos da parede, e a paz nos encontrou
Subitamente
Não enviou nenhum sinal
E nós não procuramos a paz


9 - Esotérico (Gilberto Gil)

Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões
Todos iguais

Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível
Meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí

Não adianta nem me abandonar
Nem ficar tão apaixonada, que nada!
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim


10 - Eu Te Amo (Caetano Veloso)

Eu nunca te disse
Mas agora saiba
Nunca acaba, nunca
O nosso amor
Da cor do azeviche
Da jabuticaba
E da cor da luz do sol

Eu te amo
Vou dizer que eu te amo
Sim, eu te amo
Minha flor

Eu nunca te disse
Não tem onde caiba
Eu te amo
Sim, eu te amo
Serei pra sempre o teu cantor


11 - O Seu Amor (Gilberto Gil)

O seu amor
Ame-o e deixe-o
Livre para amar
Livre para amar
Livre para amar
O seu amor
Ame-o e deixe-o
Ir aonde quiser
Ir aonde quiser
Ir aonde quiser
O seu amor
Ame-o e deixe-o brincar
Ame-o e deixe-o correr
Ame-o e deixe-o cansar
Ame-o e deixe-o dormir em paz
O seu amor
Ame-o e deixe-o
Ser o que ele é
Ser o que ele é
Ser o que ele é


12 - Quando (Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso)

Rita Lee, i, i, tiu, tiu, ru, ru, ru
Rita Lee, i, i, tiu, tiu, ru, ru, ru
Com todo prazer quando a governanta der o bode
Pode crer que eu quero estar com você
Superstar com você
Rita Lee, i, i, tiu, tiu, ru, ru, ru
Rita Lee, i, i, tiu, tiu, ru, ru, ru
Com todo prazer quando a governanta der o bode
Pode crer que eu quero estar com você
Superstar com você
Há muito tempo uma mulher sentou-se
E leu na bola de cristal
Que uma menina loira ia vir de uma cidade industrial
De bicicleta, de bermuda, mutante, bonita
Solta, decidida, cheia de vida etc e tal
Cantando o yê, yê, yê, yê, yê, yê, yê
Oh, oh, oh
Oh, oh, oh

Foto: Acervo Flávio Império.

13 - Pé Quente, Cabeça Fria (Gilberto Gil)

Pé quente, cabeça fria, dou-lhe uma
Pé quente, cabeça fria, dou-lhe duas
Pé quente, cabeça fria, dou-lhe três
Saia despreocupado
Você pode conquistar o mundo dessa vez

Pé quente, cabeça fria, dou-lhe uma
Pé quente, cabeça fria, dou-lhe duas
Pé quente, cabeça fria, dou-lhe três
Saia despreocupado
Faça tudo que você queria e nunca fez

Pé quente, cabeça fria, numa boa
Pé quente, cabeça fria, na maior
Pé quente, cabeça fria, na total
Saia despreocupado
Mas cuidado porque existe o bem e o mal

Pé quente, cabeça fria, numa boa
Pé quente, cabeça fria, na maior
Pé quente, cabeça fria, na total
Saia despreocupado
Mas se alguém se fizer de engraçado, meta o pau

Comentário de Gilberto Gil: "Caetano deu o mote para outra [música]: "Temos que fazer uma com o mote pé quente/ cabeça fria". Um pouco por causa do Fé Cega, Faca Amolada. Então eu fiz a musiqueta. A inspiração é do Caetano, a letra é minha, porque todas as ideias nasceram mais ou menos assim, uma troca". (Gilberto Gil para o Jornal do Brasil, 1976). 

Foto: Acervo Flávio Império.

14 - Peixe (Caetano Veloso)

Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Peixe
Deixa eu te ver, peixe
Verde
Deixa eu ver o peixe
Vi o brilho verde
Peixe prata


15 - Um Índio (Caetano Veloso)

Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranquilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá

Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito

Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranquilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

Comentário do autor: "Essa canção me deixa orgulhoso por eu ter posto na letra o nome de Bruce Lee, naquela altura, e rimando com Muhammad Ali, Peri, Filhos de Ghandi. Para mim, isso vale a música." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"A música me veio num nascer de manhã insone, no apartamentinho em que eu vivia com Dedé e Moreno no final da praia do Leblon. Eu adoro "Tristes trópicos". É um belo livro. E me fascina a luz que o Marechal Rondon pôs sobre o mundo indígena. Eu tinha ido a Brasília porque um amigo me chamou para ver algo que ele achava impressionante e que dizia respeito à presença de extraterrestres entre nós. Fomos no breu da noite para uma zona deserta do cerrado. Tudo resultou em frustração. Não tanto para mim, que não sinto atração por médiuns que falam com alienígenas. Tinha havido alguma luz, um iô-iô luminoso desses que são vendidos na frente do Duomo de Milão, e um papo evidentemente falso com o médium. Esqueci o assunto. Quando fiz a canção, uma semana depois, não estava nem me lembrando disso. Me dei conta quando, o dia já claro, a música estava pronta. Tomei susto. Sempre me comoveu a celebração do 2 de julho na Bahia: há uma procissão com a imagem de um índio e uma índia (em Santo Amaro, só a índia), chamados "os Caboclos". É uma parada grande, com bandas marciais de escolas. É a festa da Independência na Bahia: Dom Pedro deu o grito às margens do Ipiranga, mas na Bahia houve guerra — e só vencemos em julho do ano seguinte. Os caboclos têm uma capela no largo da Lapinha, em Salvador. Só saem de lá no 2 de julho. O índio, ou caboclo, também esteve presente no primeiro candomblé de que tomei conhecimento: Edith do Prato recebia Sultão das Matas. No Recôncavo, os candomblés de caboclo são numerosos. Gosto muito de ler Eduardo Viveiros de Castro, mas não tenho essa visão antropológica como parâmetro para definir meus pensamentos a respeito de política. Mas pensar a tradição romântica do índio como símbolo nacional num tempo de crescimento populacional das nações indígenas que falam outra língua que não o português, ver lideranças indígenas ganharem protagonismo político, tudo isso mexe com minha alma. Tenho muito orgulho de que Viveiros e Déborah Danowski tenham citado a frase mais radical da minha canção no livro "Há mundo por vir?": "Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias". Adoro o refrão, com Mohamed Ali e Bruce Lee, Peri e os Filhos de Ghandi. Zé Agrippino, que não gostava de quase nada, gostava de "virá que eu vi". Vejo Sultão das Matas em Ali e a origem asiática dos povos americanos em Bruce Lee. Os Filhos de Ghandi, asiático mais escuro, são os pretos da Bahia. Sou preto. Sou português. Sou índio quando leio "Metafísicas canibais". Amo o texto de Montaigne sobre nós. Fiz a música para os Doces Bárbaros, decididamente para Bethânia cantar. Gravei depois meio em reggae. É coisa demais para eu pensar. Peça para eu parar." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 2020).

"A maioria das vezes faço, ao mesmo tempo, letra e música, e é assim que gosto. Por um período muito grande, fiquei sem escrever, sem anotar e nem rever as letras. Um Índio, que tem uma letra enorme, só fui escrever quando tive de mandar para a gravadora, pois fiz cantando. Fiquei tanto tempo sem escrever que, um dia, o psicanalista Luiz Alberto Py foi na minha casa para deixar um recibo, e descobri que eu não tinha nenhum papel e nem lápis. [..] O psicanalista ficou tão impressionado que me mandou de presente um caderno, um estojo com lápis e borracha." (Caetano Veloso para O Globo, 1981).

"Um Índio, por exemplo, é exatamente uma coisa que fui cantando, de madrugada, e iam saindo aquelas frases compridas e eu ia curtindo o gosto delas, curtindo aquela retórica. Vi o parentesco dela com uma música do Chico Buarque, Rosa dos Ventos; fiquei vendo as proparoxítonas, mas ia saindo, naturalmente, com aquela curtição da emoção". (Caetano Veloso em entrevista a Gilberto Galvão, s/d).


16 - São João, Xangô Menino (Caetano Veloso, Gilberto Gil)

Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de São João

Céu de estrela sem destino
De beleza sem razão
Tome conta do destino, Xangô
Da beleza e da razão

Viva São João
Viva o milho verde
Viva São João
Viva o brilho verde
Viva São João
Das matas de Oxóssi
Viva São João

Olha pro céu, meu amor
Veja como ele está lindo
Noite tão fria de junho, Xangô
Canto tanto canto lindo

Fogo, fogo de artifício
Quero ser sempre o menino
As estrelas deste mundo, Xangô
Ai, São João, Xangô Menino

Viva São João
Viva Refazenda
Viva São João
Viva Dominguinhos
Viva São João
Viva qualquer coisa
Viva São João
Gal canta Caymmi
Viva São João
Pássaro proibido
Viva São João


17 - Nós, Por Exemplo (Gilberto Gil)

Nós somos apenas vozes
Nós somos apenas nós
Por exemplo
Apenas vozes da voz
Somos nós, por exemplo
Apenas vozes da voz

Nós somos apenas vozes
Ecos imprecisos do que for preciso
Impreciso agora
Impreciso tão preciso amanhã
Nós, por exemplo, já temos Iansã
Nós, por exemplo, já temos Iansã

Nós somos apenas vozes
Nós somos apenas
Nós, por exemplo
Apenas vozes da voz
Somos nós, por exemplo
Apenas vozes da voz

Nós somos apenas vozes
Do que quer que seja luz no cor-de-rosa
Cor na luz da brasa
Gás no que sustenta a asa no ar
Nós, por exemplo, queremos cantar
Nós, por exemplo, queremos cantar

Nós somos apenas vozes
Nós somos apenas nós
Por exemplo
Apenas vozes da voz
Somos nós, por exemplo
Apenas vozes da voz

Nós somos apenas vozes
Do que foi chamado de "a grande expansão"
Pé no chão da fé
Fé no céu aberto da imensidão
Nós, por exemplo, com muita paixão
Nós, por exemplo, com muita paixão

Nós somos apenas vozes
Nós somos apenas
Nós, por exemplo
Apenas vozes da voz
Somos nós, por exemplo
Apenas vozes da voz

Comentário de Gilberto Gil: "A primeira música que eu fiz tem um movimento que pode ser visto de complementariedade com Os Mais Doces dos Bárbaros, do Caetano. Mas é um movimento para trás. Tenta ver o que é que foi antes. Chama-se Nós, Por Exemplo, que é o nome do primeiro show que a gente fez na Bahia e fala do que tem sido o nosso cantar até hoje, e o que a gente quer que continue sendo o nosso cantar. A sentença, o sentido básico da música, Nós, Por Exemplo, em termos de palavra, é isso: "Nós, por exemplo/ Nós somos apenas vozes/ Nós somos apenas nós/ Por exemplo/ Apenas vozes da voz". Isso é o refrão da música. Como é que eu vejo, numa determinada medida, o fato de a gente ter passado todos esses anos - 10 - entrando e saindo das batalhas. As ilusões, os perigos, os encantos e continuar cantando, continuar acreditando cada vez mais unicamente no cantar. Investindo mais na integralização do ser nesse ato". (Gilberto Gil para o Jornal do Brasil, 1976). 


18 - Os Mais Doces Bárbaros (Caetano Veloso)

Com amor no coração
Preparamos a invasão
Cheios de felicidade
Entramos na cidade amada
Peixe Espada, peixe luz
Doce bárbaro Jesus
Sabe bem quem é otário
Peixe do aquário nada

Alto astral, altas transas, lindas canções
Afoxés, astronaves, aves, cordões
Avançando através dos grossos portões
Nossos planos são muito bons

Com a espada de Ogum
E a benção de Olorum
Como um raio de Iansã
Rasgamos a manhã vermelha
Tudo ainda é tal e qual
E no entanto nada igual
Nós cantamos de verdade
E é sempre outra cidade velha

Alto astral, altas transas, lindas canções
Afoxés, astronaves, aves, cordões
Avançando através dos grossos portões
Nossos planos são muito bons

Programa do show: "O nome [do grupo] veio de uma música, que veio de um papo de praia. Caetano dizendo a Jorge Mautner que eles eram os mais doces dos bárbaros. E fazendo uma canção a propósito, narrando poeticamente a doce conquista da cidade amada. Outras canções vieram todas novas, todas pensadas para as quatro vozes antigas, amigas, novas de novo." 























Foto: Antônio Carlos Miguel.

Foto: Antônio Carlos Miguel.

Foto: Antônio Carlos Miguel.



Foto: Martha Fotos.


Foto: Januário Garcia.


Ficha Técnica

Direção Geral: Caetano Veloso
Direção Musical: Gilberto Gil
Piano: Tomás Improta
Baixo: Arnaldo Brandão
Guitarra: Perinho Santana
Bateria: Chiquinho Azevedo
Sax e Flautas: Tuzé Abreu e Mauro Senise
Percussão: Djalma Corrêa
Direção da Produção: Gapa e Perinho Albuquerque
Técnico em Gravação e Mixagem: Ary Carvalhaes
Assistente: Rafael Isaak
Técnico em Manutenção: Ivan A. Lisnik
Corte: Luigi Hoffer
Capa: Aldo Luiz e Flávio Império
Fotos: Frederico Confalonieri
Ilustração: Jorge Vianna

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