1978 - Muito - Caetano Veloso


Muito: Dentro da Estrela Azulada foi lançado em julho de 1978 e marca o início da parceria de Caetano Veloso com A Outra Banda da Terra, numa de suas fases mais aclamadas, marcada pela liberdade de criação e intensidade de novas composições. Apesar da crítica tocando pesado na poesia do disco, o "disco amoroso" trouxe Terra e Sampa, hoje indispensáveis em qualquer show voz e violão do artista. Muito Romântico foi feita para Roberto Carlos e, de certa forma, responde a tudo: "Nenhuma força virá me fazer calar/ Faço no tempo soar minha sílaba". Além de duas canções dos Doces Bárbaros (São João, Xangô Menino e Eu Te Amo, que cita Boneca de Piche de Ary Barroso e Luiz Iglesias), tem Quem Cochicha o Rabo Espinha (Jorge Ben) e a sua versão de Eu Sei Que Vou Te Amar (Tom e Vinicius). E Pelé disse Love Love Love!

Caetano: "Foi o disco mais pichado pela crítica, o maior fracasso de vendas. E tem Terra e Sampa. Se existe essa fama de que eu brigo muito com a crítica, ela surgiu em Muito. Eu fiquei irado. Fazia nos shows comícios contra a crítica. Nem queria citar o nome dessas pessoas que não tem nada. Uma mistura de Sílvio Lancelotti com Maria Helena Dutra e mais aquele Geraldo Mayrink, que torciam para a pasteurização de Los Angeles, sentiram-se agredidos. O Geraldo Mayrink foi tão idiota, que escolheu dois versos pra provar que minha capacidade poética tinha se esgotado, um de São João Xangô Menino, que era uma citação de Luiz Gonzaga, outro de Eu Te Amo, que era de Ary Barroso. O disco não vendeu nada, uns 30.000, numa época que Bethânia vendia 700.000 e Chico, 500.000. O rádio nunca tocou e a PolyGram é cúmplice disso. Uma canção como Terra nunca tocar no rádio? Os programadores de rádio são burros, reacionários e só servem ao que há de mais medíocre. Gente colonizada, pequena, merece ser humilhada. O brasileiro é merecedor dessa humilhação. Jamais perdoei. Diziam que a canção era longa, de sete minutos, e eu estou por aqui de ouvir uma porcaria de dez minutos do Dire Straits. O povo canta Terra. Eu ouvi no show da Praia de Botafogo 50.000 pessoas cantando a letra toda de Terra. É isto que me interessa. Se tem alguma coisa que vale no meu trabalho é por causa disso. Se não vendeu, o Brasil não presta. Se fico assim agora, imagine na época. (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991).

"Meu disco mais pichado e o que menos vendeu. No entanto, é o disco que tem as canções Terra e Sampa, que foram tão tocadas e cantadas em todo canto. Li várias críticas dizendo que era péssimo, abaixo da crítica, que o Caetano já era. Muito foi gravado com A Outra Banda da Terra, que me acompanhou, também, em Outras palavras, Cinema transcendental, Cores, Nomes e Uns. (Caetano Veloso. Livro "Tantas Canções" do box "Todo Caetano". Universal Music, 2002).

"A gente gravou direto, todo mundo tocando, cantando, todo mundo junto e tem um clima incrível. Não tem essa coisa de play-back, tocou, parou, fez arranjo, toca isso, outro toca aquilo, não. A gente foi tocando no estúdio três, quatro vezes, vamos fazer mais uma vez e ficou aquela gravação. Tempo de Estio também foi gravado direto, mas a gente já fazia no show basicamente como está no disco. Mas Ca Já, no show, era totalmente diferente do que pintou no disco. Ela tem um clima, é uma coisa muito espontânea. Na verdade, não é uma coisa limpa, burilada, mas rica porque é a coisa que sai da gente. Acho que o pessoal fez um trabalho maravilhoso. Vinicius Cantuária é muito imaginativo, é polivalente, ele faz um pouco dos arranjos de base, é quem dá ideia e toca violão. Ele também é baterista, mas não é especializado. Tomás é um pianista maravilhoso e o Arnaldo toca baixo lindissimamente nesse disco. O contrabaixo ficou uma presença. E Perna fez o arranjo de Muito Romântico, que é a única faixa com arranjo escrito. Ficou lindo. Só vozes, não tem instrumento nenhum. [...] Lá [São Paulo], as pessoas não dizem 'Fulano é muito inteligente ou muito bonito'. Dizem apenas 'fulano é muito'. Acho isso muito bonito e como tinha feito, também, uma música com esse nome, Muito, resolvi que o disco iria ser chamado assim." (Caetano Veloso para a Folha de S.Paulo, 1978).

"Depois que o vi pronto gostei muito do disco. Quando eu estava fazendo estava adorando, mas não pensei que desse um produto tão bonito, eu pensei que era melhor pra gente que estava fazendo do que pra fora. Mas depois que saiu e eu vi assim de fora e vi outras pessoas ouvindo, achei que ele é lindo. Gosto até mais dele do que dos outros discos que tenho feito, ultimamente, por causa de uma coisa que ele tem: a espontaneidade. Na verdade eu sempre estive ligado numa coisa espontânea, uma coisa que seja o que for, o que pintar... canções, vou pro palco cantar canções novas e velhas e o que eu quiser." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1978). 

Sobre a capa: "Eu queria botar uma fotografia, eu sabia tudo menos a fotografia exata. Eu sabia que era uma coisa redonda, azul, já tinha explicado tudo ao Aldo (Aldo Luiz, chefe de arte da Phonogram). Mas eu queria uma fotografia minha com uma mulher, e obviamente pensei em fazer com Dedé. Mas eu achava que não era Dedé. Todo mundo sabe que Dedé é minha mulher, não é isso, talvez seja uma pessoa desconhecida, que fique de costas, uma coisa mais simbólica. Mas eu não sabia bem o que eu queria. Era uma mulher que ia parecer simbolizada, mas eu não tinha pensado quem era. Aí Bethânia, num dos ensaios do show que estou fazendo com ela, chegou com essa fotografia, que o Januário tinha tirado no camarim de um show dela do ano passado, assim com flash. Aí eu disse: "É isso! Genial aquela fotografia, no fundo o que eu queria era aquilo". Eu queria que fosse com uma mulher porque no fundo eu queria era aquela foto. Só que eu nem sabia que a foto existia." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1978). 

“Esse foi o primeiro mesmo com a banda, porque no anterior (Bicho - 1977) a turma já estava lá porém espalhada nas faixas e sob as ordens gerais de Perinho Albuquerque, que trabalhava comigo. No Muito já não havia produtor, éramos apenas eu e a banda. Perinho Albuquerque foi simplesmente convidado para fazer um arranjo ou outro, então o Muito é mesmo o primeiro disco da Outra Banda da Terra. Ele é muito assim não-produzido, e justamente nesse período estava se começando a dar importância à idéia do produtor no Brasil. Então a idéia era uma tentativa de ficar uma produção mais próxima do estilo Los Angeles de se produzir. Eu acho que tinha que ter tido produtor sim, mas eu estava querendo ser mais anárquico e fazer um negócio independente disso. Então eu fiz essa série de discos com a Outra Banda da Terra, que eu gosto muito. Eu acho que foi uma coisa de resistência também, a essa idéia de produtor. Na verdade, depois de uns anos com a Outra Banda da Terra, primeiro o Vinicius Cantuária quis sair pra fazer carreira solo, mas eu também já estava achando que precisava de uma orientação de produção, entendeu? Muito causou muito piche na imprensa porque era como não fosse bem produzido, como se fosse mal feito. Foi recebido assim. O pessoal que comprava não reclamava, mas os audiófilos devem ter achado que o som era descuidado. Nós fomos cobaias do desenvolvimento tecnológico no estúdio. O Muito foi muito inspirado, tem composições muito fortes, mas foi recebido como um disco sem a menor importância. Alguns críticos quiseram dizer que eu tava acabado, sem qualquer capacidade de escrever letras, mas também houve uma reação da imprensa, como se o disco tivesse sido feito no fundo do quintal da minha casa – o que foi profético, porque hoje todo mundo grava em casa. Você de fato hoje pode fazer no fundo do seu quintal. Eu gosto do Muito. A primeira faixa foi Terra e eu discuti muito com o pessoal da gravadora, porque eu tava abrindo o disco com uma faixa longa. A rádio tava tocando músicas estrangeiras com 7 minutos, como Sultans of Swing do Dire Straits? Então por que não podia tocar algo brasileiro também? A música Terra acabou não tocando mas em poucos anos toda população aprendeu a cantar. Quando eu canto, todo mundo canta junto. Sampa também taí, mas teve gente dizendo que não tinha nenhuma frase que se salvasse. A música Muito é muito bonita também!" (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).

Caetano em 1978.

Texto da contracapa

Não se sabe ainda ao certo se A Outra Banda Da Terra existe. O que há, entretanto, pintou por causa de Vinícius e Arnaldo terem incrementado o hábito de fazer som comigo, em casa, sem arranjos nem planos definidos. Hábito a que aderiu Rubão. Isso me fez muito bem e me honra muito. Quisemos tocar em público. Convidamos Tomás. E Marcos. E Serginho deu uma supercanja que multiplicou por mil o brilho do nosso show. Para o disco, convidamos Bira e Bolão. "Muito Romântico" é a única faixa-satélite-artificial (por culpa minha) de brilho próprio (por culpa da competência e inspiração de Perna).

A Outra Banda da Terra

Tomás Improta - piano acústico e piano elétrico em todos os lances exceto "Love Love Love".
Arnaldo Brandão - baixo em todos os lances e violão de 7 cordas em "Sampa".
Vinicius Cantuária - bateria em todos os lances, violão e vocal em "São João, Xangô Menino", tabla em "Terra".
Marcos Amma - percussão em "São João, Xangô Menino", "Ca Já", "Love Love Love" e "Sampa". 
Bira da Silva - percussão em "Tempo de Estio", "Quem Cochicha o Rabo Espicha" e "Muito".
Bolão - percussão em "Quem Cochicha o Rabo Espicha", "Ca Já", "Terra" e "Muito".
Caetano Veloso - voz e violão acústico e eletro-acústico em todos os lances.

Convidados Especiais

Sergio Dias - (muito especial) violão de 12 cordas e citar em "Terra", pedal steel em "Muito" e "Ca Já".
Perna Fróes - piano elétrico em "Love Love Love", arranho e regência do coral em "Muito Romântico".
Perinho Santana - violão de cordas de aço em "Sampa", guitarra em "Love Love Love" e "Ca Já".
Rubão Sabino - presença genial em todos os lances e um precioso toque de sininho em "Terra". 
Juarez - clarinete em "Muito".
Ney (surdo) e Geraldo (tamborim em "Love Love Love").
Cantores do coral em "Muito Romântico": Agenor, Marcelo - tenor; Daniel Felix de Sousa - tenor; Maria Siniscalchi - soprano; Dora Tavares - soprano; Zuleida Gomes - contralto; Iuda Lauria - contralto; Manuel Pascoa - baixo; Josué Martins - baixo. 
Coro feminino em "Love Love Love", "Quem Cochicha o Rabo Espicha" e "Tempo de Estio" - Nilza, Dalva Alice, Loalva e Sonia.

Entrevista para o Jornal do Brasil

Para ler: clique na imagem.


Lista de Músicas

Lado 1

1 - Terra
(Caetano Veloso)

2 - Tempo De Estio
(Caetano Veloso)

3 - Muito Romântico
(Caetano Veloso)

4 - Quem Cochicha O Rabo Espicha
(Jorge Ben)

5 - Eu Sei Que Vou Te Amar
(Tom Jobim, Vinícius de Moraes)

Lado 2

1 - Muito
(Caetano Veloso)

2 - Sampa
(Caetano Veloso)

3 - Love Love Love
(Caetano Veloso)

4 - Cá Já
(Caetano Veloso)

5 - São João, Xangô Menino
(Caetano Veloso, Gilberto Gil)

6 - Eu Te Amo
(Caetano Veloso)

Vamos às Letras.

1 - Terra (Caetano Veloso)

Quando eu me encontrava preso
Na cela de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim, coberta de nuvens

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Ninguém supõe a morena
Dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema
Mando um abraço pra ti
Pequenina
Como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses à Paraíba

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu estou apaixonado
Por uma menina, terra
Signo de elemento terra
Do mar se diz: Terra à vista
Terra para o pé, firmeza
Terra para a mão, carícia
Outros astros lhe são guia

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeria
Acontecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

De onde nem tempo, nem espaço
Que a força mande coragem
Pra gente te dar carinho
Durante toda a viagem
Que realizas no nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito

Terra, Terra
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Comentário do autor: "Tem coisas nesse disco, conquistadas nessa gravação, que são as que mais me fazem a cabeça. Terra, por exemplo. Talvez seja uma das minhas melhores canções, e, num determinado sentido, é a minha melhor gravação, porque aconteceu no estúdio uma coisa de sentir junto... Bom, foi tudo gravado direto, tocado e cantado direto e saiu daquela maneira. A gente sentiu a emoção e, quando a gente foi ouvir, viu que havia passado para a gravação. Não teve playback, não teve botar voz depois, não teve emenda, todo mundo tocando junto e saiu daquela maneira. Tem silêncios, uma hora todo mundo pára, fica só o violão, depois todo mundo entra... e a gente sem se ver porque fica cada um num quadradinho isolado dentro do estúdio. Sabe aquele filme Guerra nas Estrelas? Quando eu vejo filmes que tem espaço... 2001, por exemplo, que eu nunca mais revi e acho lindo... mas quando eu vejo aquele espaço enorme nos filmes me dá vertigem. Se eu deitar assim e olhar o céu estrelado num lugar que eu não vejo mais nada, eu sinto que eu posso desprender da Terra e voltar. Já conversei com outras pessoas e elas também sentem isso. Eu sinto muito forte essa vertigem, e me dá uma angústia terrível. E no Guerra nas Estrelas me deu, um pouco, mas o filme é mais leve. E esse filme tem uma coisa: o planeta Terra não é nem citado, nem aparece, parece que não existe, é uma coisa bem longe da Terra. Então eu senti essa impressão de saudade. Eu me lembro logo da primeira ou segunda semana que eu estava na cadeia e o pessoal me levou revistas que tinham as primeiras fotografias da Terra, tiradas de fora. E uma era uma coisa maravilhosa, tinha a Terra inteira. Eu esperava ver os continentes, mas era tudo coberto de nuvens. Tudo isso, depois que eu vi o filme, me deu uma impressão muito grande de que havia uma tensão poética... e na época eu também achei. Eu pensava: "Como é que eu estou aqui, num espaço tão limitado que mal dá pra eu me mexer e ao mesmo tempo eu estou vendo uma foto da Terra toda, tirada de um espaço tão ilimitado"... achei que tinha uma tensão poética nesse lance e me lembrei disso, tanto que comecei a música já citando essa coisa. É uma música confessional, de explicação. Eu comecei a escrever essa música fazendo a letra, primeiro, o que é uma coisa muito rara, ultimamente, porque muito raramente eu faço letra antes da música: sai junto ou eu faço a música antes, quase todas. Essa letra eu fiz antes, e era diferente da que veio a ser a letra da música, mas a ideia básica era a mesma. Ela era mais nordestina, mais bem "escrita", entre aspas, mais João Cabral de Mello Neto. Depois que eu botei música ficou mais desarrumada, e eu achei mais bonito, mais a ideia mesmo do que eu queria dizer." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1978).

"No ano passado, me disseram: você já viu como tem tanta música falando em coração? Coração Alado, Coração Bobo, Rasga Coração, Coração Explode? Quanto aos as-tela, ainda não tinha pensado. Tenho vertigem. Se o céu está multo limpo, quando eu olho pinta uma angústia. Quando vi aquele flme, 2001, em Lisboa, fiquei com vertigem dentro do cinema. Na minha música, Terra, falo disso. Gosto muito daqui, ficar aqui, nessa dimensão humana.” (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1981).

"Houve uma época em que eu li muito João Cabral de Melo Neto, principalmente aqueles poemas que eram em versos de sete sílabas. É uma coisa bem nordestina. E eu tenho uma facilidade muito grande para escrever desse jeito. (...) Foi o que eu fiz com a letra de Terra: escrevi para anotar a ideia. Fiz um "monstro", parecia João Cabral. Eu tinha deixado o papel com anotações em Salvador e, quando fiquei no Rio cantando a música, ficou outra coisa. Fiz primeiro esse "monstro" de letra. E depois fiz a música, lembrando a letra. Ao fim de tudo, ficou do jeito que foi gravado no disco." (Caetano Veloso em entrevista a Geneton Moras Neto, s/d). 


2 - Tempo De Estio (Caetano Veloso)

Quero comer
Quero mamar
Quero preguiça
Quero querer
Quero sonhar
Felicidade

É o amor
É o calor
A cor da vida
É o verão
Meu coração
É a cidade
Rio, eu quero suas meninas
Eu quero suas meninas

O Rio está cheio de Solanges e Leilas
Flávias e Patrícias e Sônias e Malenas,
Anas e Marinas e Lúcias e Teresas,
Glórias e Denises e luz eterna Veras
Rio, tempo de estio
Eu quero tuas meninas
Eu quero tuas meninas


3 - Muito Romântico (Caetano Veloso)

Não tenho nada com isso nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou pra guardar ou lembrar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa eu não douro pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior
Com todo o mundo podendo brilhar num cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico

Comentário do autor: "Fiz para o Roberto Carlos, que me pedia canções. A primeira que fiz foi "Como dois e dois", em Londres; ele gravou. Depois fiz, e ele gravou também, "Muito romântico" e "Força estranha". Ele continuou me pedindo, e eu fiz mais umas duas, que ele não gravou. Uma delas se chama "Pele". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

"Muito romântico é uma espécie de resposta que eu dou. Eu disse para o Roberto Carlos - eu fiz essa canção para ele - 'Roberto, essa é uma canção de protesto, um protesto nosso, dos românticos, contra os realistas-racionalistas". (Caetano Veloso em entrevista a Gilberto Galvão, s/d). 


4 - Quem Cochicha O Rabo Espicha (Jorge Ben)

Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha
Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha

Não fique esperando
O que Jesus prometeu
Porque ele também está esperando
Que você tome vergonha na cara
E saia por aí, pelo mundo afora
Fazendo amizades, conquistando vitórias

Em vez de ficar pelas esquinas
Cochichando e contando prosas
Em vez de ficar pelas esquinas
Cochichando e contando prosas

Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha
Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha

Também não fique pensando
Que essas vitórias serão fáceis
Pois nesta vida de perde e ganha
Ganha quem sabe perder
E perde, perde quem não sabe ganhar
Por isso você precisa aprender a jogar

Em vez de ficar cochichando
Olhando o bonde passar
Em vez de ficar cochichando
Olhando o bonde passar

Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha
Quem cochicha o rabo espicha
O rabo espicha, o rabo espicha

Comentário de Caetano: "Acho Jorge Ben o maior. A razão do título é que eu tinha muitas canções para gravar, pensei até em fazer em álbum duplo. Então concentrei o máximo de canções num único LP, mandei botar as faixas bem coladinhas uma nas outras, para caber o máximo. Muito por esse motivo, Muito, porque é o título de uma das minhas canções, e Muito porque essa palavra agora é uma gíria nova em São Paulo. Quando um negócio é ótimo a gente diz: é muito. Quando uma pessoa é ótima a gente diz: fulano é muito. Eu acho Jorge Ben muito." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1978). 

Caetano e Jorge Ben nos anos 70.

5 - Eu Sei Que Vou Te Amar (Tom Jobim, Vinícius de Moraes)

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será
Pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será
Pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Foto: Biah Schmidt.

6 - Muito (Caetano Veloso)

Eu sempre quis muito
Mesmo que parecesse ser modesto
Juro que eu não presto
Eu sou muito louco, muito
Mas na sua presença
O meu desejo
Parece pequeno
Muito é muito pouco, muito

Broto você é muito, muito
Broto você é muito, muito

Eu nunca quis pouco
Falo de quantidade e intensidade 
Bomba de hidrogênio
Luxo para todos, todos
Mas eu nunca pensei
Que houvesse tanto
Coração brilhando
No peito do mundo louco

Gata você é muito
Broto você é massa, massa

Comentário de Regina Casé: "É uma música lindíssima. Eu me lembro bem da primeira vez que eu ouvi. O Caetano foi para a Bahia ficar um tempo e a gente estava muito próximo, aí falei "puxa, vou ficar com saudade, traz um presente pra mim lá da Bahia". E o Caetano eu acho que nunca entrou numa loja e comprou uma coisa, acho que ele nem anda com dinheiro no bolso, é completamente em outra. Aí ele voltou da Bahia e eu falei: "vem cá, você não comprou um presente pra mim?". Ele falou: "comprar eu não comprei, mas eu tenho um presente pra você", daí tocou essa música." (Regina Casé em entrevista para Pedro Bial, 2019). 

Caetano e Regina Casé nos anos 80.

7 - Sampa (Caetano Veloso)

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes

E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

Comentário do autor: "Sampa é cheia de referências. É um samba normal na verdade, mas pra mim, que sei, é cheio de, como se diz, private jokes, porque pra quem sabe, tem referências a Paulo Vanzolini e Isaurinha Garcia logo na letra e na melodia, tem referência a Teatro Oficina de Zé Celso e Teatro de Arena, Augusto Boal, Jorge Mautner, José Agripino de Paula, poesia concreta, irmãos Campos, pelo menos essas. Os Mutantes, a Rita Lee, todo mundo homenageado porque foi o meu contato com São Paulo. São Paulo é uma cidade fascinante." (Caetano Veloso para a Folha de São Paulo, 1978).

“Havia, no meu caso, uma questão de classe: eu andava num ambiente de classe média para baixo, então havia essa deselegância. Eu não conhecia aqueles paulistas que consideram os outros como uma classe muito inferior, por terem mais dinheiro e mais viagens ao exterior. Cheguei com a Bethânia, e a cidade nos pareceu feia, não parecia grande… nos pareceu provinciana, com aqueles cartazes de cinema de mau gosto. Tinha algo de cidade do interior. Hoje a paulistana já é pop, é Daslu, é São Paulo Fashion Week, e as meninas de São Paulo hoje são elegantes. Não eram!” (Caetano Veloso para a Folha de S.Paulo, 2004).

"Sampa eu também acho uma transa de amor muito forte. Você vê que não existem muitas expressões de amor à cidade de São Paulo como a que há nessa música. E foi tudo casual, também você sabe, eu estava fazendo um programa de televisão e me pediram um depoimento sobre São Paulo e eu fiz, pensando em tudo o que era São Paulo pra mim, e saiu uma canção joia, mesmo. Então eu adoro o disco, ele é cheio dessas coisas. Acho que amor, mesmo, é o tema dele. Mas é um disco inteiramente sem uma ideia anterior, porque na verdade ele nasceu daquele show do Teatro Clara Nunes, no início do ano, e aquele show não tinha nenhuma ideia preestabelecida. Foi uma coisa muito solta. Nesse sentido ele é muito qualquer coisa. Mas é lindo." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1978).

“Eu senti em São Paulo uma energia criativa, uma coragem de experimentar e uma inocência diante das experimentações que no Rio não havia, então eu fiquei apaixonado por São Paulo. "Sampa" para mim é um hino. É muito importante. Sempre cantei como um hino de São Paulo.” (Caetano Veloso em post nas redes sociais, 2023).

Caetano em Sampa. Foto: Bob Wolfenson.

8 - Love Love Love (Caetano Veloso)

Eu canto no ritmo, não tenho outro vício
Se o mundo é um lixo, eu não sou
Eu sou bonitinho, com muito carinho
É o que diz minha voz de cantor
Por nosso Senhor

Meu amor, te amo
Pelo mundo inteiro eu chamo
Essa chama que move
Pelé disse
Love, love, love

Absurdo, o Brasil pode ser um absurdo
Até aí, tudo bem, nada mal
Pode ser um absurdo, mas ele não é surdo
O Brasil tem ouvido musical
Que não é normal

Meu amor, te quero
Pelo mundo inteiro eu espero
A visão que comove
Pelé disse
Love, love, love

Na maré da utopia
Banhar todo dia
A beleza do corpo convém
Olha o pulo da jia
Não tendo utopia
Não pia a beleza também
Digo pra ninguém

Meu amor, desejo
Pelo mundo inteiro
Eu vejo
O que não tem quem prove
Pelé disse
Love, love, love

Na densa floresta feliz prolifera
A linhagem da fera feroz
Ciclones de estrelas
Desenham-se Livres e fortes diante de nós
E eu com minha voz

Meu amor, preciso
Pelo mundo inteiro aviso
Olha o noventa e nove
Pelé disse
Love, love, love

Comentário do autor: "Refere-se ao fato de que Pelé, quando fez o milésimo gol, ou quando fez um negócio no Cosmos, apareceu na televisão e disse: "Love, love, love". Mas também é uma resposta ao Roberto Schwarz, quando diz "absurdo, o Brasil pode ser um absurdo, até aí tudo bem, nada mal, pode ser um absurdo, mas ele não é surdo, o Brasil tem ouvido musical". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

Gilberto Gil, Pelé e Caetano Veloso nos anos 90.

9 - Cá Já (Caetano Veloso)

Vejo que areia linda
Brilhando cada grão
Graças do sol ainda
Vibram pelo chão

Vejo que a água deixa
As cores de outra cor
Volta pra si sem queixa
Tudo é tanto amor

Esteja cá já
Pedra vida flor
Seja cá já
Esteja cá já
Tempo bicho dor
Seja cá já
Doce jaca já
Jandaia aqui agora

Ouço que tempo imenso
Dentro de cada som
Música que não penso
Pássaro tão bom

Ouço que vento, vento
Ondas asas capim
Momento movimento
Sempre agora em mim

Esteja cá já
Pedra vida flor
Seja cá já
Esteja cá já
Tempo bicho dor
Seja cá já
Doce jaca já
Jandaia aqui agora

Comentário do autor: "Eu nunca tinha gravado Ca Já. Eu queria gravá-la no disco Bicho, mas não deu certo e desisti. Ca Já é da época de Os Doces Bárbaros. Quando Fafá gravou [Lp Tamba-Tajá], eu tinha feito, era novíssima." (Caetano Veloso para a Folha de S. Paulo. 1978). 

Foto: Thereza Eugênia.

10 - São João, Xangô Menino (Caetano Veloso, Gilberto Gil)

Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de São João

Céu de estrela sem destino
De beleza sem razão
Tome conta do destino, Xangô
Da beleza e da razão

Viva São João, viva o milho verde
Viva São João, viva o brilho verde
Viva São João das matas de Oxóssi
Viva São João

Olha pro céu, meu amor
Veja como ele está lindo
Noite tão fria de junho, Xangô
Canto tanto canto lindo

Fogo, fogo de artifício
Quero ser sempre o menino
As estrelas deste mundo, Xangô
Ai, São João, Xangô Menino

Viva São João, viva Refazenda
Viva São João, viva Dominguinhos
Viva São João, viva Qualquer Coisa
Viva São João, Gal Canta Caymmi
Viva São João, Pássaro Proibido
Viva São João

Viva São João
Viva São João
Viva São João

Foto: Januário Garcia.

11 - Eu Te Amo (Caetano Veloso)

Eu nunca te disse
Mas agora saiba
Nunca acaba, nunca
O nosso amor
Da cor do azeviche
Da jabuticaba
E da cor da luz do sol

Eu te amo
Vou dizer que eu te amo
Sim, eu te amo
Minha flor

Eu nunca te disse
Não tem onde caiba
Eu te amo
Sim, eu te amo
Serei pra sempre o teu cantor

Comentário do autor: "Compus especialmente para a Gal cantar em Os doces bárbaros, para ter extensão de voz. A ideia de fazer o espetáculo foi de Bethânia. Ela é decidida, chamou todo mundo e nós paramos tudo o que estávamos fazendo, as excursões, os projetos." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

A Outra Banda da Terra.

Ficha Técnica

Técnicos de Gravação: Paulinho Chocolate (Estúdio A), Vitor e Jairo (Estúdio B)
Assistentes: Rafael, Aníbal e Vitor
Mixagem: Paulinho Chocolate
Corte: Ivan Lisnik
Direção de Produção: Caetano Veloso
Coordenação da Produção: Roberto Santana
Capa: Aldo Luiz
Arte Final: Arthur Fróes
Foto: Januário Garcia





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