1981 - Brasil - João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia
A ideia de Brasil (1981) surgiu quando João Gilberto cantou Aquarela do Brasil de Ary Barroso com Gilberto Gil e Caetano Veloso num quarto de hotel em Higienópolis, São Paulo, em 1979. Formado o trio, João convidou Maria Bethânia para participar de uma das faixas. Os baianos alugaram um apartamento em Ipanema, contrataram uma cozinheira baiana e lá ficaram por meses, ensaiando das 21h até o dia amanhecer. O trabalho quase foi paralisado por causa de uma troca de olhares entre Caetano e Gil: João achou que os dois estavam zombando dele. O disco demorou nove meses para ficar pronto e foi lançado no dia do aniversário de 50 anos de João Gilberto. Rogério Sganzerla, chamado para registrar o encontro, produziu um documentário com duração de treze minutos que intercala imagens dos intérpretes no estúdio e da cidade do Rio de Janeiro. Para a Bahia, bonita homenagem de quatro filhos célebres. Para Caetano, Gil e Bethânia, experiência da genialidade do mestre.
Caetano: "Todo o trabalho foi na verdade um exercício que nos preparou para dizer uma oração pelo Brasil. [...] Ele sabia sabia que nós sabíamos por que estávamos ali. Não era uma questão bairrista, regionalista. Não era o fato de sermos baianos que importava. Era o fato de sermos poetas. Ele [João] dizia: "Como é lindo Aquarela do Brasil com nós três cantando, três poetas brasileiros, cada um se levantando e dizendo sua versão do Brasil." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1981).
"A gente cantou milhões de músicas e terminou gravando coisa que nunca tinha cantado (risos). Ele [João] pensava em formas diferentes de resolver as coisas e terminou pelo mais simples. Tipo ele mesmo, né? Terminou reduzindo ao mais simples, essencial e lindo. Foi uma viagem gravar com ele." (Caetano Veloso para a Revista Música, 1981).
"Gravar com João Gilberto foi uma 'trip' tão especial, durou tanto tempo e tinha um clima tão forte, um clima tão específico do João Gilberto que quando começamos a gravar os nossos discos estávamos com um material meio de antes, meio de depois desta 'trip' - a maioria de antes - que estávamos sem um projeto claro de atitude. [...] João Gilberto é uma pessoa muito sutil, ele é muito mágico e muito poético o tempo todo. A gente teve três sessões de gravação - ele chegava, tocava violão, a gente cantava uníssono e terminavam as gravações. Mas até ter essas três sessões de gravações durou meses, a gente tendo ensaios com ele que não tinham nada de semelhante com o que se chama de ensaio. Por exemplo, um dos ensaios podia ser ir procurar Bororó, às cinco horas da manhã, na Florentina, pra conversar. Às vezes ele pegava uma música e passava dias; ele armava umas vozes, depois não queria mais... botava uníssono. A gente passava um tempão conversando, vendo televisão, comentando sobre o Brasil, sobre o mundo. Era muito bonito. O João tem um pé no mestre oriental, ele tem esta coisa. Por exemplo, às vezes, ele ficava horas falando de como é bonito ouvir Dorival Caymmi falar... O que achei mais lindo de tudo foi ver, o tempo todo, ele com Gil. Foi uma coisa que cresceu muito, porque ele tinha antes uma maior aproximação comigo, e com Gil cresceu, e o Gil é muito mais competente do que eu musicalmente, e eles ficavam fazendo coisas lindas, juntos, e dava um barato pra mim como participante e também como observador, que era uma maravilha. E, por fim, a surpresa final de Maria Bethânia - que ele chamou por último - que foi um barato, uma coisa louca. Eu não sei que impressão o disco vai causar quando ele sair. Eu não sei como ele vai voltar dos Estados Unidos onde foi ser tratado tanto por um orquestrador, como por um baterista e baixista e por técnicos de mixagem. Não tem nada de composição nossa no disco. O assunto composição não pinta. O repertório são quatro canções. Não sei se o João quer que a gente diga. Ele pediu muito segredo. João precisa muito de segredo, eu, por outro lado, não tenho vocação pro segredo, não sei guardar. Sou exibicionista, gosto de contar tudo, acredito no iluminado, não tenho esta bossa do mistério, do segredo, estou aprendendo, talvez principalmente com o próprio João e também com a psicanálise. " (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1981).
Lista de Músicas
Lado A
1 - Aquarela do Brasil
(Ary Barroso)
2 - Disse Alguém (All of me)
(Gerald Marks, Seymour Simons)
3 - Bahia com H
(Denis Brian)
Lado B
4 - No Tabuleiro da Baiana
(Ary Barroso)
5 - Milagre
(Dorival Caymmi)
6 - Cordeiro de Nanã
(Mateus, Dadinho)
Vamos às Letras.
1 - Aquarela do Brasil (Ary Barroso)
Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
Canta de novo o trovador
À merencória luz da lua
Toda canção do seu amor
Quero ver essa Dona caminhando
Pelos salões, arrastando
O seu vestido rendado
Esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Ô! Estas fontes murmurantes
Onde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ô! Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil, terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiferente
O Brasil, samba que dá
Para o mundo se admirar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
2 - Disse Alguém (All of me) (Gerald Marks, Seymour Simons)
Disse alguém que há bem no coração
Um salão onde o amor descansa
Ai de mim, eu tão sozinho
Vivo assim, sem esperança
A implorar alguém que não me quis
E feliz, bem feliz seria
Coração meu, convém descansar
Soluçar mais devagar
Disse alguém, disse que há bem no coração
Um salão, um salão dourado onde o amor sempre dança
Ai de mim que só vivo tão sozinho
Vivo assim, vivo sem ter um terno carinho
A implorar alguém que não me quis
E feliz então eu sei, bem sei que não mais seria
Meu, meu coração sem esperança
E vive a chorar, soluçar
Como quem tem medo de reclamar
3 - Bahia com H (Denis Brian)
Dá licença, dá licença, meu senhor
Dá licença, dá licença, pra iôiô
Eu sou amante da gostosa Bahia, porém
Pra saber seu segredo
Serei baiano também
Dá licença de gostar um pouquinho só
A Bahia eu não vou roubar, tem dó
Ah! Já disse um poeta
Que terra mais linda não há
Isso é velho e do tempo que a gente escrevia Bahia com H
Deixa ver, com meus olhos de amante saudoso
A Bahia do meu coração
Deixa ver, baixa do Sapateiro, Charriou
Barroquinha, Calçada, Tabuão
Sou um amigo que volta feliz
Pra teus braços abertos, Bahia
Sou poeta e não quero ficar
Assim longe da tua magia
Deixa ver, teus sobrados, igrejas
Teus santos, ladeiras e montes tal qual um postal
Dá licença de rezar pro Senhor do Bonfim
Salve a santa Bahia imortal, Bahia dos sonhos mil
Eu fico contente da vida, Em saber que Bahia é Brasil
4 - No Tabuleiro da Baiana (Ary Barroso)
No tabuleiro da baiana tem
Vatapá, oi
Caruru
Mungunzá
Tem umbu
Pra ioiô
Se eu pedir você me dá
O seu coração
Seu amor de iaiá
No coração da baiana tem
Sedução
Canjerê
Ilusão
Candomblé
Pra você
Juro por Deus
Pelo senhor do Bonfim
Quero você, baianinha, inteirinha pra mim
Sim, mas depois, o que será de nós dois?
Seu amor é tão fugaz, enganador
Tudo já fiz
Fui até num canjerê
Pra ser feliz
Meus trapinhos juntar com você
E depois vai ser mais uma ilusão
Que no amor quem governa é o coração
5 - Milagre (Dorival Caymmi)
Maurino, Dadá e Zeca, ô
Embarcaram de manhã
Era quarta-feira santa
Dia de pescar e de pescador
Quarta-feira santa, dia de pescador
Maurino, Dadá e Zeca, ô
Embarcaram de manhã
Era quarta-feira santa
Dia de pesca e de pescador
Quarta-feira santa, dia de pescador
Se sabem que muda o tempo
Sabe que o tempo vira
Ah, o tempo virou
Maurino que é de aguentar, aguentou
Dadá que é de labutar, labutou
Zeca, este nem falou
Era só jogar a rede e puxar a rede
6 - Cordeiro de Nanã (Mateus, Dadinho)
Sou de Nanã, Nanã
Nanã, Nanã, ê
Sou de Nanã, nã
Nanã, Nanã, ê