1983 - Uns - Caetano Veloso


Uns foi lançado no segundo semestre de 1983 e encerra a parceria de Caetano Veloso com A Outra Banda da Terra. O disco veio em diferentes estilos, desde o maracatu plural que dá nome ao álbum, passando pela salsa de Quero Ir A Cuba até a bossa de Coisa Mais Linda, de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes. Caetano também é intérprete em Musical, de Péricles Cavalcanti, cantada em falsete. Você É Linda tocou muito nas rádios. O maestro Lincoln Olivetti participa de Coisa Mais Linda e É Hoje, samba enredo da União da Ilha, gravada por Caetano por sugestão de Wally Salomão com participação de Maria Bethânia. A irmãzinha de Caetano também canta em Salva Vida, excitante tradução de um verão baiano. "Peter Gast" é o pseudônimo dado por Nietzsche ao seu melhor amigo e significa "Pedro, o hóspede". Eclipse Oculto cita a banda Blitz em pop rock dos anos 80 e aponta para a direção do próximo trabalho do cantor.

Caetano: "É o que mais gosto. Entendo que as pessoas gostem de Cinema Transcendental, mas adoro a canção Uns. Adoro Peter Gast. A pessoa devia ter vergonha de fazer um Peter Gast, mas eu fiz e foi lindo. É a melhor capa. Eu, Rodrigo e Roberto, meus dois irmãos. E adoro aquele "nosso amor não deu certo". Como chama mesmo? Eclipse Oculto. É o título de LP mais bonito de todos. Adoro Uns." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1991).

“Para compensar diversas humilhações, alguém no Brasil tem que ser, ao mesmo tempo, Bob Dylan e Michael Jackson. Ridículo. Quão acima dessa ansiedade subdesenvolvida paira a altivez aristocrática do som de Chico Buarque com o MPB 4, de Maria Bethânia com o Terra Trio. Orgulho-me do trabalho que realizo com ‘A Outra Banda da Terra’, não apenas pelo que temos juntos conseguido de definitivamente bonito, mas também por participarmos um pouco da nobreza daquele tipo de atitude.” (Caetano Veloso, Trecho inicial do texto para a contracapa do disco Uns, 1983).

"Gosto muito das músicas Você É Linda e Eclipse Oculto. A primeira é uma canção sentimental, parece La Violetera, que é o tema de "Luzes da Cidade", de Chaplin. E Eclipse, por sua vez, é mais moderna, mais forte. Você É Linda, no entanto, eu compus dentro de um clima muito sentimental. A situação que inspirou a música não é de todo verdade nem de todo mentira. Não dizem que o poeta é um fingidor?" (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1983). 

"Uns é uma maravilha, tem Eclipse Oculto e também Musical, do Péricles Cavalcanti, cuja gravação é linda, e a interpretação também. Você é Linda foi o grande sucesso e é sucesso até hoje. Eu adoro a fotografia da capa, somos eu e meus dois irmãos, que eu encontrei no dia do casamento de minha irmã. Peter Gabriel ouviu essas gravações, sobretudo essa de É Hoje, mas eu acho que ele ouviu Coisa Mais Linda também. Mas era É Hoje que ele queria ouvir, porque ele tinha ouvido falar que tinha sintetizadores e escola de samba. Eu falei: "Você vai ouvir, mas é uma coisa muito precária, não fique pensando que é um trabalho complexo e sofisticado de utilização de sintetizadores com escola de samba!" Ele ouviu e falou: "É bacana, mas é feio de qualquer maneira, sem produção..." E aí me deu aquele conselho. Ele achou interessante mas achou tudo muito sujo e descontrolado. Eu falei que não trabalhava com produtor mas ele disse: "Não faça isso!". Engraçado, pois eu tava começando a ter necessidade de organizar mais a produção, chamar um produtor... e ele me deu aquele golpe de misericórdia: "Eu já trabalhei sem produtor, mas trabalhar sem produtor é um erro! Você pensa que fica mais livre, mas você fica menos livre... porque você fica responsável por coisas que você não deveria ficar! Tendo um produtor, ele vai fazer o que tem que ser feito na produção e você vai ter tempo pra cantar, pra tocar, pra compor... e o disco fica mais bonito, e o som fica mais responsável!", disse-me Gabriel. Foi um conselho muito razoável, eu já sabia disso, e estava na hora de pensar assim. Ele formalizou assim pra mim e foi um conselho muito útil". (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).

"Uns é muito bom. Só a canção Uns vale tudo, né? Que canção espetacular. E o jeito que é tocada com a levada de maracatu, muito antenado, sintonizado e ligado no futuro. Uma grande canção, adoro essa canção, a letra, tudo. Acho bacana. E tem A Outra Banda da Terra com aquele sotaque do interior de São Paulo que eu canto. Fica bacana porque aí o canto fica parecendo Chet Baker mesmo. Na capa de Uns estamos eu, Rodrigo e Roberto, meus dois irmãos. Eu sou o mais novo dos três, somos os três filhos homens de meus pais. E quando fiz a música Uns, eu vi essa foto e disse: "vou botar essa foto na capa". Eu adoro essa foto. "Uns" somos eu, Rodrigo e Bob. Essa é a mensagem mesmo, o lance." (Caetano Veloso em entrevista sobre seus 70 anos, 2012). 




Show Uns. Foto: Rosane Medeiros.

"Uns" no Jornal do Brasil

Para ler: clique na imagem.



Lista de Músicas

Lado 1

1 - Uns
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Guitarras: Perinho Santana / Pianos Yamaha: Tomás Improta / Bateria: Vinicius Cantuária / Tumbadora e coco: Edu Gonçalves (Bolão) / Caxixi e cowbell: Marcelo Costa (Gordo) / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra.

2 - Musical
(Péricles Cavalcanti)
Voz e violão acústico: Caetano / Piano acústico: Tomás Improta.

3 - Eclipse Oculto
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Piano acústico e Oberheim OB-Xa: Tomás Improta / Bateria: Vinicius Cantuária / Guitarra: Perinho Santana / Sax-alto: Zé Luiz / Programação OB-Xa: Luciano Alves / Arranjos de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 

4 - Peter Gast (para Rosa)
(Caetano Veloso)
Voz e violão acústico: Caetano / Piano acústico: Tomás Improta / Guitarra: Perinho Santana / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 


5 - Quero Ir a Cuba (Agradecimentos a Waly por sugerir Lorca. Poema “Copla Cubana”: Federico Garcia Lorca) 
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Oberheim OB-Xa: Tomás Improta / Guitarra: Perinho Santana / Tumba, bongo e cowbell: Edu Gonçalves (Bolão) / Caxixi, tamborim e bateria: Vinicius Cantuária / Timbales: Chacal / Programação OB-Xa: Luciano Alves / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 


6 - Coisa Mais Linda
(Carlos Lyra, Vinicius de Moraes)
Voz e violão acústico: Caetano / Moog e Korg: Robson Jorge / Arranjo, teclados e Oberheim: Lincoln Olivetti.

Lado 2

1 - Você É Linda
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Piano fender e Oberheim OB-Xa: Tomás Improta / Guitarra: Perinho Santana / Bateria: Vinicius Cantuária / Flauta: Zé Luiz / Oberheim: Lincoln Olivetti / Moog e Korg: Robson Jorge / Cordas: Édson Lobo e Annie Marie Munsen (cellos) e Ivan Niremberg (viola) / Vocal: Eveline, Sônia Burnier e Paula Martins / Programação OB-Xa: Luciano Alves / Arranjo de cordas: Tomás Improta / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 

2 - Bobagens, Meu Filho, Bobagens
(Marina Lima, Antônio Cícero)
Voz: Caetano / Ovation: Marina / Contrabaixo, piano fender, Oberheim OB-Xa, guitarra e bateria: Piska / Percussão: Chacal / Arranjo: Marina e Piska. 

3 - A Outra Banda da Terra
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Guitarra: Perinho Santana / Piano acústico: Tomás Improta / Flauta: Zé Luiz / Bateria: Vinicius Cantuária / Tumbadora e triângulo: Bolão / Gonzá e efeitos no berimbau: Marcelo Costa (Gordo) / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 

4 - Salva Vida - Participação Especial: Maria Bethânia
(Caetano Veloso)
Voz e ovation: Caetano / Contrabaixo: Arnaldo Brandão / Guitarra: Perinho Santana / Oberheim, OB-Xa e piano Yamaha: Tomás Improta / Bateria: Vinicius Cantuária / Tumbadora 4 mãos: Marcelo Costa (Gordo) e Edu Gonçalves (Bolão) / Pandeiro: Marcelo Costa (Gordo) / Sax-soprano: Zé Luiz / Vocal: Eveline, Sônia Burnier e Paula Martins / Programação de OB-Xz: Luciano Alves / Arranjo de base: Caetano e A Outra Banda da Terra. 

5 - É Hoje - Participação Especial: Maria Bethânia e Bateria da Escola de Samba União Ilha
(Didi, Mestrinho)
Voz: Caetano / Surdo: Dodi / Resposta: Coréia / Agogô: Tinico / Repenique: Jagunço / Caixa: Capela / Tamborim: Paulinho, Wando e Nelson P. E. / Reco-reco: Didi / Chocalho: Odilon / Pandeiro: Jorginho / Cuíca: Marçal / Cavaco: Neco / Violão de 7: Dino / Direção de harmonia: Marçal / Arranjo e regência base: Luiz Roberto / Oberheim: Lincoln Olivetti / Korg e Minimoog: Robson Jorge / Minimoog: Serginho Trombone / Sugestão: Waly Salomão.

Vamos às Letras.

1 - Uns (Caetano Veloso)

Uns vão
Uns tão
Uns são
Uns dão
Uns não
Uns hão de
Uns pés
Uns mãos
Uns cabeça
Uns só coração
Uns amam
Uns andam
Uns avançam
Uns também
Uns cem
Uns sem
Uns vêm
Uns têm
Uns nada têm
Uns mal
Uns bem
Uns nada além
Nunca estão todos

Uns bichos
Uns deuses
Uns azuis
Uns quase iguais
Uns menos
Uns mais
Uns médios
Uns por demais
Uns masculinos
Uns femininos
Uns assim
Uns meus
Uns teus
Uns ateus
Uns filhos de Deus
Uns dizem fim
Uns dizem sim
E não há outros

Comentário do autor: "É um maracatu. Acho que a letra vai toda certa, de ponta a ponta: "uns vão, uns tão, uns são, uns dão, uns não, uns hão de". É tudo bem-feito, letra e música." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

Foto: Paulo Ricardo.

2 - Musical (Péricles Cavalcanti)

Tudo é um
Tudo é mil
Tudo acaba
E nada tem fim

Tudo bem
Tudo mal
Tudo azul
Nada é assim

Tudo discorda
Em harmonia
Universal

Tudo é assim
Musical

E no centro de tudo
Eu e você


3 - Eclipse Oculto (Caetano Veloso)

Nosso amor
Não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto
Fomos quase nada
Tipo de amor
Que não pode dar certo
Na luz da manhã
E desperdiçamos
Os blues do Djavan

Demasiadas palavras
Fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia
Como se o coração
Tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?

Como nunca se mostra
O outro lado da lua
Eu desejo viajar
Do outro lado da sua
Meu coração
Galinha de leão
Não quer mais
Amarrar frustação
Ó eclipse oculto
Na luz do verão

Mas bem que nós
Fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama
Nada pintou direito
É minha cara falar
Não sou proveito
Sou pura fama

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?

Nada tem que dar certo
Nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio
Atrasado e aflito
E paramos no meio
Sem saber os desejos
Aonde é que iam dar
E aquele projeto
Ainda estará no ar

Não quero que você
Fique fera comigo
Quero ser seu amor
Quero ser seu amigo
Quero que tudo saia
Como som de Tim Maia
Sem grilos de mim
Sem desespero
Sem tédio, sem fim

Não me queixo
Eu não soube te amar
Mas não deixo
De querer conquistar
Uma coisa
Qualquer em você
O que será?

Comentário do autor: "É muito engraçada. Fala de uma trepada que não deu certo. É totalmente documental: "na hora da cama nada pintou direito", o disco do Djavan, tudo. Tanto que a outra pessoa se lembrou direitinho e disse: "Pô, você botou todos os detalhes!". Outro dia, ouvi o Djavan afirmando a mesma coisa que o Chico já disse várias vezes: "Minhas músicas não têm nada a ver com minha vida, não procurem semelhanças, elas não têm nada de autobiográfico". As minhas, bem ao contrário, são todas autobiográficas. Até as que não são, são." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

Foto: Thereza Eugênia.

4 - Peter Gast (Caetano Veloso)

Sou um homem comum
Qualquer um

Enganando entre a dor e o prazer
Hei de viver e morrer
Como um homem comum
Mas o meu coração de poeta
Projeta-me em tal solidão
Que às vezes assisto
A guerras e festas imensas
Sei voar e tenho as fibras tensas
E sou um

Ninguém é comum
E eu sou ninguém

No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito, vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada

O menino bonito, Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum

No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito, vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast
O hóspede do profeta sem morada

O menino bonito, Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum

Comentário do autor: "É sobre um sujeito que foi importante na vida de Nietzsche. Quando li, anos atrás, o livro de Daniel Alevy sobre Nietzsche, que é muito bonito, fiquei fascinado pela personalidade de Peter Gast. Fiquei sabendo que ele foi músico e compositor a vida toda, que foi morar em Veneza e foi um amigo que, até o fim, não abandonou Nietzsche, que foi ficando louco e era intratável. Mas o trabalho de Peter Gast não ficou, ele não produziu nada de importante como músico e que o fizesse conhecido por isso. Peter Gast era como Nietzsche o chamava. O nome dele era Heinrich Köselitz. Gast quer dizer o hóspede, ou o visitante, ou o convidado. Então, eu não pude deixar de escrever a música, que veio inteira na minha cabeça. Fiz, mas depois pensei que era um negócio meio ridículo. Achava que era interessante, mas tinha vergonha, achava que ia ficar só pra mim. Mas os meninos da banda acharam bonita a música, tocaram bonito, então eu gravei. Mas eu não falava muito no assunto, não dava muita atenção, pois continuava meio envergonhado por ser uma letra que falava de algo que eu simplesmente li num livro. Mas também me lembrava de Jorge Ben, que começa a letra de "As rosas eram todas amarelas", uma música incrível, com uma lista de personagens de Dostoievski, o adolescente, o ofendido, o jogador, o ladrão honrado ("todos sabiam mas ninguém falava, esperando a hora de dizer, sorrindo, que as rosas eram todas amarelas"), depois cita as Cartas ao jovem poeta, de Rilke ("basta eu saber que poderei viver sem escrever mas podendo fazê-lo quando quiser"). Resolvi, então, considerar que eu estava na tradição do Jorge Ben, que, sem dar explicação, colocava na letra algo vindo de uma leitura, referências da alta cultura, usadas de uma maneira intelectualmente não autorizada. Mas, no meu caso, achava que não ficava muito bem por ser um cara com formação universitária, e pensava que podia ficar meio cabotino. Bem, deixei pra lá, não liguei; pensei um pouco no exemplo de Jorge Ben mas depois esqueci. Até que fui à Argentina e, durante uma entrevista minha à televisão, uma moça que se chama Silvina Garret, cantou "Peter Gast", em português, com um pianista amigo dela acompanhando. E ela cantou tão bonito, tão bem, que a música ficou, pra mim, salva para sempre." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


5 - Quero Ir a Cuba (Caetano Veloso)

Mamãe eu quero ir à Cuba
Quero ver a vida lá
La sueño una perla encendida
Sobre la mar
Mamãe eu quero amar
A ilha de Xangô e de Yemanjá
Yorubá igual a Bahia
Desde Célia Cruz
Cuando yo era un niño de Jesus
E a revolução
Que também tocou meu coração
Cuba seja aqui
É só ouvir dos lábios de Peti
Desde o cha-cha-cha
Mamãe eu quero ir a cuba
E quero voltar
Mamãe eu quero ir à Cuba
Quero ver a vida lá
La sueño una perla encendida
Sobre la mar
Mamãe eu quero amar
A ilha de Xangô e de Yemanjá
Yorubá igual a Bahia
Desde Célia Cruz
Cuando yo era un niño de Jesus
E a revolução
Que também tocou meu coração
Cuba seja aqui
É só ouvir dos lábios de Peti
Desde o cha-cha-cha
Mamãe eu quero ir à Cuba
E quero voltar

Comentário do autor: "Desde menino desejo ir à Cuba e deixei de ir o ano passado com o Djavan e Chico por cansaço de tanta viagem e medo de desconforto nos voos. Metade da banda ficou frustrada, metade aliviada. Eu fiz a música e estava contando isso ao Djavan quando Peti, o menino do Rio, que ouvia a conversa falou "Cuba seja aqui" e eu e o Djavan ficamos emocionados e aí meti a frase na canção do disco. Os anticubanos e anticomunistas devem reagir mal a simples menção do nome daquela ilha. Por outro lado, os cubanos podem não gostar da homenagem a Célia Cruz, "gussana", hoje vivendo e cantando nos U.S.A. E, por fim os comunistas e esquerdistas em geral deverão odiar essa ousadia de colocar a revolução como uma expressão entre outras do povo cubano, talvez abaixo da Célia Cruz no meu coração." Quero Ir A Cuba é uma canção tola e livre, pedindo com pureza d'alma a volta das relações diplomáticas Brasil-Cuba." (Caetano Veloso para o Diário de Pernambuco, 1983). 


6 - Coisa Mais Linda (Carlos Lyra, Vinicius de Moraes)

Coisa mais bonita é você
Assim
Justinho você
Eu juro, eu não sei porque você
Você é mais bonita que a flor
Quem dera
A primavera da flor
Tivesse todo esse aroma de beleza que é o amor
Perfumando a natureza
Numa forma de mulher
Porque tão linda assim não existe a flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor
Nem mesmo o amor existe
Porque tão linda assim não existe
A flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor
Nem mesmo o amor existe

Comentário de Caetano: "Me senti na obrigação de gravar bossa nova depois que vi o belíssimo especial de João Gilberto, na Bandeirantes, em que ele só cantava canções anteriores e posteriores a essa época." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1983). 


7 - Você é Linda (Caetano Veloso)

Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias

Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás

Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir

No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer!

Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal!

Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

Comentário do autor: "Fiz para uma menina chamada Cristina, de quem eu gostei muito intensamente na Bahia, nos anos 80, e que morava defronte à minha casa, do outro lado da rua, em Ondina. É uma canção bem romântica." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


8 - Bobagens, Meu Filho, Bobagens (Marina Lima, Antônio Cícero)

Senti no seu olhar tanto prazer
Posso esperar tudo com você
E olha que te vi de passagem
Mas pensei: forte broto na cidade

Só sei que estava pronto pra te encontrar
Passei do ponto de querer voltar
Dessa bárbara viagem
Bateu paixão radical sem margem

Então vem
Sorri porque nós dois
Estamos só de passagem
Pelas cidades desse mundo
Então vem
Vem e me ama
Por uns momentos profundos

E o resto?
Bobagens, meu filho, bobagens

Bobagens, meu filho, bobagens
Tolices, criancices

Foto: Maurício Valladares.

9 - A Outra Banda da Terra (Caetano Veloso)

Amar
Dar tudo
Não ter medo
Tocar
Cantar
No mundo
Pôr o dedo
No lá
Lugar
Ligar gente

Lançar sentido
Onda branda da guerra
Beira do ar
Serra, vale, mar
Nossa banda da terra é outra
E não erra quem anda
Nessa terra da banda
Face oculta, azul do araçá

Falar verdade
Ter vontade
Topar
Entrar
Na vida
Com a música
Obá
Olá
Brasil
Tá que o pariu
Que gente!

Cantuária e Holanda
Maputo, Rio
Luanda, lua
Nossa banda da terra é outra
Canadá, Mexicuba
Muitas gatas na tuba
Dos rapazes da banda cá
Gozar
A lida
Indefinidamente
Amar

Comentário do autor: "Essa canção eu fiz em homenagem a essa banda que somos nós, que viemos tocando juntos há alguns anos. A canção foi feita para expressar o amor que a banda sente por si mesma porque é uma banda narcisista, autoerótica. Por isso que a gente se beija." (Caetano Veloso durante show em Itabuna, na Bahia, em 1983). 

"Essa batidinha assim... quando eu inventei - quer dizer, não inventei. Isso é um negócio que tem, né? Sei lá, em galope. Mas eu botei de um jeito, numa música que foi São João, Xangô Menino e aí Gil apelidou de 'marcha caetaneada'. E eu fiz isso, principalmente, com A Outra Banda da Terra que era composta por Arnaldo Brandão, Vinicius Cantuária, Tomás Improta, Perinho Santana, Bolão, Bira da Silva e Marcos Amma. Foi um período tão bom que eu fiz uma canção chamada A Outra Banda da Terra que eu gravei no último disco que eu fiz com essa banda. E eu fiz a canção porque a gente tinha feito uma turnê pelas cidades do interior de São Paulo que era apelidada de 'turnê universitária' porque das cidades do interior de São Paulo muitas tem universidades. E a gente encontrou tantas meninas bonitas e elas todas falavam 'porrrta', 'esforrrço' que eu fiz a canção chamada A Outra Banda da Terra e a primeira estrofe eu cantava toda pronunciando os erres em homenagem às meninas que encontramos lá em São Paulo e hoje esse erre, que é chamado 'retroflexo', é muito frequente. A gente ouve na televisão analistas, pessoas entrevistadas, músicos... figuras importantes da música, outras da política usando esse erre. E ele é muito mais espalhado pelo Brasil do que se pensava antes. E fico orgulhoso assim de que isso aconteça e de que eu tenha feito uma música tantos anos atrás usando isso. E a música foi em homenagem às meninas de São Paulo, ao erre retroflexo e à própria A Outra Banda da Terra." (Caetano Veloso durante o show Meu Coco, 2022).  

Foto: Athayde dos Santos.

10 - Salva Vida (Caetano Veloso)

Místico pôr-do-sol no mar da Bahia
E eu já não tenho medo de me afogar
Conheço um moço lindo que é salva-vida
Vida
Um da turma legal do Salvamar
Que é fera
Na doçura, na força e na graça
Ai, ai
Quem dera
Que eu também pertencera a essa raça
Salva-vida
Onda nova
Nova vida
Vem do novo mar
Sólido simples vindo ele vem bem Jorge
Límpido movimento me faz pensar
Que profissão bonita pra um homem jovem
Jovem
Amar de mesmo a gente, a água e areia
No dia
Da Rainha das Águas
Do presente
Ai, ai
Luzia
A firmeza dourada
Dessa gente

Caetano Veloso e o amigo Elmo, salva-vidas.


11 - É Hoje (Didi, Mestrinho)

A minha alegria atravessou o mar
E ancorou na passarela
Fez um desembarque fascinante
No maior show da terra
Será que eu serei o dono dessa festa
Um rei
No meio de uma gente tão modesta
Eu vim descendo a serra
Cheio de euforia para desfilar
O mundo inteiro espera
Hoje é dia do riso chorar

Levei o meu samba pra mãe de santo rezar
Contra o mau olhado eu carrego meu patuá
Eu levei!
Acredito
Acredito ser o mais valente, nessa luta do rochedo com o mar
E com o mar!
É hoje o dia da alegria
E a tristeza, nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu!
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu
Diga espelho meu
Se há na avenida alguém mais feliz que eu

Comentário de Caetano: "É lindo. Acho excepcional, porque fala do folião e só isso." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1983). 




Ficha Técnica

Produzido por: Caetano Veloso
Coordenação e Assistência da Produção: Marcia Alvarez
Técnico de Gravação: Jairo Gualberto
Auxiliares de Estúdio: Manuel / Marcio
Mixagem e Montagem: Jairo Gualberto / João Augusto / Caetano Veloso
Corte: Ivan Lisnik
Arregimentação e Cópias: Clovis Mello
Criação, Tipologia e Lay Out: Oscar Ramos
Arte Final: Jorge Vianna
Foto Capa (Caetano, Roberto e Rodrigo Veloso): Carlos Alexandre Salles Moreira
Foto Contracapa: Arlete Kotchounian
Fotografia Colorida: Pedro Farkas
Produção Gráfica: Edson Araújo
Agradecimento Especial a: João Augusto
Força: Felipe, Leilinha & Dadi, Maurício & Malu, Jorge Salomão, Antônio Cícero, Marina, Cris & Claudinha, Djavan, Cláudio Moreno, Patrícia, Gil & Flora, Moreno e Dedé. 
Gravado e mixado em 24 canais nos Estúdios Barra - RJ

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