1991 - Circuladô - Caetano Veloso


Circuladô (1991) é um álbum homogêneo: "uma peça única, não parece um conjunto de canções", segundo o próprio Caetano; e reflete a maturidade de seu autor que estava prestes a completar cinquenta anos quando o lançou. Produzido por Arto Lindsay e mais sereno que Estrangeiro (1989), o disco inicia com Fora da Ordem, a música editorial que traz à superfície todo o nosso deleite e o nosso desastre. Circuladô de Fulô é texto de Haroldo de Campos inspirado no bordão de um esmoler nordestino da década de 60, por onde começa a frutífera parceria de Caetano com o maestro Jaques Morelenbaum. A experimentalista Ela Ela (para Paula), Itapuã (para Dedé) e as Boas Vindas (raízes: Gil e Dona Edith do Prato) a Zeca celebram a família. Santa Clara, Padroeira da Televisão é uma homenagem à TV onde a figura do Narciso reaparece: "possa o vídeo ser o lago onde Narciso / Seja um deus que saberá também / Ressuscitar". A crítica é retomada em O Cu do Mundo, nascida da indignação de Caetano perante um ato de subdesenvolvida barbárie, repetida com as vozes convidadas de Gil e Gal. Neide Candolina é toda a personalidade da Bahia e Baião da Penha é o bairro do Rio imortalizado por Luiz Gonzaga. A Terceira Margem do Rio inclui Guimarães Rosa e Milton Nascimento; e Lindeza revela a participação do pianista japonês Ryuichi Sakamoto. O Brasil vai dar certo porque Caetano quer e Circuladô é a prova disso. 

Caetano: "Gosto mais deste disco do que do Estrangeiro. Este é mais pessoal e é o disco no qual fiz mais coisas, determinei todos os arranjos. Naturalmente, gosto mais. Narciso, você sabe..." (Caetano Veloso para a Revista Veja, 1991).

"Eu acho que Estrangeiro tinha mais referência à coisa do Tropicalismo. Circuladô eu acho que tem mais, se for para se referir a outros períodos da minha carreira, a ver com o período de Transa a Araçá Azul." (Caetano Veloso para O Estado de São Paulo, 1992).

"Circuladô é um disco que eu, pessoalmente, gostava mais do que o Estrangeiro, embora ele não tenha o som tão claro como o Estrangeiro. Mas o som é bonito. Não é tão claro, mas é bonito e eu adoro aquela música Fora da Ordem. E, depois, o Circuladô deu um show que foi o show que eu mais gostei, talvez, de todos que eu já fiz." (Caetano Veloso em entrevista sobre os seus 70 anos, 2013). 

"Sempre acho minhas composições sujas. E acho as de Circuladô insuficientes. Mas não desinteressantes." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1992).

"Eu falei que as canções são banais, no sentido de que eu não tinha feito nenhuma que marcasse para mim uma novidade entre as minhas canções. O que interessou mais no disco foi a sonoridade, foram os arranjos, o modo como eu afinal transei o disco com o Arto Lindsay. A produção e os arranjos eu acho que deram uma sonoridade, que, para mim, aí é que está o interesse do disco. Mas as canções não são más." (Caetano Veloso para O Estado de São Paulo, 1992).

"Nesse projeto eu trabalhei só com Arto, sem o Peter Sherer eu comandava mais a produção. O Circuladô é mais pessoal, eu já quis produzir com o Arto. Tem um aspecto mais experimental. Esse projeto Circuladô tem um fato importante: a chegada do Jaquinho. Eu o tinha ouvido numa gravação de Flores Em Você, do Ira!, com um quarteto de cordas muito bem escrito. Eu perguntei: 'Quem escreveu isso? Tá maravilhoso, tá muito bem feito, tem nível internacional! Jacques Morelembaum? Se esse cara trabalhou com o Ira!, vai aceitar tocar comigo!' Porque ele tocava com Egberto Gismonti e Tom Jobim, e eu o admirava muito, mas nunca teria coragem de chamá-lo pra tocar comigo, entendeu? Mas, quando ouvi o negócio do Ira!, tomei coragem... Eu sei que ele começou no rock nos anos 70, mas ele àquela altura já tava com Tom e Egberto e eu achava que minha música talvez não fosse musicalmente interessante suficiente pra ele se animar a trabalhar comigo. Mas, quando eu falei com ele, ele ficou animadão. E aí veio. E aí me mostrou tanta coisa... Esse cara é uma maravilha. Colaboramos por alguns discos e temporadas, inclusive o trabalho dele em Fina Estampa talvez seja o auge disso". (Depoimento para a Coleção Caetano Veloso 70 anos, 2012).

Sobre a capa: "A capa desse disco é curiosa. Foi uma ideia minha mesmo. O acaso contribuiu com esse girassol. Foi difícil conseguir um girassol no Rio e acabei recebendo um que veio de longe, estava meio murcho. Mandei fotografar assim mesmo e, depois de reveladas as fotos, a imagem estava assim, me lembrando um sol, uma juba de leão, tantos detalhes, milhões de elementosFiz esse disco com o Arto Lindsay, e o fiz bem do jeito que eu queria. Adoro. Tem Fora da Ordem, que é curiosa. A canção-título, Circuladô de Fulô, é linda. Também adoro Itapuã, que meu filho Moreno canta comigo e é uma canção que fiz pra mãe dele, a Dedé. Tem O Cu do Mundo, letra que foi muito comentada." (Caetano Veloso. Livro Tantas Canções. Universal Music, 2002).

Gravação do clipe de 'Fora da Ordem'. Foto: Jornal do Brasil.

Release

"Li que na ÍNDIA se diz que uma boa peça de teatro diverte e dá força ao bêbado. E a peça também deve responder à quem pergunte - Como devo viver? e Como funciona o universo? Depois de acabar um disco, gostamos de meditar sobre o trabalho feito em tais termos. Também, como se lê, gostamos de nos referir a nós mesmos no plural. É o hábito de tomar decisões em conjunto, e o costume de tomar decisões que serão definitivas. Circuladô foi feito rapidamente, mas sem pressa. Íamos fazê-lo todo no Rio. Mas apareceu uma série de shows para Caetano em Nova Iorque, e julgamos mais prático terminar o trabalho aqui. Tratar da relação entre essas duas cidades já é um hábito nosso. É um hábito que pode facilitar a procura de coisas novas. As diferenças e semelhanças entre os dois lugares não são o assunto, formam uma espécie de aparelho para enforcar o trabalho. Sendo Caetano o compositor que é, qualquer novidade de estilo é capaz de revelar um eco de algum trabalho seu anterior. Minha tarefa seria de ajudá-lo a manter uma visão do todo, para que seus instintos e sua inteligência pudessem providenciar o desejado equilíbrio. De encenar uma espécie de ouvinte perfeito, perfeitamente entendido, e conhecedor das raízes do trabalho, e também inocente, virgem, e sem muita vontade de ser seduzido. De contrapor um silêncio, constante e atento, a sua voz. Desde as primeiras conversas sobre o disco, Caetano já tinha em mente detalhes tão preciosos como a voz feminina, francesa e solitária, que acaba a música Fora da Ordem. O fato de Caetano ter idealizado os arranjos foi fundamental. E foi essencial também que o Caetano como cantor chegasse a uma intimidade com cada canção. O imenso e simples prazer de ouvir um disco do Caetano pode passar despercebido para uma contemplação profunda. Ele é capaz de desvelar o verdadeiro horror através do horror cotidiano e nos mostrar também, além do prazer empobrecido, um verdadeiro prazer, e a beleza." (Arto Lindsay). 

Frase da contracapa

"Mas as polcas não quiseram ir tão fundo". 
(Trecho de "Um Homem Célebre", conto de Machado de Assis).

Foto: Lívio Campos.

Lista de Músicas

Lado A

1 - Fora da Ordem
(Caetano Veloso)
Toni Costa: guitarra / Arthur Maia: contrabaixo / Marcelo Costa: bateria, timbales e surdo / Marcos Amma: congas / Armando Marçal: tamborins e repenique / Andres Levin: teclados e samples / Sacha Amback: sample / Moreno Veloso: pandeiro / Vocais: Bebel Gilberto (português), Audrey Martells (inglês), Billy Carrion (espanhol), Laurie Andriamampianina (francês) e Kazu Makino (japonês).

2 - Circuladô de Fulô - Dedicada a José Almino
(Caetano Veloso e Haroldo de Campos)
Caetano Veloso: violão / Tavinho Fialho: contrabaixo / Jaques Morelenbaum: violoncelo / Marcelo Costa: berimbau / Oswaldinho: acordeão.

3 - Itapuã
(Caetano Veloso)
Moreno Veloso: voz convidada / Caetano Veloso: violão / Torcuato Mariano: violão / Arthur Maia: contrabaixo / Carlos Bala: bateria / Marcos Amma: congas / Jaques Morelenbaum: arranjo para quarteto de cordas / O quarteto de cordas: Jaques Morelenbaum, Jorge Ranewsky e Alceu Reis: violoncelos, Marie Springuel: viola. 

4 - Boas Vindas - Participação especial: Gilberto Gil
(Caetano Veloso)
Gilberto Gil: violão convidado / Tavinho Fialho: contrabaixo / Caetano Veloso: violão / Edith Oliveira: participação especial tocando prato / Mônica Millet: pandeiro / Marcelo Costa, Caetano Veloso, Moreno Veloso, Wellington Soares: palmas / Naná Vasconcelos: numa cortesia toda especial do Príncipe Vasconcelos de Bois: talking drum, cerâmica e congas.

5 - Ela Ela
(Caetano Veloso e Arto Lindsay)
Arto Lindsay: guitarra.

6 - Santa Clara, Padroeira da Televisão
(Caetano Veloso)
Caetano Veloso: violão / Toni Costa: guitarra portuguesa / Arthur Maia: contrabaixo / Marcelo Costa: bateria / Moreno Veloso, Marcos Amma, Wellington Soares e Marcelo Costa: paus de maculelê / Armando Marçal: chocalho / Andres Levin: sample.

Lado B

1 - Baião da Penha
(Guio de Moraes, David Nasser)
Caetano Veloso: violão. 

2 - Neide Candolina
(Caetano Veloso)
Tony Lewis: bateria / Melvin Gibbs: contrabaixo / Marc Ribot: guitarra / Amilton Lino: timbau e surdo / Bebel Gilberto: concepção e execução dos vocais / Riyuichi Sakamoto: teclados e samples. 

3 - A Terceira Margem do Rio
(Milton Nascimento, Caetano Veloso)
Toni Costa: violões / Marcelo Costa: cerâmica e caxixi / Marcos Amma: cabaça.

4 - O Cu do Mundo - Participação especial: Gilberto Gil e Gal Costa
(Caetano Veloso)
Caetano Veloso: violão e vozes / Arto Lindsay / guitarra / Tavinho Fialho: contrabaixo / Marcelo Costa: bateria e pandeiro / Andres Levin: sample / Butch Morris: corneta / Arranjo vocal concebido por Caetano Veloso.

5 - Lindeza
(Caetano Veloso)
Caetano Veloso: voz e violão / Riyuichi Sakamoto: cordas, contrabaixo e piano.

Vamos às Letras.

1 - Fora da Ordem (Caetano Veloso)

Vapor Barato, um mero serviçal do narcotráfico,
Foi encontrado na ruína de uma escola em construção
Aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína
Tudo é menino e menina no olho da rua
O asfalto, a ponte o viaduto ganindo pra a lua
Nada continua
E o cano da pistola que as crianças mordem
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito
mais bonita e
muito mais intensa do que no cartão postal.

Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial.

Escuras coxas duras tuas duas de acrobata mulata,
Tua batata da perna moderna, a trupe intrépida em que fluis
Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou
desce a rampa
Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais
Parece pôr tudo à prova, parece fogo, parece parece paz
Parece paz
Pletora de alegria, um show de Jorge Benjor dentro de nós
É muito, é grande, é total.

Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial.

Meu canto esconde-se como um bando de Ianomâmis na
floresta
Na minha testa caem, vêm colar-se plumas de um velho cocar
Estou de pé em cima do monte de imundo lixo baiano
Cuspo chicletes do ódio no esgoto exposto do Leblon
Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon
Eu sei o que é bom.
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem
juízo final.

Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial.

Comentário do autor: "Eu acho que se a maioria da humanidade está em condições de miséria, não é uma minoria de países que estão em condições boas que pode tomar um tom arrogante agora e estabelecer uma ordem mundial como se a gente não tivesse nada a dizer. Eu não me sinto bem ouvindo aquilo. Eu acho que alguma coisa está fora da nova ordem mundial. Tem uma canção sobre isso no meu disco." (Caetano Veloso. Programa Cara a Cara com Marília Gabriela. TV Bandeirantes, 1991). 

"É um falso funk-marcha-rancho, que eu compus para que soasse assim mesmo. Para ser o veículo de uma visão do Brasil, por um lado sombrio demais, por outro lado demasiadamente cheia de luz. Há uma dor e também uma alegria de estar de algum modo fora da nova ordem mundial. O que vejo aqui é a constatação de uma inadaptação, para o bem e para o mal. O Brasil, mais que qualquer outro país da América Latina, se sentiu mesmo fora da ordem." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1992).

"A canção Fora da Ordem tem uma estrofe totalmente de imagens sombrias. A imagem das crianças com um cano de pistola na boca, que eles mordem enquanto o cano da pistola reflete a beleza da paisagem do Rio de Janeiro é uma dessas imagens terríveis da primeira estrofe. No entanto, a segunda estrofe é toda de imagens de afirmação, de alegria. É excesso, demasia. "Pletora de alegria, um show de Jorge Ben Jor". Depois, "as pernas da acrobata mulata". Coisas afirmativas, onde o Brasil é muito luminoso. Isso também é dito como fora da ordem. Então, há uma dor e uma grande alegria em que nós estejamos fora da nova ordem mundial. Desde o momento em que o Bush pronunciou essa expressão "nova ordem mundial", eu imediatamente senti, ao mesmo tempo, a possível tristeza de estar excluído dessa possível nova ordem mundial e a grande alegria de não estar comprometido, de não estar identificado com ela [...]. Eu estava em Nova York e o "New York Times" fez umas duas reportagens, quando eu estava gravando o Circuladô, sobre América Latina. Nas duas reportagens o Brasil aparecia como sendo infelizmente o único país que não estava funcionando, que não estava caminhando para botar sua economia como eles, no "New York Times", os americanos, acham que deveria ser feito. E o Brasil era o único que não estava acertando. Você pode considerar perverso, mas eu senti uma espécie de orgulho quando li isso lá. Uma espécie de alegria. Parece que o Brasil é o único que tá ruim, mas talvez seja isso, justamente, que signifique alguma coisinha boa em relação a nós. Tenho que lhe dizer sinceramente, confessar, que eu pensei assim." (Caetano Veloso para a Folha de S. Paulo, 1992).

"O que eu acho mais atual na letra do Fora da Ordem e do clima da música, que foi grandemente inspirado, por mais diferente que seja, num disco de Curtis Mayfield que eu acho lindo, é um disco muito funk, muito soul, com as letras políticas. O disco é incrível. O Arto [Lindsay] me deu de presente quando eu tinha feito o Estrangeiro. Eu fiquei ouvindo muito esse disco e fiquei maravilhado, aquilo emociona, tem um negócio... é espetacular. Então, naturalmente, não sou capaz de fazer nada que chegue aos pés de Curtis Mayfield, mas o Fora da Ordem foi inspirado na vivência da audição desse disco. E se você pergunta se eu acho que a nova ordem mundial mudou, se a letra se mantém atual em relação ao panorama geral; eu acho que, na verdade, não mudou nem o sobrenome do sujeito que falou que o mundo tinha entrado numa nova ordem. Foi o George Bush pai que disse isso e eu fiz a música contra. E a gente ainda está hoje nessa dinastia infernal desses Bush. Então, sob esse ponto de vista, continua a mesma ordem e a mesma desgraça estar fora dessa ordem e a mesma glória estar fora." (Caetano Veloso em entrevista nos extras do DVD Cê Ao Vivo, 2007).

"Aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína"… Eu disse isso inspirado em Tristes Trópicos, de Lévi-Strauss, que li em 1968. Eu me apaixonei. Uma das coisas interessantíssimas que ele escreve é que, no Brasil, as coisas começam a ser construídas mal e já passam de construção à ruína sem chegar à realização, sem se completarem." (Caetano Veloso para o El País, 2014).


2 - Circuladô de Fulô (Texto: Haroldo de Campos (do livro Galáxias); Música: Caetano Veloso)

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá
Soando como um shamisen e feito apenas com um arame
Tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no
Pino do sol a pino mas para outros não existia aquela
Música não podia porque não podia popular aquela
Música se não canta não é popular se não afina não tintina
não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na
Tripa tensa da mais megera miséria física e doendo doendo
Como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego
Na palma espalma da mão coração exposto como um nervo
Tenso retenso um renegro prego cego durando na palma
Polpa da mão ao sol

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá

O povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro
Da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia
Azeitava o eixo do sol

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá

E não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie
Desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe me
Esqueça me largue me desamargue que no fim eu acerto
Que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim
Me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito
E se verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem
Faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre
Que me ensinou já não dá ensinamento

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá

Comentário de Haroldo de Campos: "Considero Circuladô um dos momentos mais altos da produção de Caetano. É um CD no qual ele retoma a interessante linha de experimentalismo do disco Araçá Azul, de 1973, harmonizando-o com o cantabile de sua canções mais pulsivas e singelas. Devo destacar que o trabalho que ele fez, ao musicar o fragmento Circuladô de Fulô, de minhas Galáxias (poemas), é particularmente admirável por retratar com fidelidade seu conteúdo. Caetano ouviu-me ler esse texto apenas uma vez – recordo-me que foi em 1969 –, quando tive oportunidade de visitá-lo no seu exílio londrino. Para mim, foi gratificante. Ele soube restituir-me com extrema sensibilidade – uma característica dele – o clima do meu poema, que é, todo ele, voltado à celebração da inventividade dos cantadores nordestinos no plano da linguagem e do som, na grande tradição oral dos trovadores medievais." (Haroldo de Campos. Trecho incluído no Trabalho de Conclusão de Curso Diálogos Antropofágicos: Poesia Concreta e Tropicalismo. Manuela Quadra de Medeiros. UFSC. Florianópolis, 2012).

Comentário de Caetano: "É uma possível divindade que faz as flores circularem." (Caetano Veloso em resposta à pergunta "O que é afinal um Circuladô de Fulô?". Jornal do Brasil, 1992).

"Eu sempre me emocionei muito com este texto do Haroldo de Campos por ser uma forma muito clara de falar da cultura popular. De uma inventividade diferente de um nacionalismo musical que tende a ser retrógrado e se recusa a inventar. O caráter enigmático e belo da expressão circuladô de fulô, acompanhada de um som requintado e tosco, é de todo irresistível para muitos artistas que gostam de invenção." (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991). 


3 - Itapuã (Caetano Veloso)

Nosso amor resplandecia sobre as águas que se movem
Ela foi a minha guia quando eu era alegre e jovem
Nosso ritmo, nosso brilho, nosso fruto do futuro
Tudo estava de manhã
Nosso sexo, nosso estilo, nosso reflexo do mundo
Tudo esteve Itapuã

Itapuã,
Tuas luas cheias, tuas casas feias
Viram tudo, tudo
O inteiro de nós
Itapuã
Tuas lamas algas
Almas que amalgamas
Guardam todo todo
O cheiro de nós
Abaeté
Essa areia branca ninguém nos arranca
É o que em Deus nos fiz.
Nada estanca Itapuã,
Ainda sou feliz.

Itapuã
Quando tu me faltas, tuas palmas altas
Mandam um vento a mim
Assim: Caymmi

Itapuã
O teu sol me queima e o meu verso teima
Em cantar teu nome
Teu nome sem fim

Abaeté
Tudo meu e dela
A lagoa bela
Sabe, cala e diz
Eu cantar-te nos constela em ti
Eu sou feliz.

Ela foi a minha guia quando eu era alegre e jovem.

Comentário do autor: "É sobre mim e Dedé, por isso eu chamei Moreno pra cantar comigo na gravação. Essa música me emociona, muitas vezes eu cantava e chorava." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

"É uma canção sentimental, pessoal, autobiográfica, sobre coisas do meu passado e de como estas coisas estão no meu presente." (Caetano Veloso em depoimento para Marcia Cezimbra, 1991).


4 - Boas Vindas (Caetano Veloso)

Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E a mãe do seu irmão
Minha mãe e eu
Meus irmãos e eu
E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe
Lhe damos as boas-vindas
Boas-vindas, boas-vindas
Venha conhecer a vida
Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua
Tem o medo e tem a rosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia
A poesia e tem a prosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor
E tem o mote e tem a glosa
Eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa

Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E o irmão da sua mãe

Comentário do autor: “Essa é para o Zeca, que finalmente chegou. É um samba de roda da Bahia. Lá toca no rádio. Aqui no Rio, nunca ouvi nenhuma música do Circuladô tocar no rádio.” (Caetano Veloso em depoimento para Marcia Cezimbra, 1991).


5 - Ela Ela (Letra: Caetano Veloso; Música: Arto Lindsay (peça improvisada na guitarra) e Caetano Veloso (composição sobre a peça improvisada))

Ela ela
Ela é ela
Ela é uma
Ela não fuma mais
Ela fumava muito mas não fuma mais
Ela é tão jovem
Ela gosta dessa moda de não fumar
Ela está comigo em Manhattan
E nós vimos o show de Sting no Madison Square Garden
E ela disse
Hoje em dia acendem poucos isqueiros na platéia porque
pouca gente fuma
Ela é tão jovem
E tem saudade do tempo em que muita gente tinha isqueiro
Eu tenho amor por ela
Ela é ela
Ela separa as pernas e vem outra

Comentário do autor: "No meu disco novo tem uma faixa que é só eu cantando sobre um improviso de guitarra do Arto Lndsay. E o Arto toca uma guitarra que tem os sons mais ásperos e o Jimi Hendrix não sonhava com tanta aspereza." (Caetano Veloso. Programa Cara a Cara com Marília Gabriela. TV Bandeirantes, 1991). 

"Fiz em Nova Iorque, a partir de uma improvisação do Arto Lindsay na guitarra atonal que ele cultua há anos. Tudo aconteceu exatamente como está na letra". (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991).

"A Paulinha reclamou, mais para brincar com o Arto Lindsay, que fez a música. Ela disse que ganhou 'uma esquisitice'. Nem sei se estou autorizado a contar esta reclamação da Paulinha, mas, neste disco, ela tem razão. Itapuã é mais bonita do que Ela Ela." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1992).


6 - Santa Clara, Padroeira da Televisão (Caetano Veloso)

Santa Clara, padroeira da televisão
Que o menino de olho esperto saiba ver tudo
Entender certo o sinal certo se perto do encoberto
Falar certo desse perto e do distante porto aberto
Mas calar
Saber lançar-se num claro instante.
Santa Clara, padroeira da televisão
Que a televisão não seja o inferno, interno ermo,
Um ver no excesso o eterno quase nada (quase nada)
Que a televisão não seja sempre vista
Como a montra condenada, a fenestra sinistra
Mas tomada pelo que ela é
De poesia.

Quando a tarde cai onde o meu pai
Me fez e me criou
Ninguém vai saber que cor me dói
E foi e aqui ficou
Santa Clara

Saber calar, saber conduzir a oração
Possa o vídeo ser a cobra de outro éden
Porque a queda é uma conquista
E as miríades de imagens suicídio
Possa o vídeo ser o lago onde Narciso
Seja um deus que saberá também
Ressuscitar

Possa o mundo ser como aquela ialorixá
A ialorixá que reconhece o orixá no anúncio
Puxa o canto pra o orixá que vê no anúncio
No caubói no samurai no moço nu na moça nua
No animal na cor na pedra vê na lua vê na lua
Tantos níveis de sinais que lê
E segue inteira

Lua clara, trilha, sina
Brilha, ensina-me a te ver
Lua lua continua em mim
Luar, no ar, na TV
São Francisco

Comentário do autor: "No meu disco novo tem uma oração a Santa Clara porque dizem que ela é padroeira da televisão. É uma oração pela televisão." (Caetano Veloso. Programa Cara a Cara com Marília Gabriela. TV Bandeirantes, 1991).

"Me apareceu na cabeça porque a Regina Casé me disse que a Santa Clara era a padroeira da TV. Eu quis fazer uma canção, porque eu prefiro rezar pela TV do que 'envuduzar' a TV. (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991). 


7 - Baião da Penha (Guio de Moraes e David Nasser)

Demonstrando a minha fé
Vou subir a Penha a pé
Pra fazer minha oração
Vou pedir à padroeira
Numa prece verdadeira
Que proteja o meu baião

Nossa Senhora da Penha
Minha voz talvez não tenha
O poder de te exaltar
Mas de bênção, padroeira,
Pressa gente brasileira
Que quer paz pra trabalhar

Penha, Penha
Eu vim aqui me ajoelhar
Venha, Venha
Trazer paz para o meu lar

Comentário de Caetano: "É um nordestino cantando um bairro do Rio de Janeiro." (Caetano Veloso para a Revista Domingo, 1991).

“Me interessou sobretudo porque é uma oração a uma santa cultuada no Rio. Queria um tom nordestino de baião para uma coisa do Rio. Uma baião que é uma oração pelo próprio baião.” (Caetano Veloso em depoimento para Marcia Cezimbra, 1991).


8 - Neide Candolina (Caetano Veloso)

Preta chique, essa preta é bem linda
Essa preta é muito fina
Essa preta é toda a glória do brau
Preta preta, essa preta é correta
Essa preta é mesmo preta
É democrata social racial
Ela é modal

Tem um gol que ela mesma comprou
Com o dinheiro que juntou
Ensinando português no Central
Salvador, isso é só Salvador
Sua suja Salvador
E ela nunca furou um sinal
Isso é legal

E eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu
 E eu e eu e eu e eu e eu e eu sem ela

Nobreza brau.

Preta sã, ela é filha de Iansã
Ela é muito cidadã
Ela tem trabalho e tem carnaval
Elegante ela é muito elegante
Ela é superelegante
Roupa Europa e pixaim Senegal
Transcendental

Liberdade, bairro da Liberdade
Palavra da liberdade
Ela é Neide Candolina total
E a cidade, a baía da cidade,
A porcaria da cidade
Tem que reverter o quadro atual
Pra lhe ser igual

E eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu
 E eu e eu e eu e eu e eu sem ela

Nobreza brau nobreza brau
Nobreza brau nobreza brau
Nobreza brau nobreza brau
Nobreza brau nobreza brau

Comentário do autor: "Neide é uma mistura de duas pessoas pretas da Bahia. Uma é Neide, minha amiga, que hoje em dia tem um restaurante no Rio de Janeiro chamado Iorubá. Eu a conheci quando ela tinha dezoito anos. Quem me apresentou foi um amigo, Antonio Risério, que é poeta e ensaísta. Ele disse: "Você tem que conhecer a Neide e o pessoal dela, é uma gente maravilhosa, vamos ao Zanzibar! Eu disse a ela que a gente ia descer lá hoje". Então, descemos onde ela morava, embaixo do restaurante que pertencia à família dela. E, quando chegamos, ela estava nua em pêlo! Linda! Perfeitamente linda! Estava ouvindo um disco do Djavan. Ela me falou: "Você gosta do Djavan? Você quer um pouquinho de coca-cola?". Assim, totalmente social. Conversava, cruzava as pernas, pegava as coisas, mostrava revistas, comentava, mudava a faixa do disco, nua, elegantíssima, social, sem qualquer escândalo. Ela tinha ficado nua em casa porque estava calor em Salvador, e não tinha certeza se Risério ia mesmo lá naquele dia. Mas também não quis se vestir quando chegamos, não se assustou. A outra pessoa que entrou na composição de Neide Candolina foi minha professora de português, a mais importante de todas, Dona Candolina. Então eu misturei o nome das duas e criei uma personagem negra, baiana, moderna. O mais interessante é que parece a palavra 'brown' aqui, que é uma palavra que, na Bahia, era usada de modo pejorativo. Nos anos 70, 80, dizia-se: "está muito 'brown' isso aqui; a praia está muito 'brown'", porque tinha muito preto, era muito baixo nível, uma coisa cafona e pobre. Os pretos se chamavam de 'brown' por causa de James Brown. Por isso que Carlinhos Brown é Carlinhos Brown, Mano Brown é Mano Brown; tudo vem de James Brown. E como os pretos se chamavam de 'brown' uns aos outros, a gíria pegou e a classe média "branca" começou a usar a palavra 'brown' como quem diz 'cafona' na Itália." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

"Esta foi encomendada por Arto Lindsay. Fiz em Nova Iorque em dois dias. É uma espécie de Totalmente demais da província da Bahia." (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991).


9 - A Terceira Margem do Rio (Letra: Caetano Veloso; Música: Milton Nascimento)

Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai.
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai.
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi ouvi ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai.

Comentários: Milton: "Fiz a música inspirado no conto de Guimarães Rosa e só via duas pessoas para escrever a letra: o próprio Rosa ou Caetano." Caetano: "O conto é lindo. E fiz uma letra que é quase um comentário do conto." (Caetano Veloso e Milton Nascimento para a Revista IstoÉ, 2005).

“Eu fiz a pedido do Milton Nascimento, que queria que se chamasse assim e que tratasse do conto de Guimarães Rosa. O resultado da letra me agradou muito.” (Caetano Veloso em depoimento para Marcia Cezimbra, 1991).


10 - O Cu do Mundo (Caetano Veloso)

O furto, o estupro, o rapto pútrido,
O fétido sequestro,
O adjetivo esdrúxulo em U,
Onde o cujo faz a curva
(O cu do mundo este nosso sítio)
O crime estúpido, o criminoso só,
Substantivo, comum,
O fruto espúrio reluz
À subsombra desumana dos linchadores.

A mais triste nação
Na época mais podre
Compõe-se de possíveis
Grupos de linchadores

Comentário do autor: "Cu do Mundo surgiu da indignação de ler nos jornais que a Bahia era líder nacional em número de linchamentos." (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1992).

"É uma amostra do asco que certos aspectos da vida brasileira provocam em mim. Uma notícia sobre linchamento me trouxe a exasperação que aparece na letra. Muitas vezes um olhar realista sobre o Brasil pode nos levar ao pessimismo mais fundo. A canção é boa." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


11 - Lindeza (Caetano Veloso)

Coisa linda
É mais que uma ideia louca
Ver-te ao alcance da boca
Eu nem posso acreditar
Coisa linda
Minha humanidade cresce
Quando o mundo te oferece
E enfim te dás, tens lugar
Promessa de felicidade,
Festa da vontade
Nítido farol, sinal
Novo sob o sol,
Vida mais real
Coisa linda
Lua lua lua lua
Sol palavra dança nua
Pluma tela pétala
Coisa linda
Desejar-te desde sempre
Ter-te agora e o dia é sempre
Uma alegria pra sempre.

Comentário do autor: "Carlos André, eu botei “promessa de felicidade” em “Lindeza” porque adoro a frase de Stendhal. Li “Noites brancas” anos antes de escrever “Como dois e dois”, mas só vim a ler as “Notas do subsolo” bem depois. O “2+2=5” da minha música veio de George Orwell (mas, sinceramente, adorei quando li em Dostoiévski, pois nele a soma tem um sentido mais perto do que eu intuo na letra da minha música - embora ela fosse também de protesto contra a ditadura: Roberto me pediu uma canção e eu quis ouvir uma frase de protesto na voz dele." (Caetano Veloso no Blog Obra em Progresso, 2009. Disponível na Tese Um Ídolo, um Pateta, um Mito da Multidão: A Construção da Imagem de Caetano Veloso como Artista e Intelectual através da MídiaCarlos André Rodrigues de Carvalho. UFPE. Recife, 2015). 

"É uma canção sobre a beleza. Ia se chamar Coisa linda, mas este título eu já havia dado a outra música. Adoro esta canção. É um bolero cantado em bossa nova que eu quase gravei em bolero." (Caetano Veloso em depoimento a Marcia Cezimbra, 1991).

Ficha Técnica

Diretor de A&R: Mayrton Bahia
Produzido por Arto Lindsay
Gravado e mixado por Patrick Dillet
Assistentes: Ue Nastasi e Kelly Davis (Nova Iorque) e Márcio Gama (Rio)
Gravado nos estúdios Polygram (Rio) e East Hill Studios (Nova Iorque)
Mixado nos East Hill Studios (Nova Iorque)
Masterizado por Bob Ludwig, Masterdisk (Nova Iorque)
Assistentes do produtor: Jeff Young (Nova Iorque) e Virgínia Casé (Rio)
Assistente de Caetano e dos músicos no Rio: Wellington Soares
Produção executiva: Lea Millon
Agradecimentos especiais: The Mark Hotel, Nova Iorque;
Lea Millon (Tia Lea); Moo e Bob Broughton; Jeff Young;
Mário Vaz de Mello; Sr. Manoel, pelo girassol. 
Capa: Caetano Veloso; fotografias de Lívio Campos;
realização de Arthur Fróes; Arte: Vanessa Stepanenko.

Arranjos concebidos por Caetano Veloso em colaboração com os músicos participantes.
Arranjo de NEIDE CANDOLINA concebido por Arto Lindsay
em colaboração com os músicos participantes.
Arranjo de LINDEZA criado no estúdio por Riyuichi Sakamoto sob orientação de Arto Lindsay
a partir de estrutura concebida por Caetano Veloso.



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