1992 - Circuladô Vivo - Caetano Veloso
Circuladô Vivo (1992), produzido por Caetano Veloso e Jaques Morelenbaum, registra o show de divulgação do disco lançado no ano anterior. No espetáculo "autocomemorativo" dos seus 50 anos, Caetano incluiu todas as canções do álbum do estúdio, menos Ela Ela; e costurou com outras de seu repertório que foram presenteadas com excelentes versões, como A Tua Presença Morena, Queixa e Um Índio. Além das autorais, Caetano canta também Bob Dylan (na melhor versão de Jokerman), Michael Jackson e Djavan. Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos retoma a questão do exílio e Chega de Saudade toca o centro de tudo. Caetano participou mais do que nunca na armação dos arranjos, deixando de lado a eletrificação dos teclados. Em O Leãozinho, o cantor é acompanhado apenas pelo contrabaixista Dadi, para quem a música foi endereçada: "ele está finalmente comigo no palco". Disseram Que Eu Voltei Americanizada foi escolhida talvez por conta do texto "Carmen Miranda Dada" que Caetano escreveu para o "The New York Times" em 1991 e que veio a ocasionar a elaboração do livro "Verdade Tropical", anos mais tarde. O documentário "Caetano: 50 anos" da TV Manchete traz momentos fortes do show que não foram escolhidos para o álbum ao vivo. A capa é representação do cenário do espetáculo: pinturas rupestres idealizadas por Hélio Eichbauer em alusão ao "universo mágico e primitivo" do disco.
Caetano: "Circuladô é um disco que eu, pessoalmente, gostava mais do que o Estrangeiro, embora ele não tenha o som tão claro como o Estrangeiro. Mas o som é bonito. Não é tão claro, mas é bonito e eu adoro aquela música Fora da Ordem. E, depois, o Circuladô deu um show que foi o show que eu mais gostei, talvez, de todos que eu já fiz." (Caetano Veloso em entrevista sobre os seus 70 anos, 2013).
"Como a gente mantém o mesmo título do disco, tem o repertório do Circuladô, com exceção de Ela Ela. Uma coisa determinante na escolha do repertório e a atitude do show é o fato de eu fazer 50 anos. Pensei no show ser, numa certa medida, mais retrospectivo. Vou cantar uma música nova que ainda é uma série de anotações. Chama-se Americanos. Ainda não decorei a letra e talvez tenha que lê-la." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1992).
"Fiz este disco totalmente voltado para o Brasil e no show acho que fui mais longe ainda. Hoje tem um valor muito grande para o nosso país que um show mostre esse tipo de arranjo ostensivamente mais refinado. No repertório, tem coisas que se ligam à história social e política recente do Brasil. É uma atitude mais séria em relação à música popular. Mas, talvez, um estrangeiro não entenda tudo." (Caetano Veloso para a Folha de S. Paulo, 1992).
Foto: Marcio Scavone.
Caetano em NYC (1992). Fotos: Alcir Navarro da Silva.
Banda
Jaques Morelenbaum: Violoncelo (Participação Especial)
Luiz Brasil: Guitarra
Dadi: Baixo
Marcelo Costa: Bateria
Marcos Amma: Percussão
Wellington Soares: Percussão Adicional
Fotos: Lívio Campos.
Lista de Músicas
Disco 1 - Lado 1
1 - A Tua Presença Morena
(Caetano Veloso)
2 - Black or White
(Michael Jackson)
+
Americanos
(Caetano Veloso)
3 - Um Índio
(Caetano Veloso)
4 - Circuladô de Fulô
(Haroldo de Campos, Caetano Veloso)
5 - Queixa
(Caetano Veloso)
Disco 1 - Lado 2
1 - Mano a Mano
(Carlos Gardel, José Razzano, Esteban Celedonio, Flores)
2 - Chega de Saudade
(Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes)
3 - Disseram Que Eu Voltei Americanizada
(Vicente Paiva, Luiz Peixoto)
4 - Quando Eu Penso na Bahia
(Ary Barroso)
5 - A Terceira Margem do Rio
(Caetano Veloso, Milton Nascimento)
6 - Oceano
(Djavan)
Disco 2 - Lado 1
1 - Jokerman
(Bob Dylan)
2 - Você é Linda
(Caetano Veloso)
3 - O Leãozinho
(Caetano Veloso)
4 - Itapuã
(Caetano Veloso)
Disco 2 - Lado 2
1 - Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos
(Roberto Carlos, Erasmo Carlos)
2 - Os Mais Doces Bárbaros
(Caetano Veloso)
3 - A Filha da Chiquita Bacana
(Caetano Veloso)
+
Chuva, Suor e Cerveja
(Caetano Veloso)
4 - Sampa
(Caetano Veloso)
Vamos às Letras.
1 - A Tua Presença Morena (Caetano Veloso)
A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca verde, vermelha azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra
Negra, negra, negra
Negra, negra, negra
A tua presença
Transborda pelas portas e pelas janelas
A tua presença
Silencia os automóveis e as motocicletas
A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo que se come, tudo que se reza
A tua presença
Coagula o jorro da noite sangrenta
A tua presença
É a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença
Mantém sempre teso o arco da promessa
A tua presença
Morena, morena, morena
Morena, morena, morena
Morena
2 - Black or White (Michael Jackson) / Americanos (Caetano Veloso)
I took my baby
On a saturday bang
Boy is that girl with you
Yes we're one and the same
Now I believe in miracles
And a miracle
Has happened tonight
But, if
You're thinkin'
About my baby
It don't matter if you're
Black or white
They print my message
In the saturday sun
I had to tell them
I ain't second to none
And I told about equality
And it's true
Either you're wrong
Or you're right
But, if
You're thinkin'
About my baby
It don't matter if you're
Black or white
I said if
You're thinkin' of
Being my baby
It don't matter if you're
Black or white
I said if
You're thinkin' of
Being my brother
It don't matter if you're
Black or white
Americanos pobres na noite da Louisiana
Turistas ingleses assaltados em Copacabana
Os pivetes ainda pensam que eles eram americanos
Turistas espanhóis presos no Aterro do Flamengo
Por engano
Americanos ricos já não passeiam por Havana
Veados americanos trazem o vírus da AIDS
Para o Rio no carnaval
Veados organizados de São Francisco conseguem
Controlar a propagação do mal
Só um genocida em potencial
- de batina, de gravata ou de avental -
Pode fingir que não vê que os veados
- tendo sido o grupo-vítima preferencial -
Estão na situação de liderar o movimento pra deter
A disseminação do HIV
Americanos são muito estatísticos
Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos
Olhos de brilho penetrante que vão fundo
No que olham, mas não no próprio fundo
Os americanos representam grande parte
Da alegria existente neste mundo
Para os americanos branco é branco, preto é preto
(E a mulata não é a tal)
Bicha é bicha, macho é macho,
Mulher é mulher e dinheiro é dinheiro
E assim ganham-se, barganham-se, perdem-se
Concedem-se, conquistam-se direitos
Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime
E dançamos com uma graça cujo segredo nem eu
Mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça
Entre o monstruoso e o sublime
Americanos não são americanos
São velhos homens humanos
Chegando, passando, atravessando.
São tipicamente americanos
Americanos sentem que algo se perdeu
Algo se quebrou, está se quebrando.
Comentário do autor: “Americanos nunca chegou a ser uma canção. Não é um 'rap'. Nem mesmo na medida em que 'Haiti' e 'Língua' são raps. Trata-se apenas de uma série de anotações que tomei para talvez fazer uma música. Nunca decorei sequer: eu lia as palavras em uma folha de papel no show Circuladô. Mas acho que, relendo hoje, ela representa muita esperteza nas observações da história sendo vivida." (Caetano Veloso. Livro: Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).
Foto: Liza Caprilhone.
3 - Um Índio (Caetano Veloso)
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito
Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio
4 - Circuladô de Fulô (Haroldo de Campos, Caetano Veloso)
Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá
Soando como um shamisen e feito apenas com um arame
Tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no
Pino do sol a pino mas para outros não existia aquela
Música não podia porque não podia popular aquela
Música se não canta não é popular se não afina não tintina
não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na
Tripa tensa da mais megera miséria física e doendo doendo
Como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego
Na palma espalma da mão coração exposto como um nervo
Tenso retenso um renegro prego cego durando na palma
Polpa da mão ao sol
Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá
O povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro
Da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia
Azeitava o eixo do sol
Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá
E não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie
Desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe me
Esqueça me largue me desamargue que no fim eu acerto
Que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim
Me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito
E se verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem
Faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre
Que me ensinou já não dá ensinamento
Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
Porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô
De fulô e ainda quem falta me dá
Foto: Estado de S. Paulo.
5 - Queixa (Caetano Veloso)
Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água
Ondas, desejos de vingança
Nessa desnatureza
Batem forte sem esperança
Contra a tua dureza
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria
Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Foto: Liza Caprilhone.
6 - Mano a Mano (Carlos Gardel, José Razzano, Esteban Celedonio, Flores)
Rechiflado en mi tristeza, te evoco y veo que has sido
En mi pobre vida paria sólo una buena mujer
Tu presencia de bacana puso calor en mi nido
Fuiste buena, consecuente, y yo sé que me has querido
Como no quisiste a nadie, como no podrás querer.
Se dio el juego de remanye cuando vos, pobre percanta,
Gambeteabas la pobreza en la casa de pensión:
Hoy sos toda una bacana, la vida te ríe y canta,
Los morlacos del otario los tirás a la marchanta
Como juega el gato maula con el misero ratón.
Hoy tenés el mate lleno de infelices ilusiones
Te engrupieron los otarios, las amigas, el gavión
La milonga entre magnates con sus locas tentaciones
Donde triunfan y claudican milongueras pretensiones
Se te ha entrado muy adentro del pobre corazón.
Nada debo agradecerte, mano a mano hemos quedado,
No me importa lo que has hecho, lo que hacés ni lo que harás;
Los favores recibidos creo habértelos pagado
Y si alguna deuda chica sin querer se me ha olvidado
En la cuenta del otario que tenés se la cargás.
Mientras tanto, que tus triunfos, pobres triunfos pasajeros,
Sean una larga fila de riquezas y placer
Que el bacán que te acamala tenga pesos duraderos
Que te abrás en las paradas con cafishios milongueros
Y que digan los muchachos: "Es una buena mujer".
Y mañana cuando seas descolado mueble viejo
Y no tengas esperanzas en el pobre corazón
Si precisás una ayuda, si te hace falta un consejo:
Acordate de este amigo que ha de jugarse el pellejo
P'ayudarte en lo que pueda cuando llegue la ocasión.
7 - Chega de Saudade (Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes)
Vai, minha tristeza
E diz a ela
Que sem a ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há mais paz, não há beleza
É só tristeza e melancolia
Que não sai de mim,
Não sai de mim,
Não sai
Mas, se ela voltar,
Se ela voltar,
Que coisa linda,
Que coisa louca,
Pois há menos peixinhos
A nadar no mar,
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser
Milhões de abraços
Apertado assim
Colado assim
Calado assim
Abraços e beijinhos
E carinhos sem ter fim
Que é pra acabar
Com esse negócio
De você viver sem mim
Foto: Lívio Campos.
8 - Disseram Que Eu Voltei Americanizada (Vicente Paiva, Luiz Peixoto)
Disseram que eu voltei americanizada
Com o burro do dinheiro
Que estou muito rica
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca
E disseram que com as mãos
Estou preocupada
E corre por aí - que eu sei - certo zum zum
Que já não tenho molho, ritmo, nem nada
E dos balangandans já não existe mais nenhum
Mas pra cima de mim, pra que tanto veneno
Eu posso lá ficar americanizada
Eu que nasci com o samba e vivo no sereno
Topando a noite inteira a velha batucada
Nas rodas de malandro minhas preferidas
Eu digo mesmo eu te amo, e nunca "I love you"
Enquanto houver Brasil
Na hora da comida
Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu
9 - Quando Eu Penso na Bahia (Ary Barroso)
Quando eu penso na Bahia
Nem sei que me dor que me dá
Me dá, me dá me dá ioiô
Me dá, me dá me dá iaiá
Se eu pudesse qualquer dia
Eu ia de novo pra lá
Não vá, não vá, não vá, não vá
Eu vou, eu vou se vou ioiô
Eu deixei lá na Bahia
Um amor tão bom, tão bom, ioiô
Meu Deus que amor
E desse amor só quem sabia
Era Virgem Maria
Nasceu, cresceu, viveu e lá ficou
E quem sabe se esse amor
Que ficou lá na Bahia, ô
Já se acabou
E se assim for eu sei de alguém
Que lhe quer muito bem
- Quem é?
- Sou eu!
- Eu quem?
- O seu ioiô!
Foto: Liza Caprilhone.
10 - A Terceira Margem do Rio (Caetano Veloso, Milton Nascimento)
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada, pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
11 - Oceano (Djavan)
Assim que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão
Dava pra ver o tempo ruir,
Cadê você, cade você que solidão,
Esquecera de mim
Enfim, de tudo que há na Terra,
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti tudo parou,
Ninguém sabe o que eu sofri.
Amar é um deserto e seus temores,
Vida que vai nas celas dessas dores
Não sabe voltar
Me dá teu calor
Vem me fazer feliz por que eu te amo,
Você deságua em mim e eu oceano,
Esqueço que amar é quase uma dor.
Só sei viver
Se for por você.
E enfim...
Foto: Lívio Campos.
12 - Jokerman (Bob Dylan)
Standing on the waters casting your bread
While the eyes of the idol with the iron head are glowing.
Distant ships sailing into the mist,
You were born with a snake in both of your fists, while a hurricane was blowing.
Freedom just around the corner for you
But with the truth so far off, what good will it do?
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
So swiftly the sun sets in the sky,
You rise up and say goodbye to no one.
Fools rush in where angels fear to tread,
Both of their futures, so full of dread, you don't show one.
Shedding off one more layer of skin,
Keeping one step ahead of the persecutor within.
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
You're a man of the mountains, you can walk on the clouds,
Manipulator of crowds, you're a dream twister.
You're going to Sodom and Gomorrah
But what do you care? Ain't nobody there would want to marry your sister.
Friend to the martyr, a friend to the woman of shame,
You look into the fiery furnace, see the rich man without any name.
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
Well, the Book of Leviticus and Deuteronomy,
The law of the jungle and the sea are your only teachers.
In the smoke of the twilight on a milk-white steed,
Michelangelo indeed could've carved out your features.
Resting in the fields, far from the turbulent space,
Half asleep near the stars with a small dog licking your face.
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
Well, the rifleman's stalking the sick and the lame,
Preacherman seeks the same, who'll get there first is uncertain.
Nightsticks and water cannons, tear gas, padlocks,
Molotov cocktails and rocks behind every curtain,
False-hearted judges dying in the webs that they spin,
Only a matter of time 'til night comes steppin' in.
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
It's a shadowy world, skies are slippery gray,
A woman just gave birth to a prince today and dressed him in scarlet.
He'll put the priest in his pocket, put the blade to the heat,
Take the motherless children off the street
And place them at the feet of a harlot.
Oh, Jokerman, you know what he wants,
Oh, Jokerman, you don't show any response.
Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.
Comentário de Caetano: "Eu sempre tive vontade de cantar Jokerman. Eu acho que ela fica bem no contexto desse show porque é uma música de Bob Dylan, que é uma figura superimportante da minha geração. Quando você ouve a música de Bob Dylan dentro do show você entende mais o tempo a que estou me referindo." (Caetano Veloso para o jornal O Estado de S. Paulo, 1992).
13 - Você é Linda (Caetano Veloso)
Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir
No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer!
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal!
Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Foto: Liza Caprilhone.
14 - O Leãozinho (Caetano Veloso)
Gosto muito de te ver leãozinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você leãozinho
Para desentristecer leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho
Um filhote de leão raio da manhã
Arrastando o meu olhar como um ímã
O meu coração é o sol pai de toda cor
Quando ele lhe doura a pele ao léu
Gosto de te ver ao sol leãozinho
De ter ver entrar no mar
Tua pele tua luz tua juba
Gosto de ficar ao sol leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar NUMA
15 - Itapuã (Caetano Veloso)
Nosso amor resplandecia sobre as águas que se movem
Ela foi a minha guia quando eu era alegre e jovem
Nosso ritmo, nosso brilho, nosso fruto do futuro
Tudo estava de manhã
Nosso sexo, nosso estilo, nosso reflexo do mundo
Tudo esteve Itapuã
Itapuã,
Tuas luas cheias, tuas casas feias
Viram tudo, tudo
O inteiro de nós
Itapuã
Tuas lamas algas
Almas que amalgamas
Guardam todo todo
O cheiro de nós
Abaeté
Essa areia branca ninguém nos arranca
É o que em Deus nos fiz.
Nada estanca Itapuã,
Ainda sou feliz.
Itapuã
Quando tu me faltas, tuas palmas altas
Mandam um vento a mim
Assim: Caymmi
Itapuã
O teu sol me queima e o meu verso teima
Em cantar teu nome
Teu nome sem fim
Abaeté
Tudo meu e dela
A lagoa bela
Sabe, cala e diz
Eu cantar-te nos constela em ti
Eu sou feliz.
Ela foi a minha guia quando eu era alegre e jovem.
16 - Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (Roberto Carlos, Erasmo Carlos)
Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar
De um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade
De ficar mais um instante
Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos...
17 - Os Mais Doces Bárbaros (Caetano Veloso)
Com amor no coração
Preparamos a invasão
Cheios de felicidade
Entramos na cidade amada
Peixe Espada, peixe luz
Doce bárbaro Jesus
Sabe bem quem é otário
Peixe no aquário nada
Alto astral, altas transas, lindas canções
Afoxés, astronaves, aves, cordões
Avançando através dos grossos portões
Nossos planos são muito bons
Com a espada de Ogum
E a benção de Olorum
Como num raio de Iansã
Rasgamos a manhã vermelha
Tudo ainda é tal e qual
E no entanto nada é igual
Nós cantamos de verdade
E é sempre outra cidade velha
Foto: Jonas Cunha.
18 - A Filha da Chiquita Bacana (Caetano Veloso) / Chuva, Suor e Cerveja (Caetano Veloso)
Eu sou a filha da chiquita bacana
Nunca entro em cana
Porque sou família demais
Puxei à mamãe
Não caio em armadilha
E distribuo banana com os animais
Na minha ilha
Yeh yeh yeh
Que maravilha
Yeh yeh yeh
Eu transo todas
Sem perder o tom
E a quadrilha toda grita
Yeh yeh yeh
Viva a filha de chiquita
Yeh yeh yeh
Entrei pro "women's liberation front"
Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo perdendo a cabeça
Não saia do meu lado
Se grude em meu pierrot molhado
E vamos embolar ladeira abaixo
Acho que a chuva ajuda a gente a se ver
Venha veja deixa beija seja
O que deus quiser
A gente se embala se embora se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha se beija se molha
De chuva suor e cerveja
19 - Sampa (Caetano Veloso)
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Ficha Técnica do Show
Direção: Caetano Veloso
Cenografia / Direção de Arte: Hélio Eichbauer
Cenotécnico: Pedro Girão
Som PA: Vavá
Monitor: L. C. Varella
Iluminação: Ivan Marques
Figurino: Cao
Assistente de Figurino: Marina Alcântara
Contra Regra: Jorge Ribeiro / Wellington Soares
Secretária: Virgínia Casé
Produção / Administração: Ivone Salgado
Assistente de Produção: Beth Araújo
Produção: Uns Produções Artísticas