1993 - Tropicália 2 - Caetano Veloso e Gilberto Gil


Tropicália 2 reuniu Caetano Veloso e Gilberto Gil num álbum que comemorou os 25 anos do Tropicalismo em 1993. Os "2" do título são Caetano e Gil, e não necessariamente significam a continuidade do disco-manifesto lançado nos anos 60, sem negar a relação entre eles. Haiti segue a linha de O Cu do Mundo (1991) mostrando a indignação perante o modo como se tratam os pobres de tão pretos e os pretos de tão pobres no Brasil. Cinema Novo cita dezenas de filmes nacionais e é resposta definitiva às críticas feitas sobre o modo como a sétima arte é feita por aqui. Rap Popcreto lembra Araçá Azul, lançado vinte anos antes, com experimentais sons do cotidiano. Quem? A soteropolitana Tradição ganha versão na voz de Caetano. Dada é mantra com arranjo belíssimo de cello que homenageia Jaques Morelenbaum e o disco fecha com Desde que o Samba é Samba, canção que já nasceu clássica. Tropicália 2 gerou também três shows com banda (em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador) e uma turnê internacional de voz e violão.

Caetano: "Era uma data qualquer do Tropicalismo e aí eu propus ao Gil nós celebrarmos fazendo um disco só nós dois com canções novas e revisitações que a gente achasse oportunas. E fizemos o Tropicália 2 com produção de Liminha que costumava produzir os discos do Gil, mas aquela capacidade tanto técnica quanto musical que são extraordinárias do Liminha foram muito utilizadas pelo meu crivo. Tinha que passar pelo meu crivo, foram utilizadas pelo meu gosto, pela minha maneira de orientar. Tem o Haiti, né? O Haiti é uma das canções mais interessantes que eu já fiz em toda a minha vida. Ela é praticamente minha, só. O Gil entra como parceiro porque ele fez aquela... [vocaliza introdução da canção]. Até o refrão com a melodia e a letra toda que é 'rapeada' eu fiz tudo e mostrei a Gil. Tinha até aquela virada de harmonia pra entrar no refrão e tinha a melodia do refrão e tudo. Mas eu disse: "Gil, faz um riff pra isso." É uma parceria porque esse riff diz tudo." (Caetano Veloso em entrevista sobre os seus 70 anos, 2012). 

“O disco ficou pronto há uns dois dias. São oito músicas inéditas, sendo três parcerias nossas e quatro regravações. Já ouvi e gostei bastante do resultado. Gil e eu ainda não conversamos. Talvez por isso ele fique dizendo por aí que não quer falar sobre o disco, porque eu quero guardar segredo. Imagine só, eu não suporto guardar segredo. Queria viajar com o disco lançado, mas os atrasos no estúdio não deixaram. Volto no fim de julho, aí vamos fazer o lançamento. Estamos pensando em montar um show, mas não temos a intenção de correr o Brasil juntos. Até porque isso poderia atrapalhar nossos projetos individuais. Convidei o Gil para gravarmos juntos para evitar outras comemorações do Tropicalismo. Mais do que festa, prefiro que este disco nos instigue a fazer trabalhos individuais ainda melhores. A temática é mais contemporânea. E tem com o tropicalismo as melhores afinidades de qualquer outro trabalho nosso”. (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1993).

Gil: "Para mim, o mais importante neste disco é o fato de eu ter me reunido a Caetano num projeto de colaboração e criação, como desde os Doces Bárbaros não fazíamos e, mais ainda, sob o signo do Tropicalismo, um desses nossos cometas culturais, como que em uma nova passagem, 25 anos depois. Para mim, termos feito este disco é já, em si, um feito. Termos feito um rap é para mim outro feito especial. Haiti renova, com a minha colaboração, a contribuição do clássico culto Língua, a mais extraordinária manifestação do gênero no Brasil, até agora. Cinema Novo, além da beleza em si que é homenagear, louvar e defender esse outro magno cometa do nosso zodíaco cultural, tem, ainda, o encanto estonteante e vertiginosa serpentina nas palavras de ordem, de desordem, de loucura, de alma à meia-noite e de indústria, da letra de Caetano. Quanto à música da canção, acho aceitável que se alternem climas de bossa-nova e tratamentos de regional com uma rápida inserção de algo do estilo breque na passagem que cita O Anjo Nasceu e Meteorango Kid. É um samba em mosaico para um mosaico de cartazes de filmes que a canção pretende ser [...]. Cada Macaco no Seu Galho é a Bahia de sempre. De Gregório de Mattos a Riachão. Ao gravarmos, Caetano atentava para a possível leitura separatista da música e a consequente dificuldade para o significado do disco, especialmente neste momento em que se nutrem ambições separatistas na nação. Eu o tranquilizei, mostrando o caráter nitidamente integracionista da "Nossa Bahia" de sempre, haja visto que os "gringos se afinavam na folia", na faixa Nossa Gente, neutraliza qualquer leitura reducionista das nossas intenções. Viva o Candeal. Viva a Bahia. Viva a Nação." (Gilberto Gil. Trechos do seu Realease para o disco Tropicália 2. Jornal Folha de S. Paulo, 1993). 


Release

"Este é um disco de 25 anos para comemorar os 26 anos do Tropicalismo. Foi concebido inicialmente como um meio de fugir às outras formas de comemoração que nos eram propostas o ano passado. No dia da festa de 80 anos de Jorge Amado, no sobrado que servia de camarim para muitos artistas e de camarote para muitos políticos, diante de convites para uma celebração de bodas de prata do Tropicalismo com praça pública, sinfônica e honrarias oficiais, virei-me para Gil e sugeri: por que não comemoramos os dois sozinhos, fazendo um disco à parte, um disco que valha por si mesmo como uma reafirmação da garra tropicalista?

Gil animou-se com a idéia e eu comecei a ter idéias e ele começou a fazer canções. As primeiras idéias foram prefiguração das canções Cinema NovoRap PopcretoHaiti e Aboio, e da regravação de Wait Until Tomorrow. As primeiras canções foram DadaBaião Atemporal, outras lindas do Gil que não foram incluídas no disco e Desde que o Samba é Samba, que eu já vinha fazendo desde muito antes de imaginar que este disco seria feito. Aos poucos foram se insinuando Nossa Gente (na Bahia, às vésperas do carnaval, essa canção do Olodum era a paixão de todo mundo e nós não quisemos resistir ao desejo de também gravá-la), Tradição (um velho sonho meu era ouvir essa música registrada de modo a não esconder seu encanto e outro sonho meu era cantá-la numa gravação), a volta de Cada Macaco no seu Galho (Gil e eu não lembrávamos que já a tínhamos gravado antes em disco - a sensação de que essa música de Riachão cantada por nós dois era a marca registrada do dueto se confirmou com a deslumbrante redescoberta do número num antigo especial da TV Globo gravado no Municipal em 72 e a decisão de regravá-la reforçou-se pelo reconhecimento de uma linha soteropolitana que vai de Riachão a Carlinhos Brown, pela graça que encontramos nesse chamar a Bahia de mãe preta cujo leite já encheu sua mamadeira, e pelo desprezo com que tratamos toda conversa sobre separatismo), As Coisas (Gil enamorou-se dos textos de Arnaldo Antunes no seu belo livro de mesmo título e fez uma canção mais pra o rock’n’roll moderno e nós enamoramos da canção).

As gravações se deram em clima bastante tranquilo. Eu e Gil sempre nos demos muito bem juntos - este disco poderia ser uma comemoração de redondos 30 anos que nós dois nos conhecemos. Talvez seja isso mesmo, embora não tenha sido esse o pretexto inicial. Nesses 30 anos, embora nunca tenhamos brigado, as queixas mútuas que talvez precisássemos calar não se tornaram embriões de mágoas.

Num período de que me lembro sempre com saudade, fiz com A Outra Banda da Terra, uma série de discos em que eu assinava a produção para poder trabalhar sem produtor. Eu estava tomando uma atitude de resistência contra a produção pop padronizada de gosto "internacional" que era a mania do mercado e da crítica no Brasil até então. Uma onda que Gil, ao contrário, fazia questão de mostrar que não temia. Minha atitude era ainda mais incômoda porque eu queria que minha resistência fosse reconhecível mesmo sem as aparências de um trabalho marginal ou experimental: meus discos de então eram compostos de faixas pop (OdaraTigresaTempo de EstioO Leãozinho, etc. etc.), apenas diferindo dos outros a que eu queria me opor pelo espontaneismo das sessões de gravação com a consequente impressão de desleixo técnico. Como tanto o "pop" quanto o "internacional" (mas eu queria que lembrassem que também o "experimental") tinham sido marcas do Tropicalismo, eu me sentia na obrigação de ser mais exigente com o Gil (e também com a Gal) do que com qualquer outro colega. E cheguei a fazer declarações irônicas e agressivas sobre o LP Realce.

Gil, numa entrevista, disse apenas que eu tinha uma atitude aristocrática enquanto ele era um operário da música. Eu respondi, também numa entrevista, que o que ele vinha fazendo sugeria mais um executivo da música do que um operário. Mantive desde então um tom de crítica velada ao que me parecia popismo fácil em Gil e Gal e louvação explícita à nobreza de Bethânia em sua série de discos extremamente pessoais e alheios aos vícios do mercado. Recordo tudo isso aqui porque essas sutis diferenças (para mim tão esclarecedoras) não foram muito entusiasmantes para os jornais e seus leitores (talvez porque não tenhamos brigado), e fica parecendo que nada aconteceu.

Um dia Peter Gabriel veio me ver no estúdio da PolyGram. Acho que tinham lhe falado de uma gravação minha em que eu misturava escola de samba com teclados (era o É Hoje da União da Ilha no LP Uns). O fato é que ele, muito gentil, se mostrou entusiasmado com a idéia e decepcionado com o resultado. Eu próprio, ouvindo ao lado dele, achei tudo muito sujo, o som empastado. Ele então me aconselhou que o artista não deve produzir os próprios discos, a presença do produtor que se ocupará de conseguir, organizar e criticar os sons é necessária, para deixar o artista fazer sua coisa com calma e o resultado geral terá maior clareza. Fiquei com isso na cabeça, e logo depois, Vinícius Cantuária me comunicou sua decisão de deixar a banda pra trabalhar seu próprio repertório e me sugeriu que criasse uma banda nova. Veio o Velô, em que eu parti para uma outra solução: fazer uma excursão com o show antes de gravar o disco e gravá-lo com os arranjos amadurecidos. Pedi a Ricardo Cristaldi, o tecladista da banda nova, para atuar como produtor na fase de acabamento do disco. Só depois é que eu fui fazer a experiência com Guto Graça Mello, Arto Lindsay e Peter Scherer. Liminha é um tropicalista histórico, de primeira hora. Foi comigo - e na época do Tropicalismo - que ele começou sua vida profissional como (excelente) contrabaixista. Depois é que ele foi tocar com os Mutantes, em sua versão progressiva dos anos setenta. O famoso produtor que imprimiu sua marca de sonoridade no rock Brasil dos anos oitenta e trouxe desembaraço tecnológico para todos os discos de Gil dos últimos anos - esse é um personagem novo para mim. Foi extraordinariamente produtivo trabalhar com ele, que assumiu o papel propriamente do produtor - eu e Gil assinamos a co-produção apenas porque já fomos para ele com planos de arranjo muito definidos e porque algumas coisas (Nossa GenteDesde que o Samba é SambaBaião Atemporal) gravamos enquanto ele estava em Los Angeles. É deslumbrante ver como se desenvolveu de perto sua grande musicalidade: suas intervenções como baixista e arranjador foram arrasadoras. Quase nunca tivemos de discutir por causa de seu entusiasmo com esse ou aquele efeito técnico que me parecia vício de gosto. Gil é que reagia mais à sua incapacidade de tolerar irregularidades de andamento quando as bases não eram gravadas com "click". No todo, o time de produção se deu bem. O resultado é um disco que, para nós, é satisfatório o tempo todo e, em muitos momentos, fundamente emocionante.

Sempre quis gravar Desde que o Samba é Samba com Nico Assumpção. Sempre quis gravar Cinema Novo com Rafael e Luciana Rabello. Rafael trouxe o Octeto Brasil e Dininho e Guerra Peixe. Gil sugeriu Serginho Trombone para escrever os arranjos de Nossa Gente, e Tradição. Gil e eu escolhemos juntos a dupla Carlos Bala e Arthur Maia para ser a base de Nossa Gente. Chamei Dadi e Marcelo Costa para Dada. Gil chamou Celso Fonseca para Baião Atemporal. Liminha teve a idéia de convidar Brown e a Timbalada para tocar Cada Macaco no seu Galho, eu e Gil achamos certo por causa da relação que fazemos entre Brown e Riachão, mas temíamos que Brown agora não tivesse tempo. Brown passou no Rio, foi ao estúdio, Liminha sugeriu, ele aceitou logo e fomos pra Bahia gravar aquela música mais Wait Until Tomorrow. Esta última eu tinha planejado fazer cool, só com os violões acústicos, mas a experiência com a turma de Brown nos conquistou. Dada teria que ter um violoncelo, e naturalmente, queríamos Jaquinho Morelenbaum. Como este estava em turnê pela Europa e não voltaria a tempo, aceitamos a sugestão de convidar Lui Coimbra e este convidou Rodrigo Campelo para escrever os arranjos dos cellos com ele. Além de ficar maravilhoso, a frase de Os Mais Doces dos Bárbaros que Campelo incluiu no contraponto funciona tanto como um abraço no Jaquinho (que faz variações sobre ela na abertura do show Circuladô) quanto como uma referência a outro momento em que Gil e eu cantamos juntos, no grupo Doces Bárbaros.

A ausência de Jaquinho terminou rendendo para mim uma outra alegria, tão grande quanto a tristeza de não tê-lo no disco: Liminha, tendo ouvido que meu filho Moreno estudava violoncelo, sugeriu que tocasse as frases solitárias de Haiti. Como tudo correu bem, Liminha pediu a Moreno que também fizesse as intervenções em As Coisas. Moreno trouxe seu amigo Pedro Sá ao estúdio e eu aconselhei Liminha a usá-lo na mesma faixa. Todos ficaram entusiasmados com sua técnica e inspiração. Outro amigo de Moreno já tinha gravado (de modo não menos entusiasmante) a flauta de Baião Atemporal: Lucas Santana, da família de Irará à qual Gil se refere na letra (a mesma que pertence Tom Zé). O pai de Lucas, Roberto Santana, foi quem me apresentou a Gil. Pedro Sá trouxe outro amigo deles, Daniel Jobim, filho de Paulinho, neto de Tom, pra tocar teclados. Nara, filha de Gil, tinha sido a causa da escolha de Wait Until Tomorrow porque, aos dois anos, na época do Tropicalismo, ela pedia pra gente botar na vitrola essa canção de Hendrix mais vezes do que as outras que nós já ouvíamos tanto. E, como desde então ela cantava o refrão, nós chamamos para cantá-lo agora conosco.

Assim cresceu o tom de festa em família e a sucessão de gerações que permeia o disco e que nos fez constantemente pensar em Pedro: era impossível não vê-lo tocando bateria no estúdio, às vezes parecia que ia se tornar impossível não vê-lo ali. Quando vivo, ele me inspirava, entre outras coisas, um grande respeito. Agora, desejo que as coisas se façam dignas da memória dele. Rita Lee, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Rogério Duprat, Tom Zé, Torquato, Capinam, Gal - não estão presentes "diretamente" no disco (fora um velho "quem" de Gal em Rap Popcreto). Mas nós sabemos que eles participam deste trabalho ainda mais do que do resto de nossas atividades." (Release do disco Tropicália 2. (1993) por Caetano Veloso. Livro: O Mundo Não é Chato. Org. Eucanaã Ferraz. Companhia das Letras, 2005).

Foto: Getty Images.

Texto do Encarte
(Em preto: Caetano Veloso. Em vermelho: Gilberto Gil). 

O falsete de Milton Nascimento é um dos mais belos sons produzidos pela espécie humana hoje sobre a Terra. Em Carlinhos Brown o sertão vai beira mar e o mar beira sertão. Assis Valente não merecia aquele casal de biógrafos espíritas que teimaram em tratar sua vida sexual no mesmo clima obscurantista de dissimulação e subterfúgios que era a regra no tempo em que ele viveu e que provavelmente contribuiu para levá-lo ao suicídio. 1955, vanguardas: no Parque Nacional, os irmãos Villas-Boas; na Biblioteca Nacional, os irmãos Campos; na Rádio Nacional, Angela Maria e Cauby Peixoto. Roberto Silva é uma sombra da ponte que leva de Orlando Silva e Ciro Monteiro a João Gilberto - uma linha evolutiva não presente na consciência dos outros grandes da época, que só viam o lado americano da modernização: os Alfs e Alves e Farneys, os Cariocas... O Tao é uma invenção do homem oriental. O baião é uma invenção do homem do sertão. O Tao do baião será sempre um caminho musical na história universal. Djavan é timbre áspero em nota doce. Caetano ensaiou com João que ensaiou com Caymmi que, segundo o próprio, já nasceu ensaiado. Paulinho da Viola, Tom Jobim e Chico Buarque são alguns dos homens mais bonitos que eu já conheci. Caruso, Celestino, Lanza, Pavarotti, Domingo - ao escutá-los, soam-me como galos: bons de cacarejar, duros de cozinhar. É necessário um pouco de Sumac ou Caldas para amaciá-los. Quando vi Prince pela primeira vez na TV americana, pensei: Miles Davis gosta disso. Chitãozinho e Chororó é pouco? Então Tonico e Tinoco. Amália Rodrigues, Ray Charles, Camaron de la Isla: lições do canto inevitável. Tudo em Michael Jackson é feito de matéria pop: sua grande música, sua grande dança, sua vida mínima. Em nossos dias só ele tem a mesma carga de popismo de Marilyn ou Elvis ou Elizabeth Taylor. Perto dele, Madonna parece uma mera teórica. Tudo o que não era americano em Raul Seixas, era baiano demais.

Lista de Músicas

Lado A

1 - Haiti
(Caetano Veloso, Gilberto Gil)
Caetano: Voz, assovio e canto árabe / Gil: Voz e violão elétrico / Liminha: Baixo, guitarra (Ebow), teclados, programação de bateria e percussão / Moreno Veloso: Cello / Carlinhos Brown: Shaker / Ramiro Mussotto: Programação do batuque.

2 - Cinema Novo
(Caetano Veloso, Gilberto Gil)
Caetano: Voz / Gil: Voz e violão / Rafael Rabello: Violão de 7 cordas / Dininho: Baixo / Luciana Rabello: Cavaquinho / Octeto Brasil: Wilson das Neves (Bateria), Marçal (Tamborim), Beterlau (Agogô), Zizinho (Pandeiro), Zeca da Cuíca (Cuíca), Trambique (Repique), Luna (Surdo) e Canegal (Ganzá) / Cordas: João Jorge Giancarlo (Spala) / Marcelo, Cristine, Bernardo, Michel, Vidal, Daltro, Alves, Perrota e Aizik (Violinos), Jesuina, Stephany, Hindenburgo e Penteado (Violas), lurá, Zamith, Alceu Reis e Marcio Malard (Cellos) / Gil, Caetano e Rafael Rabello: Arranjo de base / Guerra Peixe e Rafael Rabello: Arranjo de cordas.

3 - Nossa Gente
(Roque Carvalho)
Caetano e Gil: Vozes / Arthur Maia: Baixo / Carlinhos Bala: Bateria / Serginho Trombone: Arranjo de metais e trombone / Mascarenhas: Sax-tenor / Zé Carlos: Sax-alto / Marcio Montarroyos: Trompete / Bidinho: Trompete.

4 - Rap Popcreto
(Caetano Veloso)
Caetano: Teclados com samplers / Liminha: Samplers.


5 - Wait Until Tomorrow
(Jimi Hendrix)
Caetano: Voz e violão / Gil: Voz e violão elétrico / Nara Gil: Voz / Carlinhos Brown: Caixa, prato, balde, contratempo e octobans / Alexandre e Bogam: Surdos Tripé e Léo Bit Bit: Surdo virado / Popó e Cosminho: Bacurinhas / Everaldo: Castanhola / Nito: Claves / Coelho: Mataca.

6 - Tradição
(Gilberto Gil)
Caetano: Voz / Gil: Violão e vocal / Nico Assunção: Baixo de 6 cordas / Carlinhos Brown: Pandeiro, tampa de descarga hidráulica, cáscara, pelo pura e surdo / Serginho Trombone: Trombone / Leo Gandelman: Sax-barítono / Raul Mascarenhas: Sax-tenor / Zé Carlos: Sax-alto / Marcio Montarroyos: Flugelhorn / Bidinho: Flugelhorn / Serginho Trombone, Liminha, Gil e Caetano: Arranjo de Metais.

Lado B

1 - As Coisas
(Gilberto Gil, Arnaldo Antunes)
Gil: Voz e violões / Caetano: Vocal / Liminha: Baixo, programação de bateria e arranjo de cellos / Moreno Veloso: Cellos / Pedro Sá: Guitarra / Gil e Liminha: Arranjo de base.

2 - Aboio
(Caetano Veloso)
Caetano: Voz, violão e arranjo / Gil: Voz / Moreno Veloso: Pandeiro / Daniel Jobim: Teclado.

3 - Dada
(Caetano Veloso, Gilberto Gil)
Caetano: Voz e violão / Gil: Voz e violão / Dadi: Baixo / Marcelo Costa: Percussão / Liminha: Violão / Rodrigo Campello e Lui Coimbra: Arranjo de cello / Lui Coimbra: Cello.

4 - Cada Macaco No Seu Galho
(Riachão)
Caetano: Voz / Gil: Voz e guitarra / Liminha: Baixo e programação de bateria / Ramiro Mussotto: Programação de bateria / Carlinhos Brown: Caixa, prato, timbau, timbales, djembê, guisos, sifron de moto, block, cricket e mãos / Bogam: Surdo baixo / Coelho, Nito, Tripé e Léo Bit Bit: Timbaus / Everaldo, Alexandre, Popó e Cosminho: Bacurinhas.

5 - Baião Atemporal
(Gilberto Gil)
Caetano: Voz / Gil: Voz, violão e arranjo / Celso Fonseca: Violão de aço / Firmino: Percussão / Lucas Santana: Flauta / Liminha: Baixo / William Magalhães: Teclados.

6 - Desde que o Samba é Samba
(Caetano Veloso)
Caetano e Gil: Voz , violão e arranjo / Nico Assunção: Baixo de 6 cordas.

Vamos às Letras.

1 - Haiti (Letra: Caetano Veloso; Música: Caetano Veloso, Gilberto Gil)

Quando você for convidado pra subir no adro da fundação
Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui - o Haiti não é aqui

E na TV se você vir um deputado em pânico
Mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção
Da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo
Do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui - o Haiti não é aqui

Comentário de Caetano"Aqui, como em O Cu do Mundo, aparece uma visão da sociedade brasileira como mera degradação da condição humana. Claro que essas cenas de pesadelo surgem em mim num contexto de permanente preocupação com a ideia de Brasil. Tenho repetido que gostaria que compositores e cineastas brasileiros precisassem cada vez menos tomar o Brasil como tema principal. Sempre que penso isso, as canções de letras mais pessimistas me parecem mais desculpáveis do que outras. No caso de Haiti, acho que a abordagem da forma 'rap' em diapasão diferente, a força das imagens, o pioneirismo de explicitar a não-aceitação do massacre dos 111 presos do Carandiru, em suma, o fato de eu ter me antecipado aos melhores músicos e poetas do hip-hop nacional que vieram a atuar nos anos 90 são razões para eu gostar especialmente dessa composição. Ela foi feita para ser cantada com Gil no disco Tropicália 2 e inspirada por situação vivida numa festa do Olodum no Pelourinho. Fiz toda a letra e a música do refrão, inclusive a relação tonal entre o refrão e a harmonia que acompanha as estrofes. Gil criou o 'riff' de violão que vai sob as palavras." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).


2 - Cinema Novo (Letra: Caetano Veloso, Música: Gilberto Gil)

O filme quis dizer "Eu sou o samba"
A voz do morro rasgou a tela do cinema
E começaram a se configurar
Visões das coisas grandes e pequenas
Que nos formaram e estão a nos formar
Todas e muitas: Deus e o Diabo, Vidas Secas, Os Fuzis
Os Cafajestes, O Padre e a Moça, A Grande Feira, O Desafio
Outras conversas, outras conversas sobre os jeitos do Brasil
Outras conversas sobre os jeitos do Brasil

A bossa nova passou na prova
Nos salvou na dimensão da eternidade
Porém aqui embaixo "a vida", mera "metade de nada"
Nem morria nem enfrentava o problema
Pedia soluções e explicações
E foi por isso que as imagens do país desse cinema
Entraram nas palavras das canções

Primeiro foram aquelas que explicavam
E a música parava pra pensar
Mas era tão bonito que parasse
Que a gente nem queria reclamar
Depois foram as imagens que assombravam
E outras palavras já queriam se cantar
De ordem e desordem de loucura
De alma à meia-noite e de indústria
E a Terra entrou em transe ê
No sertão de Ipanema
Em transe ê, no mar de monte santo
E a luz do nosso canto, e as vozes do poema
Necessitaram transformar-se tanto
Que o samba quis dizer
O samba quis dizer: eu sou cinema

Aí O Anjo Nasceu, veio O Bandido, Meterorango,
Hitler Terceiro Mmundo, Sem Essa Aranha, Fome de Amor
E o filme disse: Eu quero ser poema
Ou mais: Quero ser filme e filme-filme
Acossado no Limite da Garganta do Diabo
Voltar à Atlântida e ultrapassar O Eclipse
Matar o ovo e ver a vera cruz
E o samba agora diz: Eu sou a luz
Da Lira do Delírio, da alforria de Xica
De Toda a Nudez de Índia de Flor de macabéia, de Asa Branca
Meu nome é Stelinha, é Inocência
Meu nome é Orson Antonio Vieira Conselheiro de Pixote
Superoutro
Quero ser velho de novo eterno, quero ser novo de novo
Quero ser Ganga Bruta e clara gema
Eu sou o samba viva o cinema - viva o cinema novo

Foto: Folha de S. Paulo.

3 - Nossa Gente (Roque Carvalho)

Avisa lá que eu vou chegar mais tarde, o yê
Vou me juntar ao Olodum que é da alegria
É denominado de vulcão
O estampido ecoou nos quatro cantos do mundo
Em menos de um minuto: em segundos
Nossa gente é quem bem diz é quem mais dança
Os gringos se afinavam na folia
Os deuses igualando todo o encanto toda a transa
Os rataplãs dos tambores gratificam
Quem fica não pensa em voltar
Afeição a primeira vista
O beijo-batom que não vai mais soltar
A expressão do rosto identifica
Avisa lá, avisa lá, avisa lá ô ô
Avisa lá que eu vou

Foto: Flávio Colker.

4 - Rap Popcreto (Caetano Veloso)

Quem?

Foto: Gonzalo Quitral.

5 - Wait Until Tomorrow (Jimi Hendrix)

Well, I'm standing here freezing, inside your golden garden
Got my ladder leaned up against your wall
Tonight's the night we planned to run away together
Come on Dolly mae, there's no time to stall
But now you're telling me that, ah...
I think we better wait till tomorrow

Got to make sure it's right
So, until tomorrow, goodnight
Oh, Dolly mae, how can you hang me up this way
Oh the phone you said you wanted to run off with me today
Now I'm standing here like some turned-down serenading fool
Hearing strange words stutter from the mixed-up mind of you
And you keep telling me that, ah...
I think we better wait till tomorrow

Got to make sure it's right
So, until, tomorrow, goodnight

Oh, Dolly mae, girl, you must be insane
So unsure of yourself learning from your unsure window pane
Do I see a silhouette of somebody pointing something from a tree?
Click, bang
Oh, what a hang
Your daddy just shot poor me
And I hear you say, as I fade away

We don't have to wait till tomorrow
We don't have to wait till tomorrow
We don't have to wait till tomorrow

It must not have been right, so forever, goodnight
Do I have to wait, do I have to wait
It's a drag on my part
Don't have to wait, don't have to wait. 

Foto: Márcio Costa e Silva.

6 - Tradição (Gilberto Gil)

Conheci uma garota que era do Barbalho
Uma garota do barulho
Namorava um rapaz que era muito inteligente
Um rapaz muito diferente
Inteligente no jeito de pongar no bonde
E diferente pelo tipo
De camisa aberta e certa calça americana
Arranjada de contrabando
E sair do banco e, desbancando, despongar do bonde
Sempre rindo e sempre cantando
Sempre lindo e sempre, sempre
Sempre rindo e sempre cantando
Conheci essa garota que era do Barbalho
Essa garota do barulho
No tempo que Lessa era goleiro do Bahia
Um goleiro, uma garantia
No tempo que a turma ia procurar porrada
Na base da vã valentia
No tempo que preto não entrava no Bahiano
Nem pela porta da cozinha
Conheci essa garota que era do Barbalho
Num lotação de Liberdade
Que passava pelo ponto dos Quinze Mistérios
Indo do bairro pra a cidade
Pra cidade, quer dizer, pro Largo do Terreiro
Pra onde todo mundo ia
Todo dia, todo dia, todo santo dia
Eu, minha irmã e minha tia
No tempo quem governava era Antonio Balbino
No tempo que eu era menino
Menino que eu era e veja que eu já reparava
Numa garota do Barbalho
Reparava tanto que acabei já reparando
No rapaz que ela namorava
Reparei que o rapaz era muito inteligente
Um rapaz muito diferente
Inteligente no jeito de pongar no bonde
E diferente pelo tipo
De camisa aberta e certa calça americana
Arranjada de contrabando
Sair do banco e, desbancando, despongar do bonde
Sempre rindo e sempre cantando
Sempre lindo e sempre, sempre, sempre
Sempre rindo e sempre cantando
Sempre lindo e sempre
Sempre rindo e sempre olhando

Foto: Mario Luiz Thompson.

7 - As Coisas (Letra: Arnaldo Antunes; Música: Gilberto Gil)

As coisas têm peso,
Massa, volume, tamanho,
Tempo, forma, cor
Posição, textura, duração
Densidade, cheiro, valor
Consistência, profundidade,
Contorno, temperatura,
Função, aparência, preço,
Destino, idade, sentido
As coisas não têm paz

Foto: Folha de S. Paulo.

8 - Aboio (Caetano Veloso)

Urbe imensa,
Pensa o que é e será e foi
Pensa no boi
Enigmática máscara boi
Tem piedade

Megacidade
Conta teus meninos
Canta com teus sinos
A felicidade intensa
Que se perde e encontra em ti
Luz dilui-se e adensa-se
Pensa-te

Comentário do autor: "Não sei por que sempre volta na minha cabeça essa oposição do boi à cidade. Amo a palavra "cidade". Amo cidades. Me sinto um ser urbano. Santo Amaro era bem urbana. O boi nessas letras não é principalmente rural: é ritual. Existe um texto muito bonito sobre esse assunto escrito por Guilherme Wisnik, Vadim Nitkin e José Miguel Wisnik." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 


9 - Dada (Letra: Gilberto Gil; Música: Caetano Veloso)

A Deus
Deus a
Afrodite
De ti
Ti ve
Vi da
Da da
A Deus

Foto: Gonzalo Quitral.

10 - Cada Macaco No Seu Galho (Riachão)

Xô xuá
Cada macaco no seu galho
Xô xuá
Eu não me canso de falar
Xô xuá
O meu galho é na Bahia
Xô xuá
O seu é em outro lugar

Não se aborreça moço da cabeça grande
Você vem não sei de onde
Fica aqui não vai pra lá
Esse negócio da mãe preta ser leiteira
Já encheu sua mamadeira
Vá mamar noutro lugar

Comentário do autor"Os nossos queridos Caetano e Gil foram exilados, não estavam mais no nosso país. Quando voltaram queriam uma música para recomeçar a vida artística aqui no Brasil. Então eles resolveram vir com sua equipe na Bahia para ver qual música cairia bem para o retorno. [...] A equipe queria ouvir Riachão para ver se dava certo. Então houve uma pessoa que me falou isso e foi me convidar para a casa de Caetano e de Gil. Tomei umas cachacinhas e fui pra lá. Eu não conhecia eles dois, conhecia só de nome. Cantei umas três músicas, mas quando eu cantei: "xô, chuá, cada macaco no seu galho...", a equipe, que estava toda sentada, foi lá e disse: "é essa, malandro! É essa! Não tem outra!" Quando terminou foi muita alegria, muito abraço. E ficou certo entre eu, Caetano e Gil." (Riachão em entrevista para a Rádio Metrópole, s/a.). 

Foto: Gonzalo Quitral.

11 - Baião Atemporal (Gilberto Gil)

No último pau-de-arara de Irará
Um da família Santana viajará
Levará uma semana até chegar
Junto com mais dois ou três outros cabras que estarão lá
No último pau-de-arara de Irará

Se essa viagem comprida fosse um cordel
Seria boa saída acabar no céu
Só que este conto que eu canto é pra lá de zen
Não tem sentido, não serve pra nada e é pra ninguém
Pra ninguém botar defeito e não ter porém

Basta pensar que Irará poderá não ser
Que os paus-de-arara de lá já não têm por quê
Porque os tempos passaram e passarão
Tudo que começa acaba e outros cabras seguirão
Cruzando o atemporal do tao do baião


12 - Desde que o Samba é Samba (Caetano Veloso)

A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite, a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora

O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja, o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer
O samba é o filho da dor
O grande poder transformador

Comentário do autor: "Fiz para Gil e eu gravarmos no Tropicália 2. É uma celebração, um samba sobre o samba. Gosto muito da ideia de que “o samba ainda não chegou, o samba ainda vai nascer”, porque é uma coisa que está no João Gilberto e que é completamente oposta à posição dos protecionistas que defendem uma espécie de reserva indígena do samba. Nessa canção, o samba é um projeto de Brasil, e eu gosto disso. Recebi um grande presente na vida, que foi o João Gilberto chegar a gravar esse samba. Isso parecia impossível porque o João sempre esteve vacinado contra esse tipo de samba, que tem muitos cacoetes, que tem pinta de clássico, 'instant classic', cuja intenção vê-se logo. O João nem gosta muito de Noel Rosa, embora tenha gravado divinamente o Palpite Infeliz, uma canção de que ele gosta muito, que é do Noel sozinho. Mas, na época da Bossa Nova, nem falava em Noel, o que era uma atitude violenta. E isso eu sempre entendi confrontando as músicas de Wilson Batista, Herivelto Martins, Geraldo Pereira e Assis Valente com as dele, que são intencionais, cuja ideia inteligente e o propósito de fazer uma coisa interessante percebe-se nelas imediatamente. Além disso, ele ficou na moda como compositor célebre, autor de letras geniais, no final dos anos 40, nos anos 50, quando João já estava pronto, sem que o Noel tivesse feito parte da formação dele. O João se aproximou de Desde que o Samba é Samba por um caminho enviesado. Disse-me que nunca tinha escutado a música, mas, na verdade, talvez tivesse sim, fisicamente. O que ele queria realmente dizer é que não tinha ouvido nada de especial naquele samba; mas a Paulinha, minha mulher, disse a ele que o samba era bonito, e que ele devia gravá-lo; ele deve ter pensado que a Paulinha talvez tivesse razão e quem sabe a canção tivesse mesmo algo interessante. Deve ter procurado alguma coisa no samba e, depois, me apareceu com aquilo! Disseram que eu produzi o disco em que ele gravou a música, mas, na verdade, não produzi nada, eu apenas ia com ele para o estúdio. E o certo é que ninguém produz o João: na hora em que ele chega, canta o que quer; depois muda; não canta as coisas que a gente pede, embora diga que sim, que vai cantar; depois... E ele é um doce no estúdio, é engraçado, é complicado, fica agoniado porque já gravou e tem medo de como tudo vai ser mixado, como se não quisesse, de fato, que as gravações tivessem um fim. É uma coisa muito complexa. No entanto, ele gravou o Desde que o Samba é Samba. Isso para mim foi um presente inestimável. Ele fez uma coisa tão linda e o samba só então ficou sendo realmente o que as pessoas diziam – e que parecia uma ideia cafona: um clássico." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003). 

Foto: Rochelle Costi.

Ficha Técnica

Produzido por Liminha, Gil e Caetano
Estúdios de Gravação: Nas Nuvens e Polygram (RJ) e WR (Salvador)
Supervisão Técnica de Estúdio: Ricardo Garcia (Nas Nuvens)
Assistentes de Produção: Fafá Giordano, Cristina Ferreira (RJ) e Laura Andreza (SSA)
Contra-regra: Wellington Soares
Montagem: Ricardo Garcia
Coordenação Geral: Beth Araújo
Gravado no período de março a maio de 93
Direção Artística: Max Pierre
Capa: Luiz Stein (Projeto Gráfico) e Flávio Colker (Fotografia)






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