1997 - Livro - Caetano Veloso


Livro foi lançado no final de 1997 ao mesmo tempo em que "Verdade Tropical" chegava às livrarias. Depois de trabalhar no ano anterior junto com Jaques Morelenbaum na trilha sonora do filme "Tieta do Agreste" (com direção de Cacá Diegues), Caetano Veloso lançava novamente um álbum seu, de inéditas, após seis anos. O cantor idealizou o disco ao ouvir a canção Prenda Minha (na versão de Miles Davis e Gil Evans) e Na Baixa do Sapateiro do álbum de João Gilberto, durante as viagens com Morelenbaum pela Itália na excursão de Fina Estampa. Os arranjos seguem metais na linha cool jazz unidos à batucada das ruas de Salvador. Samba, bolero, axé music, orquestra, Timbalada: a Tropicália de Caetano. O disco abre com Os Passistas que, entre mesóclises e anagramas, tem alguma coisa de Chico Buarque. A canção Livros foi a última a ser composta e referencia Chão de Estrelas (de Silvio Caldas e Orestes Barbosa), gravada por Maria Bethânia em 1996 (em Âmbar). Traz também a primeira melodia de Caetano, feita ao piano, ainda criança. Onde o Rio é Mais Baiano conta a história do samba através da homenagem à Estação Primeira de Mangueira, escola que teve como enredo os Doces Bárbaros em 1994. Manhatã fala da ilha numa visão premonitória: "Todos os homens do mundo / voltaram seus olhos naquela direção". O disco merecedor do Prêmio Grammy em 2000 na categoria 'World Music' revelou a dodecafônica Doideca, que cita London London e poderia ter sido tocada nas raves. Seguem as familiares Você é Minha (que tem o avesso de Você é Linda), Um Tom e How Beautiful Could a Being Be, esta última a preferida da crítica à época, feita por Moreno Veloso. Maria Bethânia participa de O Navio Negreiro, excerto do poema de Castro Alves musicado em rap afoxé. Não Enche tocou muito na rádio e Minha Voz, Minha Vida, gravada antes por Gal em 1982, ganhou a versão do compositor. A épica Alexandre impressiona pela construção dos versos e os de Pra Ninguém parecem ciceronear até a chegada do último: "E melhor do que o silêncio só João". 

Caetano: "Quase escrevi um guia para você ouvir uma faixa do disco e se reportar a um trecho do livro. Ia dar com a página, tudo... Eu saberia fazer isso, mas iria me dar um trabalho grande. No entanto, é um vínculo que não era consciente para mim quando eu estava planejando fazer o disco. Quando planejava fazer o disco eu só pensava na sonoridade. [...] Você falou em Doideca, que é uma das duas faixas que mais gosto no disco, ao lado de Minha Voz, Minha Vida. Embora goste de todo o resto, logo em seguida vem How Beautiful Could a Being be, Um Tom, Manhatã, que acho muito linda, sobretudo porque a sonoridade saiu como eu queria. Livros é uma canção linda. [...] Escrevi [as letras] com os arranjos já prontos, só pensava na sonoridade. Meu sonho com esse disco foi todo na sonoridade. As percussões baianas modernas com esses arranjos modernos sofisticados, muito próximo do Gil Evans. O disco ia se chamar "Prenda minha", mas resolvi deixar Livro mesmo, sei lá, os gaúchos podem pensar que é com eles, eu ia ter que explicar [gargalhadas]. A gente passou a excursão inteira na Europa ouvindo a caixa do Miles Davis com Gil Evans. Cada coisa maravilhosa tem ali! Ouvimos isso o tempo todo e o disco branco do João Gilberto. Em Na Baixa do Sapateiro eu disse: "Luiz [Brasil, arranjador e violonista], quando chegar no Brasil eu quero que você pegue essa base do João e transcreva ipsis litteris para os metais, é esse o caminho, quero usar a percussão da Bahia". (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1997).

"O nome do disco é porque eu fiz o livro, né? Aí quando eu estava gravando o CD, o livro ainda não estava pronto, eu ainda estava revisando... com essa palavra "livro" na cabeça e como tem essa conversa de que muita gente reclama que música popular no Brasil tem prestígio demais, muita respeitabilidade e que, na verdade, as coisas sérias se passam nos livros, eu só para mexer com eles botei o nome do meu disco de Livro". (Caetano Veloso no Programa Livre, 1997). 

“Desde o meio da excursão com Fina Estampa, em que eu trabalhava com orquestra, com cordas, comecei a sentir saudade da percussão. [...] Vou usar percussão e os outros instrumentos normais da minha banda. Mas não vai ser um disco de música quente e sacudida. Será uma utilização cool da percussão, que combina mais comigo. Quero marcar este disco com o momento em que também escrevia um livro. Comecei a gravar e não tinha terminado o livro. Logo, o disco prejudicou, de certa maneira, o livro. Depois, o nome “Livro” é como outros nomes que já dei para discos, como “Bicho”, “Transa”, “Muito”. É uma forma simples de chamá-lo. O Brasil está cheio de songbooks, livros de letras e partituras, por isso acho engraçado um disco chamado “Livro”. Serve também para fazer propaganda do livro (risos). Quando o Arnaldo lançou vídeo, livro e disco de “Nome” fiquei com inveja dele, pois eu tinha há muito tempo um projeto semelhante e nunca realizei. Acho, aliás, que o Arnaldo fez um grande trabalho que, com o tempo, só vai aumentar de importância. Dar o nome “Livro” ao meu disco é uma forma de relacioná-lo a este projeto, embora não seja a mesma coisa”. (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1997).

"Durante a excursão de "Fina Estampa", fui pensando em que tipo de disco queria fazer, planejei tudo. Acabei não tendo as letras prontas, trabalhadas; terminei de fazê-las com os arranjos já gravados. Mas acho que deu pra fazer tudo o que eu queria. Desde o começo, queria fazer um disco com percussão e sopros que se ouvissem muito nitidamente. Estava com saudade da música percussiva que fiz para "Tieta" [filme de Cacá Diegues]. Agora faço com meninos oriundos da Timbalada. Queria fazer uma coisa de sopro ligada à tradição sofisticada das orquestras de cool jazz do final dos anos 50, de Gil Evans e Miles Davis, que foi quando comecei a ouvir mais música. O disco ia chamar "Prenda Minha", mas ia ficar muito enigmático." (Caetano Veloso para a Folha de S. Paulo, 1997). 

Manuscrito da canção Livros.

Release

"Às vezes penso que minha profissão tem sido perseguir Chico Buarque. Mas é uma perseguição amorosa. E tem dado tão bons resultados já faz tanto tempo, que desta vez, ao contrário do que aconteceu com Você Não Entende Nada — música que nomeei "Sem Açúcar" (parafraseando Com Açúcar, Com Afeto) porque à época julgavam haver entre nós uma rivalidade reles —, não temi pôr o nome Pra Ninguém na canção que, como o Paratodos de Chico, lista virtudes de colegas. Chorei tanto quando Chico, em sua casa, me mostrou Paratodos, que estava certo de nunca fazer nada para macular esse sentimento. Pra Ninguém surgiu — sem título — a partir da vontade irresistível de mencionar a gravação de Nana de Nesse Mesmo Lugar e, quase ao mesmo tempo, a de Arrastão por Tim Maia. Começou-se a insinuar uma lista que eu julgava impossível de pôr em música à medida em que ia fazendo exatamente isso. O título se impôs, apesar dos resquícios de supercuidado, porque ele, além de ecoar Alguém Cantando ("como que pra ninguém..."), evidenciava o critério de eleições intransferivelmente pessoais, o que fazia da canção uma espécie de "festa íntima da música". A peça de Gabriel o Pensador me comove e exalta de modo semelhante à de Chico, embora em registro diferente. São grandes canções de congraçamento. Já Pra Ninguém é uma meditação sobre o mistério do cantar (não se cita ninguém cantando nada de sua própria autoria) e do ouvir cantar. E é uma avaliação extratécnica e supracrítica que, no entanto, conclui com a colocação crítica e tecnicamente correta de João Gilberto em seu posto. É o João Gilberto de quem sempre emanam idéias para repertório e para tratamento de material, das quais sempre se bebe sem sempre se dar o devido crédito.

Na Baixa do Sapateiro aqui é literalmente tirada de sua versão violinística. E essa é sua razão de ser, de estar no repertório.

Reencontro algo de Chico em Livros. Algo além do fato de termos os dois escrito livros. A composição é buarquiana como nenhuma outra minha, embora — lembrando outra vez Gabriel — surja ali uma espécie de Chico Buarque Science.

Insisto em que há Chico em Os Passistas, aquelas "poses nos retratos" e alguma coisa mais. Embora as mesóclises sejam um capricho bem meu. E a melodia esteja mais perto do Ary de "Rio de Janeiro" por João Bosco. ( A canção é quase um remake de Isso Aqui  que é?.) Fiquei pasmo ao ler no livro "Duas meninas", de Roberto Shwarz, uma breve análise do estilo dos passistas de escola de samba que parece uma oposição simétrica à minha canção. Ou melhor: parece uma observação das mesmíssimas sutilezas julgadas com sinal de valor trocado.

Louco pra deixar Chico em paz, falo de Manhatã, filha de uma cruza de Sousândrade com Lulu Santos (que merece mais do que a canção). Chico não está próximo da nossa (minha e de Lulu) visão de Manhattan. As referências aos produtores de rythm'n'blues não seriam do interesse dele (embora talvez o fosse a menos audível leitura, em Livros, do trecho em que Julien Sorel, numa gruta da montanha, escreve um quase-livro ao cair da tarde e o queima quando a noite vai terminar). O desejo de combinar moderna percussão de rua baiana com sons cool sofisticados nasceu da reaudição dos discos de Miles Davis com Gil Evans e da Baixa do Sapateiro de João durante a excursão de "Fina Estampa" pela Europa. Manhatã foi onde isso mais claramente se realizou.

Onde o Rio é mais baiano é o samba que eu fiz para a Mangueira em agradecimento a ela ter-nos escolhido — Gal, Bethânia, Gil e eu — como enredo de seu desfile de anos atrás (será que podemos parar de pensar em Chico?). Como em Os Passistas, o samba carioca tocado nos timbaus baianos ganha um timbre e uma alma diferentes. E quando passa para "samba reggae"...

Compus Um Tom perto do nascimento de meu filhinho mais novo. O belo nome que lhe demos (o mesmo de Tom Jobim, o mesmo de Tom Zé, o mesmo de Tom da dupla Tom e Dito, mas principalmente o nome dessa entidade musical, dessa instância da música) me sugeriu um cântico para ser acompanhado por percussão tonal. Aqui é em Milton que a gente começa a pensar. Eu queria ficar num tom só (com sexta e nona) e fazê-lo espalhar-se por sinos, berimbaus, gamelas, marimbas. Jaques Morelenbaum transformou essas idéias numa peça de grande beleza, como só ele poderia fazer.

How Beautiful Could a Being be? Meu filho mais velho, Moreno, me deu de presente esse canto único, roda de samba de uma frase só, em que um inglês filosófico ("could a being be" parece trecho de Heidegger traduzido para o inglês) é usado para soar como um singelo e enigmático refrão africano. Moreno ainda trouxe sua voz pura, seu violão tenor, seus amigos maravilhosos (David Moraes e Daniel Jobim - que diz "HOW" - e Pedro Sá e Quito) e ainda Belô Velloso, Narinha Gil e Paulinha Morelenbaum para fazerem o coro feminino.

Alexandre é pra parecer um daqueles Jorges de Ben Jor (com efeito, Alexandre, o Grande, é identificado com São Jorge em alguns lugares por onde passou em sua marcha para a Ásia), exaltado à maneira de Tieta (como nos blocos afro), mas com uma referência à homossexualidade misturada ao gênio militar que talvez pudesse se encontrar num épico de Renato Russo, nunca num de Jorge Ben Jor.

Não Enche é uma homenagem a Se Manda, de Jorge Ben. Eu adoro essa canção de extravasar agressividade para com a mulher. Adoro canções assim. Todo homem tem desejo de poder gritar contra essa personagem que sempre diz (como na genial letra de Paula Toller): "Longe do meu domínio, cê vai de mal a pior".

Doideca inspirou-se nas conversas de Hermano Viana sobre a onda techno. É mais um exemplo de meu interesse em comentar o ar dos tempos. Sobretudo é um caso de "faking the fake": tudo acústico arremedando o eletrônico. A semelhança com as coisas de Arrigo é proposital: eu não queria fazer uma mera imitação de "jungle", ou "drum'n'bass", ou seja lá o que for: queria lançar um comentário sobre o interesse de quem produz esse tipo de música erudita moderna que os próprios consumidores de música erudita desprezam. Num desses casos, é impossível não pensar em Arrigo e em Zappa. Armei a "série" de doze sons e fiz com que ela se repetisse e se invertesse ou espelhasse. Claro que eu adoraria ouvir um longo remix de Doideca numa rave, com a moçada das festas da Valdemente repetindo em coro "GAY Chicago negro alemão bossa nova GAY!". Mas, como em Odara - que nunca foi esquecida, mas nunca entrou nas discotecas -, acho que vou me contentar com ter feito o comentário.

Gravar longos trechos de O Navio Negreiro significou reconsiderar o aspecto popular que esse belo poema retórico não pode perder. Com a percussão, ele volta vivo, claro, irresistível. Moreno me deu outro presente na forma desse canto de capoeira que ele aprendeu não sei onde - e que ficou deslumbrante no timbre do coro feminino que ele próprio tinha escalado para How Beautiful Could a Being be.

Fiz Você é Minha para a Paulinha porque às vezes me surpreendo de ter tão perto de mim uma mulher tão imponente. Aí lembro que lhe disse essa frase quando ela ainda tinha uns catorze anos. Jaquinho e eu reforçamos as semelhanças com Você é Linda porque achamos graciosa a ilusão de que eu tenho um estilo próprio de canção de amor.

Assim como Na Baixa do Sapateiro é uma faixa do disco de "standards" brasileiros (um "Fina Estampa" luso-americano) que venho sonhando e adiando, Minha Voz, Minha Vida é uma faixa do disco de canções minhas de que gosto e que foram gravadas por outros, nunca por mim mesmo, com que também sonho e que também adio. Ambas são, no entanto, faixas legítimas deste "Livro": a de Ary, pelo já dito sobre João Gilberto; a minha, pelo irresistível efeito da combinação da percussão de rua com a composição cool e as cordas celestiais.

Mas o disco - que se chama "Livro" porque estou lançando um livro que quase não me deixou tempo para gravar, embora não tenha me impedido de chegar a um resultado sonoro em geral caprichado -, o disco é de Márcio Vítor (nem acredito!), Du e Jó, Gustavo de Dalva, Leo Bit Bit, Leonardo, Boghan, esses percussionistas baianos que encheram o estúdio de uma vibração quase insuportável de tão intensa; é de Carlinhos Brown, que armou o Navio Negreiro pra mim e indicou - um por um - esses seus brilhantes discípulos; é de Beta, que veio com a sua majestade e trouxe emoção ao trecho do poema de Castro Alves como eu não poderia; é de Luiz Brasil, que escreveu arranjos de metais tão complicados de executar quanto ricos em imaginação; é de Marcelo Martins, que fez os sopros fluírem tão elegantemente em Os Passistas que o disco abre com extrema gentileza; é de Moogie, que, embora tivesse às vezes de ir a Los Angeles (e depois tenha me levado para aquele estranho local para mixar as faixas), soube sempre descobrir e inventar sonoridades originais e eficazes; é de Marcelo Costa, que organizou o falso falso de Doideca e o maracatu de Livros; é de Pedro Sá, que com sua guitarra fez de Livros uma província progressista da Nação Zumbi; é de David Moraes, esse grande músico, que trouxe ao samba de Moreno toda a riqueza que o autor esperava e algo mais; é de Jorge Helder, Zeca Assunção, Fernando, Dadi; é dos músicos todos, cordas e sopros; de Ramiro, com seus berimbaus afinados e sua precisão absoluta; finalmente é de Jaques Morelenbaum, que fez do meu sonho de grande banda cool uma realidade em Manhatã, e de minhas idéias para Um Tom, uma peça muito sua que é uma pequena obra-prima. Além de ter feito tudo o mais." (Release do disco Livro - 1997).

Caetano em pintura de Luiz Zerbini, um dos autores do projeto gráfico do disco Livro.

Caetano gravando o clipe de Não Enche 

Lista de Músicas

1 - Os Passistas
(Caetano Veloso)

2 - Livros
(Caetano Veloso)

3 - Onde o Rio é Mais Baiano
(Caetano Veloso)

4 - Manhatã - para Lulu Santos
(Caetano Veloso)

5 - Doideca
(Caetano Veloso)

6 - Você é Minha
(Caetano Veloso)

7 - Um Tom
(Caetano Veloso)

8 - How Beautiful Could A Being Be
(Moreno Veloso)

9 - O Navio Negreiro
Participação Especial de Maria Bethânia e Carlinhos Brown
(Caetano Veloso, Antonio de Castro Alves)

10 - Não Enche
(Caetano Veloso)

11 - Minha Voz, Minha Vida
(Caetano Veloso)

12 - Alexandre
(Caetano Veloso)

13 - Na Baixa do Sapateiro
(Ary Barroso)

14 - Pra Ninguém
(Caetano Veloso)

Vamos às Letras.

1 - Os Passistas (Caetano Veloso)

Vem,
Eu vou pousar a mão no teu quadril
Multiplicar-te os pés por muitos mil
Fita o céu,
Roda:
A dor
Define nossa vida toda
Mas estes passos lançam moda
E dirão ao mundo por onde ir.
Às vezes tu te voltas para mim
Na dança, sem te dares conta enfim
Que também
Amas
Mas, ah!
Somos apenas dois mulatos
Fazendo poses nos retratos
Que a luz da vida imprimiu de nós.

Se desbotássemos, outros revelar-nos-íamos no Carnaval.
Roubemo-nos ao deus Tempo e nos demos de graça à beleza total, vem.

Nós,
Cartão-postal com touros em Madri,
O Corcovado e o Redentor daqui,
Salvador,
Roma
Amor,
Onde quer que estejamos juntos
Multiplicar-se-ão assuntos de mãos e pés
E desvãos do ser.

2 - Livros (Caetano Veloso)

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­- o que é muito pior -­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Comentário do autor: "As palavras parecem dizer muita coisa relevante quando a gente canta. Quando a gente pensa um pouco, nada é mesmo relevante. Depois a gente pensa mais e volta a desconfiar de que talvez tudo seja relevante. Nesse sentido, ela não é uma canção sobre livros, mas uma canção sobre as canções. Eu tinha acabado de escrever o longo livro Verdade Tropical. Estava pensando muito no assunto da relevância da canção." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

3 - Onde o Rio é Mais Baiano (Caetano Veloso)

A Bahia,
Estação primeira do Brasil
Ao ver a Mangueira nela inteira se viu,
Exibiu-se sua face verdadeira,
Que alegria
Não ter sido em vão que ela expediu
As Ciatas pra trazerem o samba pra o Rio
(Pois o mito surgiu dessa maneira).

E agora estamos aqui
Do outro lado do espelho
Com o coração na mão
Pensando em Jamelão no Rio Vermelho
Todo ano, todo ano
Na festa de Iemanjá
Presente no dois de fevereiro
Nós aqui e ele lá
Isso é a confirmação de que a Mangueira
É onde o Rio é mais baiano.

Comentário do autor: "Durante muitos anos seguidos, Jamelão foi à festa de Iemanjá, em Salvador, no Rio Vermelho. Ficava em pé nas pedras, todo de branco, jogava flores, acompanhava o ritual. Eu era garoto ainda, e o via ali. Todo mundo sabia quem era. Diziam: "Jamelão...". Mas ninguém importunava. Eu gostava de ver aquele homem, que parecia uma entidade." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

4 - Manhatã (Caetano Veloso)

Uma canoa canoa
Varando a manhã de norte a sul
Deusa da lenda na proa
Levanta uma tocha na mão
Todos os homens do mundo
Voltaram seus olhos naquela direção
Sente-se o gosto do vento
Cantando nos vidros o nome doce da cunhã:

Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan, Manhattan

Um remoinho de dinheiro
Varre o mundo inteiro, um leve leviatã
E aqui dançam guerras no meio
Da paz das moradas de amor

Ah! Pra onde vai, quando for,
Essa imensa alegria, toda essa exaltação
Ah! Solidão, multidão,
Que menina bonita mordendo a polpa da maçã:

Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan
Manhattan, Manhattan, Manhattan

Comentário do autor: "É uma das minhas canções favoritas. Quando a escrevi, dediquei a Lulu Santos, porque lembrava de ouvi-lo repetir em Nova York, numa vez em que coincidiu de estarmos os dois lá: "Manhatã... Manhatã...". Achei emocionante porque logo me lembrei de uns versos do trecho do épico de Sousândrade que os irmãos Campos apelidaram de "O Inferno de Wall Street", em que a palavra Manhattan aparece tomada como um oxítono rimando com uma palavra portuguesa em "ã". Depois descobri que Leoni e Cazuza já tinham feito (e gravado) uma canção com título idêntico. Adoro a composição musical e acho a letra cheia de idéias boas, de ecos verdadeiros do meu sentimento por Nova York." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

5 - Doideca (Caetano Veloso)

Lira Paulistana
Música doideca
Funk carioca
Londresselvas em flor
Jorjão Viradouro
Arnaldo Olodum Titã
Funk carioca
Arrigo Tom Zé Miguel
Lucas Valdemente
Chelpa Ferro Mangue bit beat
Carioca Lira Paulistana

Gay Chicago negro alemão
Bossa nova
Gay Chicago negro alemão
Timbalada
Gay Chicago negro alemão
Viradouro
Gay Chicago negro alemão
Axé Music
Gay Chicago negro alemão

Lira Paulistana
Música doideca
Funk carioca
Lodresselvas em flor

Banda feminina da Didá Didá de
Banda feminina da Didá

Banda tropicália de Tom Zé Tomzé de
Banda tropicália de Tomzé Tomzé de
Banda

Didá Didá Didá de
Banda

Banda

Chicago negro alemão bossa nova
Chicago negro alemão

Comentário do autor: "Uma piada com minhas idéias sobre a relação entre vanguarda e cultura de massas; melhor: entre vanguardas e modas cultivadas por minorias de massa. Fiz a música no piano e depois fui pondo as palavras. A letra é boa para o lance. Muito sugestiva." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

"É bem parecido com Arrigo Barnabé, é bem Clara Crocodilo, que adoro. Mas tem ritmo calcado no drum'n'bass. A ideia nasceu do fato de que os produtores e compositores destas músicas chamadas jungle, drum'n'bass e techno são os maiores consumidores e admiradores da música erudita de vanguarda contemporânea, que é uma música altamente impopular, que não tem público nem entre os consumidores de música erudita. A arte de vanguarda visual virou uma coqueluche. Aliás, no meu filme Cinema Falado tinha esta questão muito bem posta, como em raros filmes no mundo. Aliás, como nenhum filme no mundo. Godard não chega a dizer coisas como aquelas. [...] Fiz uma série dodecafônica no piano, depois espelhei ela. De trás para frente parece outra coisa, mas são as mesmas notas na ordem inversa. A introdução de Você é Minha é a introdução de Você é Linda que o Jaquinho espelhou." (Caetano Veloso para o Jornal O Globo, 1997). 

6 - Você é Minha (Caetano Veloso)

Desde o tempo em que você andava
Com quem não conhece os seus segredo
Que, sem pensar, brinco de repetir
- Você é minha,
Minha e não desse aí.

Mas naquele tempo eu não sabia
Que isso é que dissiparia a treva
Em que o amor lançou meu coração.
Você é minha,
Ninguém se atreva,
Porque nós dois somos um time campeão.

Você comanda,
Eu sigo e protesto
Mas vamos aonde ninguém vai.
Amplo se expanda
O alcance do gesto:
Por terra essa tenda não cai.
Você me ensina
E eu finjo que aprendo
Os truques da grana e do amor.
Ouve os batuques
Mas muito se engana
Quem crê que está lendo ou que adivinha

Hoje que você é a rainha
Do meu velho e vasto estranho reino,
Faço ecoar
Nos pontos cardeais:
Você é minha,
Minha e de ninguém mais.

Eu próprio só aos poucos desfaço
As redes de enigmas desse laço
Dentro de nós
E a minha voz rediz:
Você é minha.

Comentário do autor: "É para Paulinha. Era um negócio que eu dizia pra ela quando a conheci. Ela tinha um namorado e eu dizia pra ela: "Mas você é minha!". (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

7 - Um Tom (Caetano Veloso)

Um tom pra cantar
Um tom pra falar
Um tom pra viver
Um tom para a cor
Um tom para o som
Um tom para o ser

Ah como é bom dormir
Ah como é bom despertar
O céu é mais aqui
Um tom é um bom lugar

Tanta coisa que cabe
Tanta pode caber
Canta e pode fazer cantar
Nova felicidade
Novo tudo de bom
Deixa-se cantar um tom

Um tom pra gritar
Um tom pra calar
Um tom pra dizer
Um tom para a voz
Um tom para mim
Um tom pra você
Um tom para todos nós

Comentário do autor: "Compus 'Um Tom' perto do nascimento de meu filhinho mais novo. O belo nome que lhe demos (o mesmo de Tom Jobim, o mesmo de Tom Zé, o mesmo de Tom da dupla Tom e Dito, mas principalmente o nome dessa entidade musical, dessa instância da música) me sugeriu um cântico para ser acompanhado por percussão tonal." (Caetano Veloso em rede social, 2014).

8 - How Beautiful Could A Being Be (Moreno Veloso)

How beautiful could a being be

Comentário do autor: "Esse era um canto de desabafo ao me deparar com a beleza do mundo. Senti dessa maneira e a frase, mesmo em inglês, sempre me soou como iorubá ou um samba de roda. Um dia, cheguei e dei a canção ao meu pai." (Moreno Veloso para o Jornal O Globo, 1998).

9 - O Navio Negreiro (Caetano Veloso, Antonio de Castro Alves)

Stamos em pleno mar
(...)
Era um sonho dantesco... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa dos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanaz!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...

São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços,
N'alma - lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael...

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram - crianças lindas,
Viveram - moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...

(...)

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!...
...Mas é infâmia demais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!

Comentário de Caetano: “É um grande poema brasileiro, que era muito popular quando eu era jovem. As pessoas sabiam trechos de cor, era comum isto, e hoje não é mais. Porque os jovens não aprendem poemas nas escolas. Naquela época, a gente sabia mais poemas. Então eu me lembrei disto. Eu tinha ouvido falar nos festejos dos 150 anos de Castro Alves e aí resolvi incluir.” (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1997).

10 - Não Enche (Caetano Veloso)

Me larga, não enche
Você não entende nada e eu não vou
te fazer entender
Me encara, de frente:
É que você nunca quis ver,
não vai querer, não vai ver
Meu lado, meu jeito,
O que eu herdei de minha gente e
nunca posso perder
Me larga, não enche,
Me deixa viver, me deixa viver,
me deixa viver, me deixa viver

Cuidado, oxente!
Está no meu querer poder fazer você desabar
Do salto. Nem tente
Manter as coisas como estão porque não dá,
não vai dar.
Quadrada, demente,
A melodia do meu samba põe você no lugar
Me larga, não enche
Me deixa cantar, me deixa cantar,
me deixa cantar, me deixa cantar

Eu vou
Clarificar
A minha voz
Gritando: nada mais de nós!
Mando meu bando anunciar:
Vou me livrar de você.

Harpia, aranha
Sabedoria de rapina e de enredar, de enredar
Perua, piranha,
Minha energia é que mantém você suspensa no ar
Pra rua!, se manda!
Sai do meu sangue, sanguessuga,
que só sabe sugar
Pirata, malandra,
Me deixa gozar, me deixa gozar,
me deixa gozar, me deixa gozar.

Vagaba, vampira,
O velho esquema desmorona desta vez pra valer
Tarada, mesquinha,
Pensa que é a dona e eu lhe pergunto:
quem lhe deu tanto axé?

À-toa, vadia,
Começa uma outra história aqui na luz deste dia "D":
Na boa, na minha,
Eu vou viver dez,
Eu vou viver cem,
Eu vou vou viver mil,
Eu vou viver sem você.

Comentário do autor: "Eu acho muito bacana. Eu digo que é uma oração que todos os homens devem rezar de manhã, em jejum." (Caetano Veloso no Programa Livre, 1997).

"Nunca havia feito uma canção assim. Não creio que existam no repertório de muitos artistas, salvo Leonard Cohen e Bob Dylan. Neste sentido, posso dizer que é uma canção única. Investiguei em minha própria raiva e imaginei as piores coisas que poderia dizer, mas não consegui. No momento de terminar o disco, tinha a música feita, os arranjos gravados, mas me faltava a letra. O que eu fiz? Pedi ajuda para Paula, minha esposa. Ela me trouxe um insulto a mais, uma palavra de origem síria, 'vagaba', que significa algo pior que vagabunda, é uma forma mais vulgar de dizer. Foi irônico ter que recorrer a sua mulher para saber como insultá-las. Vou revelar que, quando fiquei sem insultos, pensei nos jornalistas e novos insultos surgiram." (Caetano Veloso para o Jornal Página/12, 1998). 

11 - Minha Voz, Minha Vida (Caetano Veloso)

Minha voz, minha vida
Meu segredo e minha revelação
Minha luz escondida
Minha bússola e minha desorientação
Se o amor escraviza
Mas é a única libertação
Minha voz é precisa
Vida que não é menos minha que da canção

Por ser feliz, por sofrer, por esperar eu canto
Por ser feliz, pra sofrer, para esperar eu canto

Meu amor, acredite
Que se pode crescer assim pra nós
Uma flor sem limite
É somente porque eu trago a vida aqui na voz.

Comentário do autor: "Acho uma das melodias mais bonitas que eu já fiz. E a letra também é bonita. Fiz para Gal, pensando nela, por causa de sua voz, que é a coisa mais bonita que ela tem. Mas tenho pena de não ter trabalhado mais as palavras nas frases longas. A única que está certa é "que se pode crescer assim pra nós"; nas outras, as sílabas não são suficientes, prosodicamente estão meio defeituosas. Para uma música tão bem-feita, eu deveria ter trabalhado mais tempo. Mas acho que sempre faço assim, não trabalho o necessário e, daí, nunca estou satisfeito com o acabamento. No caso de Minha Voz, Minha Vida, a qualidade da composição exigia um acabamento que, gritantemente, não foi buscado." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

12 - Alexandre (Caetano Veloso)

Ele nasceu no mês do leão, sua mãe uma bacante
E o rei, seu pai, um conquistador tão valente
Que o príncipe adolescente pensou que já nada restaria
Pra, se ele chegasse a rei, conquistar por si só.
Mas muito cedo ele se revelou um menino extraordinário:
O corpo de bronze, os olhos cor de chuva e os cabelos cor de sol.

Alexandre
De Olímpia e Felipe o menino nasceu, mas ele aprendeu
Que o seu pai foi um raio que veio do céu.

Ele escolheu seu cavalo
Por parecer indomável
E pôs-lhe o nome Bucéfalo
Ao dominá-lo
Para júbilo, espanto e escândalo do seu próprio pai

Que contratou para seu preceptor um sábio de Estagira
Cuja a cabeça sustenta ainda hoje o Ocidente.
O nome Aristóteles - nome Aristóteles - se repetiria
Desde esses tempos até nossos tempos e além.
Ele ensinou o jovem Alexandre a sentir filosofia
Pra que mais que forte e valente chegasse ele a ser sábio também.

Alexandre
De Olímpia e Felipe o menino nasceu, mas ele aprendeu
Que o seu pai foi um raio que veio do céu.

Ainda criança ele surpreendeu importantes visitantes
Vindos como embaixadores do Império da Pérsia
Pois os recebeu, na ausência de Felipe, com gestos elegantes
De que o rei, seu próprio pai, não seria capaz.
Em breve estaria ao lado de Felipe no campo de batalha
E assinalaria seu nome na história entre os grandes generais.

Alexandre
De Olímpia e Felipe o menino nasceu, mas ele aprendeu
Que o seu pai foi um raio que veio do céu.

Com Hefestião, seu amado,
Seu bem na paz e na guerra,
Correu em honra de Pátroclo
- os dois corpos nus -
Junto ao túmulo de Aquiles,
O herói enamorado, o amor.

Na grande batalha de Queronéia,
Alexandre destruía
A esquadra Sagrada de Tebas,
chamada a Invencível.
Aos dezesseis anos, só dezesseis anos,
assim já exibia
Toda a amplidão da luz
do seu gênio militar.
Olímpia incitava o menino dourado
a afirmar-se
Se Felipe deixava a família da mãe de
outro filho dos seus se insinuar.

Alexandre
De Olímpia e Felipe o menino nasceu, mas ele aprendeu
Que o seu pai foi um raio que veio do céu.

Feito rei aos vinte anos
Transformou a Macedônia,
Que era um reino periférico, dito bárbaro,
Em esteio do helenismo e dos gregos,
seu futuro, seu sol

O grande Alexandre, o Grande, Alexandre
Conquistou o Egito e a Pérsia
Fundou cidades, cortou o nó górdio,
foi grande;
Se embriagou de poder, alto e fundo,
fundando o nosso mundo,
Foi generoso e malvado, magnânimo
e cruel;
Casou com uma persa, misturando raças,
mudou-nos terra, céu e mar,
Morreu muito moço, mas antes impôs-se
do Punjab a Gilbraltar.

Alexandre
De Olímpia e Felipe o menino nasceu, mas ele aprendeu
Que o seu pai foi um raio que veio do céu.

Comentário do autor: “Alexandre estava todo gravado e eu querendo botar a letra. Eu fiz a música primeiro. Eu havia lido em algum lugar que não existia homossexualismo entre militares. E aí achei graça daquilo e disse para os músicos de minha banda: puxa vida, mas Alexandre, o Grande, foi o maior general da história. Além disso, a esquadra sagrada de Tebas, que foi destruída por Alexandre, era toda formada por homossexuais. Eram duplas de amantes e eles usavam um escudo só para dois. Eles formavam uma esquadra invencível, pelo menos até toparem com Alexandre. Nesta época Alexandre era um menino. Ele foi para a guerra com o pai, Felipe, e ele comandou a batalha final. Eu comecei a partir desta nota que li num jornal negando o homossexualismo entre militares, mas acabei me interessando muito pela história de Alexandre.” (Caetano Veloso para o Jornal do Brasil, 1997).

13 - Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso)

Na Baixa do Sapateiro eu encontrei um dia
A morena mais frajola da Bahia
Pedi-lhe um beijo, não deu
Um abraço, sorriu
Pedi-lhe a mão, não quis dar, fugiu

Bahia, terra da felicidade
Morena, eu ando louco de saudade
Meu senhor do Bonfim
Arranje outra morena igualzinha pra mim

Oh! amor, ai
Amor bobagem que a gente não explica, ai ai
Prova um bocadinho, ô
Fica envenenado, ô
E pro resto da vida é um tal de sofrer
Ôlará, ôlerê

Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento
Faço o meu lamento, ô
Na desesperança, ô
De encontrar nesse mundo
Um amor que perdi na Bahia, vou contar

Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento...

14 - Pra Ninguém (Caetano Veloso)

Nana cantando "Nesse mesmo lugar"
Tim maia cantando "Arrastão"
Bethânia cantando "A primeira manhã"
Djavan cantando "Drão"
Chico cantando "Exaltação à Mangueira"
Paulinho, "Sonho de um Carnaval"
Gal cantando "Candeias"
E Elis "Como nossos pais"
Elba cantando "De volta pra o aconchego"
Sílvio cantando "Mulher"
E Elisete cantando "Chega de mágoa"
Carmen cantando "Adeus batucada"
Gilberto cantando "Sobre todas as coisas"
Cauby cantando "Camarim"
Orlando cantando "Faixa de cetim"
Milton, "O que será?"
Roberto, "A madrasta"
Bosco, "Rio de Janeiro"
E Dalva, "poeira do chão":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
E melhor do que o silêncio só João.

Nara cantando "Diz que fui por aí"
Marisa, "A menina dança"
Aracy cantando a "Camisa amarela"
Amélia, "Boêmio"
Max, "Polícia"
Nora, "Menino grande"
Dolores, "Não se avexe não":
Melhor do que isso só mesmo o silêncio
E melhor do que o silêncio só João.

Comentário do autor: "É uma lista do que eu gosto, uma lista quase acrítica. Só ao final é que surge o João, acima de tudo, como a atitude crítica que rege tudo o mais, até o gosto acrítico." (Caetano Veloso. Sobre as Letras. Companhia das Letras, 2003).

Cartaz de divulgação.

Ficha técnica

Uma produção Universal Music dirigida por Jaques Morelenbaum e Caetano Veloso
Direção artística: Max Pierre
Arranjos de base: Caetano Veloso, Jaques Morelenbaum e músicos participantes (exceto nas faixas “O navio negreiro" e “Doideca")
Assistentes do projeto: Beth Araújo e Virginia Casé
Engenheiro de gravação: Moogie Canazio
Assistente de gravação: Duda Mello
Coordenação no estúdio: Barney
Estúdio de gravação: Estúdio AR, Rio de Janeiro
Gravações adicionais: Fábio Henriques (voz), Silas de Godoy (sopros na faixa “Na Baixa do Sapateiro", gravada no Estúdio Mosh, São Paulo) e Vânius Marques (Orquestra de Cordas, gravada no Estúdio Cia dos Técnicos, Rio de Janeiro)
Assistentes de gravação: Magro e Henrico Romano
Roadie: Jorge Ribeiro
Mixagem: Moogie Canazio
Assistentes de mixagem: Mike Aarvoldo e Jun Murakawa
Estúdio: Castle Oaks, Los Angeles
Masterização: Bernie Grundman
Projeto gráfico: Luiz Zerbini, Fernanda Villa-Lobos e Barrão
Pinturas: Luiz Zerbini
Criação da embalagem: Luiz Zerbini, Fernanda Villa-Lobos, Barrão e Gê Alves Pinto 
Coordenação gráfica: Geysa Adnet
Todas as músicas editadas na Uns Produções (Natasha) exceto "Na Baixa do Sapateiro" (Vitale), "London, London" (Gapa/ Warner Chappell) e “O navio negreiro" (D.P.) 
Agradecimentos a Jeffrey Neale, Gustavo Motta, Nei Leandro de Castro, Sandra Porteous e Juliana Porteous.

Faixa 1:

Violão: Luiz Brasil Baixo: Jorge Helder Timbaus: Márcio Victor, Du e Jó Torpedo e Caixa: Márcio Victor Pandeiro e Afoxé: Marcelo Costa Flautas: Marcelo Martins e Zé Canuto Clarinetas: Lucia Morelenbaum e Cristiano Alves Clarone: Eduardo Morelenbaum Flugels: Walmir Gil e Flávio Melo Trompa: Ismael de Oliveira Arranjo para Sopros: Marcelo Martins.

Faixa 2:

Bateria, Tambores e Reco-Reco: Marcelo Costa Guitarras: Pedro Sá Baixo: Fernando Nunes Agogôs: Luiz Brasil e Marcelo Costa Maculelê: Moreno Veloso, Pedro Sá, Marcelo Costa e Jaques Morelenbaum Caixas: Boghan e Du Torpedo: Léo Bit Bit Teclado: William Magalhães Piccolo: Carlos Malta Clarinetas: Paulo Sérgio dos Santos e Lucia Morelenbaum Trompas: Philip Doyle e Antônio Augusto Cordas* Arranjo para Orquestra: Jaques Morelenbaum e Luiz Brasil Arranjo para Percussão: Marcelo Costa Violino Spalla: Giancarlo Pareschi Violino (coordenação): Paschoal Perrota.

Faixa 3:

Bateria: Marcelo Costa Violão e Guitarra: Luiz Brasil Baixo: Jorge Helder Timbaus: Jó, Du e Gustavo de Dalva D'Jembês: Márcio Victor, Boghan e Léo Bit Bit Agogôs: Léo Bit Bit, Jó e Boghan Surdo: Márcio Victor Chocalho: Boghan Flautas: Marcelo Bernardes e Carlos Malta Flugels: Walmir Gil e Flávio Melo Trombones:Vittor Santos e Ulisses de Abreu Sax- Alto: Zé Canuto Saxes-Tenores: Marcelo Martins e Daniel Garcia Sax-Barítono: Sueli Farias Arranjo para Sopros: Jaques Morelenbaum.

Faixa 4:

Violão: Caetano Veloso Cello solo: Jaques Morelenbaum Violões: Luiz Brasil Baixo: Jorge Helder Bateria:Marcelo Costa D'Jembê solo e Conga: Márcio Victor Surdo: Du Conga: Jó D'Jembês: Márcio Victor e Jó Timbaus: Márcio Victor e Du Aro de Bacurinha: Márcio Victor, Marcelo Costa e Luiz Brasil Trompas: Philip Doyle e Ismael de Oliveira Flautas: Andrea Dias e David Ganc Trompete solo: Walmir Gil Trompete: Flávio Melo Flugel:Walmir Gil Trombones: Vittor Santos e Leonardo San Leandro Sax-Alto: Marcelo Martins Saxes-Tenores: José Carlos Ramos (Zé Bigorna) e Daniel Garcia Sax-Baritono: Sueli Farias Cordas* Arranjo para Orquestra: Jaques Morelenbaum.

Faixa 5:

música incidental: London, London Caetano Veloso. Piano e Palmas: Caetano Veloso Bateria: Marcelo Costa Aro de Bacurinha: Du, Jó e Léo Bit Bit Repique Grave: Boghan Timbau de Baqueta: Márcio Victor Timbaus: Du, Jó e Márcio Victor D'Jembês: Léo Bit Bit, Boghan e Márcio Victor Piccolo: Andrea Dias Clarinetas e Clarone: Eduardo Morelenbaum Arranjo para Madeiras: Jaques Morelenbaum Arranjo para Percussão: Marcelo Costa.

Faixa 6:

Violão: Luiz Brasil Baixo Acústico: Zeca Assumpção Bateria: Marcelo Costa Pandeiro, Afoxé, Triângulo e Sininho: Márcio Victor Clarinetas: Lucia Morelenbaum e Eduardo Morelenbaum Trompas: Philip Doyle e Ismael de Oliveira Cordas* Arranjo para Orquestra: Jaques Morelenbaum.

Faixa 7:

Marimbas e Vibrafone: Jota Moraes Carrilhão: Pinduca Kalimba e Samples dos Tambores: Ramiro Mussoto Berimbaus: Ramiro Mussoto, Marcelo Costa e Luiz Brasil Tambores: Luiz Brasil e Marcelo Costa Talking Drum e Block: Marcelo Costa Palmas: Luiz Brasil, Ramiro Mussoto, Marcelo Costa, Jorge Ribeiro, Dadi, Davi Moraes, Moreno Veloso e Jaques Morelenbaum Arranjo: Jaques Morelenbaum.

Faixa 8:

Vozes: Caetano Veloso e Moreno Veloso Guitarra: Davi Moraes Baixo: Dadi Violões Tenores: Moreno Veloso e Luiz Brasil Pandeiro: Gustavo de Dalva D'Jembê solo: Márcio Victor D'Jembês: Boghan, Léo Bit Bit e Moreno Veloso Timbaus: Du, Jó e Márcio Victor Pratos: Moreno Veloso, Marcelo Costa e Luiz Brasil Berimbau:Léo Bit Bit Pandeirada: Moreno Veloso, Du, Jó, Márcio Victor, Boghan e Léo Bit Bit Palmas: Davi Moraes, Dadi, Moreno Veloso, Luiz Brasil, Marcelo Costa e Jaques Morelenbaum Vocais: Paula Morelenbaum, Nara Gil, Belô Veloso, Moreno Veloso, Pedro Sá, Kito, Daniel Jobim e Jaques Morelenbaum Arranjo: Moreno Veloso e Galera do Sol Quente.

Faixa 9:

Participação Especial de Maria Bethânia e Carlinhos Brown, gentilmente cedidos pela gravadora EMI Music Bateria com bumbo preparado, Loop do Chiquinho, Tubos de PVC, Steel Drum, Campana, Saba e Caixa: Carlinhos Brown Pandeiros: Carlinhos Brown, Márcio Victor, Jó e Du Tonéis: Carlinhos Brown e Boghan D'Jembês: Carlinhos Brown e Léo Bit Bit Timbaus: Jó, Du e Boghan Atabaque: Márcio Victor Caxambu: Léo Bit Bit Vocais: Nara Gil, Paula Morelenbaum e Belô Veloso Arranjo para Percussão: Carlinhos Brown ("Que navio é esse." - Canto de Capoeira - D.P.)

Faixa 10:

Bateria: Marcelo Costa Guitarras e Violão: Luiz Brasil Baixo: Jorge Helder Timbaus: Jó, Du, Márcio Victor, Gustavo de Dalva e Boghan D'Jembês: Márcio Victor, Jó, Leonardo Reis e Léo Bit Bit Surdos: Gustavo de Dalva, Léo Bit Bit e Boghan Repique: Jó Bacurinhas: Du e Marcelo Costa Trompete: Flávio Mello Trompete e Flugel: Walmir Gil Trombones: Vittor Santos, Ulisses de Abreu e Leonardo San Leandro Tuba: Eliezer Rodrigues Arranjo para Metais: Luiz Brasil.

Faixa 11:

Violão: Caetano Veloso Cello solo: Jaques Morelenbaum Baixo Acústico: Zeca Assumpção Caixas: Márcio Victor, Marcelo Costa, Du e Jó Pandeiro e Tamborim: Márcio Vitor *Cordas Arranjo para Orquestra: Jaques Morelenbaum.

Faixa 12:

Bateria: Marcelo Costa Guitarras: Luiz Brasil Baixo: Fernando Nunes Timbaus: Jó, Du, Boghan e Márcio Victor D'Jembês: Leonardo Reis, Gustavo de Dalva e Léo Bit Bit Bacurinhas: Du, Jó e Léo Bit Bit Palmas: Márcio Victor, Leonardo Reis, Jó, Du, Marcelo Costa, Boghan, Gustavo de Dalva e Léo Bit Bit Trompetes: Flávio Melo, Nelson Oliveira e Jesse Sadoc Trombones:Vittor Santos e Leonardo San Leandro Trompas: Philip Doyle e Ismael de Oliveira Sax-Alto: Zé Canuto Sax-Tenor: Marcelo Martins Sax-Barítono: Carlos Malta Arranjo para Metais: Jaques Morelenbaum e Luiz Brasil.

Faixa 13:

Bateria: Marcelo Costa Violão: Luiz Brasil Baixo Acústico: Jorge Helder Rum, Rumpi e Lé: Marcio Victor Agogô:Jó Palmas: Caetano Veloso, Luiz Brasil, Jó, Du, Márcio Victor, Jaques Morelenbaum, Jorge Helder, Marcelo Costa e Jorge Ribeiro Flautas em sol: Carlos Malta, Andrea Dias e David Ganc Flugels: Nahor Gomes e Jericó Saxes-Alto: Proveta e Hudson Nogueira Saxes-Tenores: Vitor Alcântra e Vinícius Assumpção Dorin Sax-Baritono: Ubaldo Versolato Trombones: François de Lima e Valdir Ferreira Trompas: Philip Doyle e Antônio Augusto Tuba: Drauzio Chagas Arranjo para Sopros: Luiz Brasil (a partir do violão de João Gilberto).

Faixa 14:

Violões: Caetano Veloso e Luiz Brasil Bateria e Surdo: Marcelo Costa Baixo Acústico: Jorge Helder Violão 7 Cordas: Maurício Carrilho Cavaquinho: Pedro Amorim Pandeiro e Chocalho: Márcio Victor Flautas: Marcelo Bernardes e David Ganc Flautas em sol: Carlos Malta e Andrea Dias Oboé e Corne Inglês: Luís Carlos Justi *Cordas Arranjo para Orquestra: Jaques Morelenbaum.

*Cordas Violinos: Michel Bessler, Eduardo Hack, Carmelita Reis, José Alves, Ricardo Amado, Alfredo Vidal, Bernardo Bessler, Walter Hack, João Daltro e Paula Barbato Violas: Jesuína Passaroto, Frederick Stephany, Marie Christine Bessler e Jairo Diniz Cellos: Márcio Mallard, Alceu Reis, Yura Ranevsky e Marcelo Salles Contrabaixos: Ricardo Cândido e Denner Campolino.
















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