Alain? (06/03/2011)
Alguém me disse que DVDs piratas de filmes indicados ao Oscar estão por R$ 20 em pontos de venda nas áreas nobres da Zona Sul do Rio. Há pouco tempo o preço era R$ 5. Neguinho compra hoje um DVD ilegal por um preço que faz pouco era o que se pagava na Modern Sound. Bem, R$ 15, me dizem, se for um filme comum. Mais caro se for “filme do Oscar”. Devemos pensar primeiro na inflação ou nos copyrights? Os filmes têm diretores, produtores, roteiristas, músicos, fotógrafos — e pelo menos esses vivem dos proventos gerados pelos direitos de cópia. Isso para falar em termos gerais, americanizados, em vez de fazer referência ao direito do autor, mais específico. Que se vendam cópias piratas assim com tanta facilidade em bairros de gente fina é sinal de que o respeito à propriedade intelectual está mesmo em baixa. Que o preço dessas mercadorias ilegais tenha subido tanto e tão rapidamente mostra ao mesmo tempo que o sucesso da pirataria é inegável e que a inflação está aí assombrando mais do que Natalie Portman. Como educar seu filho para que ele não baixe obras artísticas de graça na internet? Eis uma velha (já bem velha) pergunta que exige ser repetida. É o outro lado da moeda da discussão que finge resumir-se a Creative Commons versus Ecad, Gil versus Ana ou mesmo (incrível!) direita versus esquerda.
O esquerdismo de Emir Sader (que é do tipo torcida organizada) apareceu num comment que vi na internet (ao ler uma entrevista de Grassi num site) como oposto a uma suposta regressão conservadora da ministra Ana, que não age como se a internet fosse grátis e devesse ser sempre livre. Na mesma página, um outro cara (ou teria sido o titular de um outro site a que cheguei a partir de um link encontrado naquele?) caracteriza o ex-ministro Gil e “seu parceiro” (serei eu ou será o Juca?) de “direitaças”. Sader dançou da Casa Rui (coisa pela qual eu torcia) e saiu demonstrando estar mais para o Lessig do que para o Aldir. Bagunça no PT. Eu, fora de partidos e torcidas organizadas (as desorganizadas são mais abertas à racionalidade, mesmo quando parecem caprichos de indivíduos), continuo crendo que a ministra Ana pode estar demonstrando cuidado com o tema, não necessariamente birra com o grupo Gil. Sou demasiado otimista? Ou quem sabe simplesmente gosto de quando há bagunça no PT?
Mesmo com o fantasma estatista que ronda tudo o que é francês, os argumentos da comissão que estudou a questão dos direitos na internet para o governo Sarkozy me animam quando exumam a ideia do autor soberano. Eles são contra a Lei Kassin, como apelidaram a sugestão do meu jovem colega alguns amigos de ambos os lados do espectro da discussão (realmente somos obrigados aqui a abandonar o esquema esquerda/direita: devo ser de direita, pois, como dizem que dizia Alain, tendo a ficar contente quando essa divisão some). A Lei Kassin não desagradou a gregos nem baianos. É proposta parente da de Attali e, me dizem, pertencente a uma desenvolvida família de hipóteses baseadas na ideia de licença universal. Quem melhor defendeu o argumento da licença universal, também em conversa comigo por e-mail, foi José Marcelo Zacchi. Zé Marcelo pondera os riscos de os que defendem os direitos se aferrarem a reações aristocráticas contra “a bela ideia (que é a da web) da cultura e conhecimento humanos acessíveis a todo mundo em segundos”, sem deixar de avaliar o risco que correm os defensores dessa bonita possibilidade de tornarem-se deslumbrados e desatentos ao conceito de direito intelectual. O que o leva a lamentar que, no estágio atual da discussão aqui no Brasil, o perigo seja de “o embate estabelecido aproximar a ministra desses flertes (ele se refere aos flertes com aristocratismos passadistas), e da reação a isso conduzir os críticos da ministra ao lugar de desapropriadores levianos ou infantilizados”. Aproximando-se até mesmo de um argumento dos franceses estatizantes, ele diz: “Topava inclusive a presunção de algum subsídio público (via abatimento de tributação, por exemplo) para fechar a conta, em nome da bela ideia.” Isso para complementar a proposta de licença universal, que basicamente, consistiria na “circulação livre de arquivo de cultura e conhecimento na web e remunerando-a com a cobrança de provedores e/ou sites (naturalmente repassada aos consumidores, como custo que seria), tal como acontece com a arrecadação de direitos junto a rádios, TVs e outros exibidores. Essencialmente, tratar a internet como tratamos a execução pública de músicas”. Reconhecemos traços da Lei Kassin.
O dilema do pirata, o culto do amador, as portas da percepção (este último título tendo vindo à mente por causa das profecias de Mautner lembradas por Hermano na semana passada): não faço aqui mais do que narrar e comentar as conversas que consigo ter a respeito da questão direitos versus internet, por crer que a mera familiarização de alguns com o nível de papo a que tenho acesso possa ajudar na busca do equilíbrio. Penso muito nos internautas que se tornaram meus amigos por dialogarmos no blog que mantive durante a feitura do “Zii e zie”. Posso aguentar internautas irados comigo (quando faço o número “nem um centavo dos meus direitos”), menos os daquela turma que acompanhou todo o projeto. Penso também em Augusto de Campos (aos 80) dizendo que a internet é, para quem sabe buscar, uma maravilha.
Caetano Veloso.
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