Política é o fim (29/08/2010)
Fiquei danado da vida com a Dilma foi quando ela disse que ser contra o Estado grande era coisa "de tupiniquim". Isso parece ter se dado há séculos, tal é a velocidade com que corre o tempo na campanha eleitoral. Leio muito que há tédio etc., mas o que vejo é uma voragem em que o tempo voa. De modo que lembrar que Dilma disse isso deve dar a impressão de que eu sou um tucano me agarrando a um erro do passado remoto para implicar com a candidatura de Lula. Disse aqui que estava com Dilma, fazendo piada com o fato de ela querer a independência do Banco Central, enquanto Serra é contra. Claro que escrevi isso porque a "esquerda" é que deveria ser contra tal independência, enquanto a "direita" deveria defendê-la. E como na política vulgar Dilma é esquerda e Serra é direita, a inversão me excitava. Não tenho posição definida a respeito do assunto. Meu intento era parecer invulgar. Mas a história do "tupiniquim" é fogo.
Apesar de Obama ter nacionalizado a GM, os Estados Unidos seguem sendo um povo que não ama a presença do Estado em toda parte. O mesmo para a Inglaterra. E os países da Europa continental procuram enxugar essa presença contra a própria tradição. Mesmo a Suécia vem votando pela diminuição do Estado. E depois da crise mundial essa tendência vai sendo retomada o mais rápido que se pode. A GM já está voltando a ser plenamente privada. Na verdade, só gente como a gente, "tupiniquim", vem mantendo a fé no Estado pai, provedor, protetor e vingativo. Na fala de Dilma a história aparecia invertida. É em oposição a essa Dilma que devemos situar a Dilma atual, a que parece que vai vencer as eleições.
Governos têm de se defrontar com as forças da realidade. E essa crítica à provável futura presidente é pressão sobre as ações do seu governo. Este tem de saber que há gente de olho, que o assédio não é só exercido pelos partidos aliados, os movimentos sociais e os sindicatos. Muito menos apenas pelos bancos e os empresários. É também pela eventual lucidez que se dá em algumas cabeças. Essas algumas podem ser muitas. Podem parecer que são "todas", como agora com relação a Lula. Pois é o bem-estar da estabilidade e do crescimento que faz Lula multiplicar a força de sua figura histórica. Dilma promete ser a manutenção do que está bom. Qualquer desilusão com essa imagem pode mudar tudo. Meu desejo é que Dilma não desiluda ninguém quanto ao que foi conseguido nos anos Lula e FH (como é cantado em minha canção "Lapa"). Mas se ela se eleger e não desiludir, o governo dela terá que ter superado o que a fez dar a declaração sobre os "tupiniquins". Na linha de blogs governistas, que citavam o número de "The Economist" sobre a melhora do Brasil como uma resposta aos liberais brasileiros dada pelos liberais do mundo rico, Dilma via as ações anticíclicas deste como uma prova de que ela e Lula estavam afinados com o mundo desenvolvido, enquanto nós, os "tupiniquins", ainda estávamos na lenda do "Estado mínimo". Brasileiro nem tem ideia do que seja Estado não gigante. A mulher da esquerda chilena que foi presidente não diria nada parecido. Nem agiu a partir desse pressuposto. Pinochet tinha feito o trabalho de abrir o caminho. aqui, Collor abriu o mercado, Fernando Henrique estabilizou a economia e Lula soube aproveitar. Não vão querer estragar tudo agora só porque há quem creia que o PT mantém certas coisas apenas em "respeito a contratos", mas que o fito é o comunismo de que sua permanência no poder sustenta o sonho.
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Li artigo de Delfim Neto em que ele parecia ser menos simpático à independência de bancos centrais do que sonha a vã filosofia da esquerda que o odiava quando ele tocava o milagre brasileiro de modo essencialmente semelhante ao que fez o Partido Comunista da China: mão de obra barata, arrocho salarial e mordaça nos trabalhadores. Esse mundo é um pandeiro.
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Liv Sovik, Celso Athayde e "The Economist" são, nessa ordem, as entidades mais citadas nesta coluna dominical até aqui. Nada é sem razão de ser. Nesta semana em que "5xFavela" exibe uma configuração racial tipo Estudantina e Recôncavo da minha infância, "The Economist" critica o livro de Larry Rohter sobre o Brasil por ele dizer que o racismo brasileiro é igual ao dos Estados Unidos e que negar isso só torna as coisas piores. Para a revista, isso soa tão estranho quanto para mim. Mas Liv não concorda comigo. E Celso julga que é seu dever esforçar-se para não concordar. Liv e Rohter são americanos. Celso é cúmplice do esplendoroso projeto que deu em "5xFavela". O filme também assume (com grande nobreza) um olhar esperançoso que os cineastas da classe média não se sentiriam à vontade para assumir. O Brasil que vejo ali se parece com Marina, não com Dilma ou Serra: é mulato, cafuso e inocente de complicações inúteis - mas realista. Minha aposta é que Celso terá mais presença neste espaço daqui para a frente do que a adorável revista dos liberais ingleses e a pensadora suíça da estranha esquerda americana.
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