Pontos teimosos (06/02/2011)
Minha posição pessoal referente à questão dos direitos autorais é idêntica à que atribuí a Jorge Mautner no domingo passado: ninguém toca em nem um centavo dos meus direitos. Um amigo me escreveu da Bahia dizendo que eu usei Mautner como as Forças de Defesa de Israel usam escudos humanos palestinos. Claro que meu amigo anda em ambiente de esquerda: quando fala em escudos humanos palestinos não pensa sequer que extremistas muçulmanos possam fazer uso do expediente — tem que ser a força israelense. Mas talvez ele quisesse dizer que minha posição, que deveria estar lhe parecendo pró-internetetes, coincide com a direita. Bem, não dá para decifrar o que ou quem é esquerda ou direita nessa discussão complicada. O Creative Commons é tido como comunismo cibernético. Não é. Mas há um inglês, radical na mesma linha, que assim se caracteriza. E a complicação da discussão pode ser medida pelo fato de que outro amigo meu, também baiano, me escreveu e, parece que supondo que eu estou com os letristas mineiros e com o Aldir, acusa quem defende os direitos autorais contra a troca livre na internet de “neofobia”.
Acabo de ler sobre a grande discussão provocada na Espanha pela lei que procura dar conta da propriedade intelectual diante da realidade da internet. Como todos, sinto-me perdido. Mas o princípio do direito de autor é límpido e eu posso dizer que agarro-me a ele nesse momento obscuro. Não porque preciso agarrar-me a qualquer coisa. Mas porque recuso-me a fingir que vejo a internet como um grande bem que se instaurou entre nós e nos fez mais democráticos. A internet não é, nem nunca me pareceu, algo bom. Nem mau. Ou melhor: sei que é bom (veja a Tunísia e o Egito). E sei que é mau (veja o monte de burrice e loucura que se produz no mundo virtual e seu nefasto efeito de retirar de nós a confiança no que lemos e ouvimos — e de destruir toda mediação que nos possibilita selecionar). Andrew Keen, que escreveu “O culto do amador”, é um moralista de tom panfletário. Mas no essencial ele tem razão. Ou pelo menos não podemos descartar as questões que ele coloca. Li livros que advogam o contrário — do de Lessig (inventor do CC) a um chamado “O dilema do pirata”. Este último cheio de argumentos, histórias e exemplos que tampouco podemos ignorar. Mas o de Keen resulta mais forte em mim. É porque acho que devemos respeitar os direitos autorais. Sem concessões. A internet que se vire. Ela e toda sua multidão de internautas em blogs e redes sociais que se vejam na situação de introjetar as leis da vida off-line, a nossa vida. Daqui de fora, podemos exigir.
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Estou adorando Dilma. Lula era muito show business (eu já sou saturado do elemento). Dilma mandou guardar a Bíblia e o crucifixo, adiou a decisão sobre a compra dos caças, portou-se magnificamente bem na Argentina. O ministro Patriota já soa como um alívio depois das trapalhadas em tom elegante do seu predecessor. Dilma parece presidir. Claro que temos todos os problemas de grupos disputando cargos e influência — além do grande problema Brasil de sempre: obscena distribuição de renda, educação miserável, infraestrutura “tudo-ainda-é-construção-mas-já-é-ruína”, impotência para controlar os gastos. Sei que estamos no período de lua de mel com a presidente. Mas temos muitas razões para estar confiantes. Se a inflação global não tornar tudo impraticável, Dilma pode fazer um governo muito decente. Sou insuspeito: não votei nela nem aprovei o tom com que Lula e sua turma tocaram a campanha. Mas que tá bom, tá. Serra, nem pensar.
Há quem reclame por eu falar de política. Há quem se ressinta da obscuridade do meu estilo. Mas não tenho vontade de abandonar este espaço. Quando li uma entrevista horrorosa que dei recentemente, me senti dispensado de sofrer: tenho minha coluna no GLOBO, as pessoas podem ver como me expresso, de que modo é que sou confuso, quais os pontos teimosos de minha verve opinativa. Quanto à entrevista, não vou culpar os jornalistas: agora sou meio colega e a tradição corporativa da imprensa precisa se manter — sobretudo quando os grandes jornais se veem ameaçados pelo democratismo da internet (não são só os direitos autorais e a Modern Sound que se extinguem). E falo de política porque não quero falar de música. Política me excita. Música me entedia. Tom Jobim já dizia que é besteira pedir a entrevistadores que falem de música com os músicos: estes gostam de tocar, mas quando conversam querem falar sobre política, futebol, sexo, religião. E desde o começo me prometi tratar o mínimo possível de música aqui: não quero me defender criticamente. Embora, claro, talvez o faça sem perceber — e um dia venha a precisar fazê-lo de forma ostensiva. Quem sabe?
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Na Bahia faz-se força para evitar a construção do Porto Sul, com sua ferrovia e seu pátio de minérios. Sou pelo desenvolvimento e por Dilma, torço pela economia brasileira, mas amo demais a Mata Atlântica ao redor de Ilhéus.
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Não gostei de “Biutiful”. É o esquema naturalista: crer que se vai mais fundo quando se encara a degradação. Gostei de “Tio Boonmee”, um filme bem maluco, muito bom de contar depois. Quando se vai dizer a quem não viu o filme sobre o que é que ele é, descobre-se quão fascinante é aquilo. Mas já bastava a imagem da búfala na luz da manhã, no prólogo. Eu poderia fazer disto aqui uma coluna gozada de crítica de cinema.
Caetano Veloso.
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