Volta (23/01/2011)
Cheguei ao Rio. Só tive voz para gravar uma mensagem de orientação aos que querem ajudar as vítimas das chuvas na serra. Vim direto do aeroporto para a Zona Sul, e a sensação é a de ter chegado a uma cidade bem mais cuidada do que Salvador. Não senti isso quando cheguei do Recife. Nem de Fortaleza. Mas o que mais me abalou foi ler sobre o plano de construção de uma ferrovia desembocando entre Ilhéus e Itacaré para facilitação da exportação de ferro (já que a China começa a pressentir a queda da produção australiana). Saber que se vai mexer no que o cacau ajudou a preservar de Mata Atlântica no Sul da Bahia é sempre doloroso para mim. Manter um pátio de minério poluindo aquela beleza de verde (é mesmo um verde vegetal único o que a gente ainda vê em grandes áreas da região) me soa como um pesadelo.
O que eu esperava é que se ressuscitasse muito do que foi já destruído, incentivando as experiências de novas formas de cultivo de cacau, não que as movimentações da economia nacional viessem a completar o trabalho sinistro da vassoura de bruxa (trabalho cujos começos estão envolvidos em tantas lendas políticas apavorantes - e não totalmente esclarecidas - que não dá vontade de mencionar). Dizem que, durante a campanha para a presidência, todos os candidatos foram procurados por quem quer cuidar da Mata Atlântica para que se posicionassem em sua defesa, caso a ameaça do Porto Sul (com ferrovia, porto avançado e parque de minério) crescesse. Só Marina Silva se posicionou. Bem, dirão, ela é "verde". Eu não sou verde. Mas continuo com Marina.
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Minha voz não tinha voltado, mas fui à Lapa participar da festa que a Orquestra Imperial organizou (no sentido de "eu organizo o movimento", ou melhor, "eu oriento o carnaval") para os 70 anos de Jorge Mautner. Foi bom não ficar só na Zona Sul. Ver o Centro e particularmente a Lapa manteve a impressão de que o Rio está muito mais bem cuidado do que a cidade da Bahia. E Mautner (carioca/paulistano/universal) foi mais uma vez uma experiência singular. Ele sempre surpreende. Mesmo as canções ultraconhecidas soam alarmantemente incomuns quando reouvidas à luz das muitas outras. Leo Tomassini me disse que a Orquestra Imperial é a Tropicália viva. Em pleno Circo Voador, pareceu-me que não seria imodesto concordar. Com Nelson Jacobina (parceiro mais frequente - e tantas vezes genial - de Jorge), Kassin, Moreno, Thalma, Rubinho, Nina, Berna, Pedro, Bartolo, Das Neves, enfim, não dá para pôr a lista toda dos nomes (mesmo porque eles flutuam um pouco), essa orquestra vem revitalizando nosso repertório de sempre e nosso jeito de tocar, cantar e produzir espetáculos.
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Será que o diálogo entre os amantes da internet e os defensores dos diretos autorais não vai melhorar (mostrar-se mais equilibrado) com a mudança no MinC? Soube que o site do MinC não usa mais as licenças Creative Commons. Será uma decisão sensata ou um gesto de caracterização do novo ministério como oposto ao anterior quanto às questões que envolvem direitos, reprodutibilidade e difusão? As licenças CC deixam de valer para o que já estava licenciado assim? Pode? Não seria o caso de passar a não licenciar apenas os novos comunicados e conteúdos? É mesmo ruim que o MinC tivesse usado essas licenças? Como já contei aqui, sei que alguns colegas meus odeiam a ideia de Creative Commons. Mas outros adoram. O MinC deveria querer mostrar assim de cara que concorda com os primeiros? E a motivação deveria ser essa? Não sei. Sou devagar em matéria de direitos e de grana. Mas tenho intuições eventualmente utilizáveis. "Eventualmente" na acepção portuguesa, e não inglesa, da palavra (assim como aquele meu famoso - ou infame - "indulgi", o uso de "eventualmente" tem sido com muita frequência um anglicismo). Na verdade li o artigo da "The Economist" sobre a proposta de "neutralidade da rede" e tendi (com meu penchant liberal) a concordar com a visão da revista. Peço desculpas ao leitor não especializado na matéria por falar tão relaxadamente sobre assuntos tão complicados. É que estou me dirigindo aos técnicos no assunto e aos responsáveis pela orientação oficial a respeito. Ao leitor comum apenas relembro que há uma discussão difícil que tenta acompanhar juridicamente as mudanças deflagradas pelo surgimento da internet. A "Economist" vê desrazão tanto entre os entusiastas da liberdade total da rede quanto entre seus oponentes. Eu tendo a pensar assim. Sou de centro? Bem, quando eu mantinha um blog (para acompanhar a feitura do "Zii e zie"), alguém escreveu lá que ou você é de esquerda ou é de direita, "de centro, só Deus". Eu nunca tinha pensado nesses termos. Mas devo reconhecer que tinha razão um comentarista (de quem me fiz amigo) ao dizer que eu soava arrogante a cada vez que dizia coisas tipo "não estou em cima do muro: sou artista, portanto estou sempre muito acima do muro". Espero que, sendo a ministra educada, sendo o Fernando Brant e o Ronaldo Lemos educados, e sendo Hermano Vianna e o Ronaldo Bastos educados (e Aldir e Sandra de Sá e...), as concórdias e discórdias resultem em conversa produtiva que ajude a levar o Brasil para a frente sem perder a dignidade.
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Não quero ser repetitivo, mas acho que os governos estadual e municipal (sem mencionar o federal) deveriam ter tomado decisões drásticas (algumas óbvias) a respeito dos riscos das chuvas na serra. É entristecedor ler sobre o que se passou em cidades que amamos desde pequenos.
Caetano Veloso.
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