Blog? (09/09/2012)

Não entendo nada mesmo de internet. Quer dizer, li e ouvi histórias sobre sua invenção, recebo e escrevo e-mails e dou umas olhadas no Google e no YouTube. Mas para onde vai tudo o que escrevemos, gravamos e desenhamos on-line? Essas perguntas neometafísicas me ocorreram por causa de uma observação de Hermano Vianna sobre o sumiço do blog Obraemprogresso. Foi num artigo em que ele celebrava meu aniversário. Quase não agradeci a ninguém pelas homenagens e pelos carinhos. Sabia que não saberia fazer isso. Agora mesmo, não estou agradecendo a Hermano. Pelo menos não como devo. Apenas lembrando o detalhe dessa pergunta pelo blog. Será que desapareceu para sempre?

Hermano tinha me dito que a gente fechava o blog e ele ficava ali aberto a visitação, como se fosse um museu, embora ninguém pudesse mais postar comentários ou o que fosse. Quando li que ele nada encontrara ao procurá-lo, pensei que fosse uma brincadeira. Mas senti que o tom era mais para o sério. Fui conferir. De fato não se vê mais nada. Tenho aqui no cabeçalho do vídeo do meu laptop “obraemprogresso” ao lado de um quadrilátero feito de linha interrompida. Acho que aprendi que isso indica que aquilo que o quadrilátero representa não se abre mais, não tem onde esteja. Não me lembro de tê-lo visto com linhas inteiras. Não sabia desse código. Sei agora? Não. Apenas suponho. O fato é que “Firefox can’t find the server www.obraemprogresso.com.br” (Firefox não pode encontrar o servidor obraemprogresso.com.br). Hermano falou em nuvem. E se lamentou. Eu também lamento a desaparição dessa parte tão interessante da minha vida.

No blog eu escrevia mais do que aqui. E lia dezenas de comentários de pessoas que depois se tornaram amigas ou camaradas. Tem reflexões tão irresponsáveis quanto as que fazemos em conversas de bar. Tem diálogos amigáveis e polêmicos sobre mil assuntos. Não sei desde quando a linha tornou-se pontilhada (será que é mesmo esse o sinal?). Mas fiquei meio vazio por dentro quando li a resposta do buscador. Por exemplo: agora mesmo estou a meio (meio mesmo) da enorme “Gramática Pedagógica do Português Brasileiro”, de Marcos Bagno, e adoraria reler as discussões que tive sobre e com os sociolinguistas. Na verdade, com alguns amigos que militam nas causas que movem uma certa esquerda desse grupo. Bagno a representa com intensidade. Nessa gramática ele mostra grande erudição e cuidado. Sempre mostra conhecimento de causa. Não vou comentá-la aqui (e se o fizesse seria em tom amadorístico). O que comento é sobretudo a falta que me faz o nosso velho blog quando um livrão desses me cai na mão.

Foi André Valente (a quem nunca mostrarei gratidão bastante por ele ter levado meu filho mais velho a se interessar pela língua portuguesa, por gramática e por literatura) quem mo enviou, para usar uma forma quase ausente do português do Brasil. Sempre gostei da expressão “português brasileiro”. Não que eu esteja assim convencido de que podemos, do mesmo modo, falar de um “espanhol chileno”, um “espanhol salvadorenho”, um “espanhol mexicano” etc. Essas denominações (que Bagno defende) me parecem obedecer demais as linhas de fronteira entre países da América Espanhola. O Brasil, como em tantas outras coisas, é um caso diferente. De fato há um português brasileiro, que se diferencia do português europeu: o Brasil é distante, imenso e uno. A América Espanhola foi se dividindo em áreas que afinal se tornaram países com as fronteiras que têm hoje.

Eu disse que não ia comentar o livro e já estou insinuando comentários. Mas eu precisaria de meu amigo baiano contrabaixista que ama os sociolinguistas para fazer o contraponto. Ele ia ficar feliz com os elogios que eu teria para Bagno, mas estrilaria com minha implicância e com minha discórdia (não são a mesma coisa). O que mais me interessa é o amadurecimento de um programa para o letramento da massa brasileira. Como disse Mangabeira, modas pedagógicas não ajudam. Tem de haver uma sabedoria que brote como que repentinamente de vários lados, os quinaus dos sociolinguistas podendo contribuir bastante. Esse desejo me deixa um tanto impaciente com as firulas. Sempre vi o sucesso dos professores de gramática na mídia como um bom sintoma: é a fome que os brasileiros têm de conhecer e dominar os mecanismos da língua. A vaidade, a vergonha de errar, a alegria de entender — tudo isso é amável. E todo esse saber que se desenvolveu com as gravações da fala de pessoas de várias classes e regiões não pode se opor tão facilmente às regras que se organizaram séculos antes de o gravador portátil ser inventado. Também gosto de “poetisa” e “maestrina”, mas não gosto de “presidenta”.

Caetano Veloso.

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