Aldir Blanc
Os sambas de Aldir Blanc com João Bosco são marco histórico da nossa música popular. Pós bossa nova e pós renascença do samba carioca - também pós Gilberto Gil - esses sambas já se mostraram, desde suas primeiras encarnações, uma força estética irresistível. Clementina de Jesus cantando "Incompatibilidade de gênios" - naquele disco fundamental para minha formação da maturidade, aquele disco luminoso, que revelava e ocultava o ser da canção do Brasil, aquele apresentado como sendo um disco de Clementina com Carlos Cachaça - é uma dessas coisas que a gente absorve com a certeza que diz "isso é tudo para mim". A faixa iluminava o que há de bom e profundo em "De frente pro crime", "Mestre-sala dos mares", "Bala com bala"... E influiu no modo de Bosco cantar seus próprios sambas. Aldir e Guinga compuseram todo o repertório do Catavento e Girassol de Leila Pinheiro. Exuberância. E ninguém é brasileiro sem sentir emoção indescritível diante do canto de Nana em "Resposta ao Tempo". É comovente saber que Blanc morreu na Vila Isabel. Esse nome de princesa continuará marcando a batida do nosso andamento. Não falo em "O bêbado e a equilibrista" porque este é samba que fala demais por si mesmo e também porque dele se fala já muito. Só registro que não me agradou muito quando foi lançado. Mas hoje entendo quando pesquisas midiáticas dizem que ele está sempre entre "as melhores canções brasileira de todos os tempos". Em geral no topo. Quando esse samba apareceu, me lembro de ter dito a Antonio Cicero que eu o achava enjoativo. E de que Cicero respondeu enfaticamente: "Eu acho lindo!". Hoje saco. Mas fico sempre mais com "Incompatibilidade de Gênios". Se eu tivesse guardado a carta que Elis me escreveu do camarim para plateia do Trem Azul, eu teria aqui um meio de falar em incompatibilidade de gênios sem maiúscula e sem aspas. Mas Aldir deixa só saudade e encantamento.
Caetano Veloso, 04/05/2020.