Augusto de Campos

Augusto de Campos fez 85 anos. Para mim, o maior poeta vivo do Brasil. Ele vai ao fundo mais fundo da poesia - em sua história, em seu sentido entre as artes - e produz nisso mudanças estruturais cada vez que compõe um poema ou um conjunto de poemas. Conhecedor de música séria, ele, numa olhadela na situação da música popular do Brasil na metade dos anos 1960, prefigurou todo o programa tropicalista num artigo sobre a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos. E quando os tropicalistas afinal surgiram, fez o mais pertinente e eficaz acompanhamento crítico do movimento. Combativo criador da poesia concreta paulistana, Augusto até hoje não se deixa atrair por atitudes meia-boca. Mais louco do que os profetas, vê nítida a causa superior que o faz desprezar imparcialidades fáceis e equilíbrios convenientes. Em sua estética e em sua política reencontro sempre, com alegria e assombro, o mesmo homem que conheci em 1967 e que adorava Lupicínio Rodrigues. A olhadela que deu no que se passava com nossa canção então era embasada num amor natural por seu desenvolvimento. É mais exigente do que Adorno mas nunca desprezou o jazz. E cresceu ao som dos sambas que seu pai compunha.

Caetano Veloso, 17/02/2016. 

Hoje é aniversário de Augusto De Campos. Acho que ele faz 87 anos. É preciso ler Outro, seu mais recente livro de poemas: Augusto é, antes de tudo, poeta. Seu Outro, cujo título pode ser lido em português e em novinglês (significando uma espécie de oposto de "intro", a coda de um álbum, uma não-faixa bônus, um arremedo musical de saída) contém poemas transconcretos, sempre belos de se ver, difíceis de se entender e, por fim, mais belos depois de decifrados. Na verdade, Augusto é sempre poeta: quando lê romances ou ensaios, quando conversa, quando traduz, quando ouve música, quando observa o que se passa na simples canção popular. O tropicalismo não seria o que veio a ser se não nos tivéssemos encontrado. A Semana de 22 e, nela, a presença revolucionária de Oswald de Andrade são coisas que entraram em perspectiva para mim por causa de conversas com ele. E ele escreveu, antes de tudo isso, um artigo sobre a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo que prefigurava o essencial do que viríamos a querer dizer os tropicalistas. Quando o encontro (coisa que foi ficando muito menos frequente com as idades e as cidades diferentes), ele sempre tem algo instigante a dizer. Por escrito, para ficarmos no nosso campo, ele prestou à grande líder musical e política Erika Badu a homenagem crítica que ela merece - e que ninguém parecia estar disposto a externar. Co seu filho Cid, fez espetáculos de poesia verbi-voco-visual e gravou discos. No mais recente, uma coletânea de poemas de Emily Dikinson, musicados e cantados por Cid e declamados por Augusto, ouvimos sua voz de tradutor/poeta dizer os versos de Emily com um carinho emocionante. Augusto é, para mim, o maior poeta vivo do Brasil.

Caetano Veloso, 14/02/2018. 

Augusto de Campos faz 91 anos hoje. Motivo de grande celebração. Ele é uma das pessoas mais decisivas em minha vida, minha formação. Me mostrou onde eu estava em 1967. E me revelou Oswald de Andrade, Pound, Webern, Décio, Haroldo, Sousândrade. Revitalizou meu amor pela obra de Lupicínio. Principalmente, vim lendo sua poesia. Para mim ele é o maior poeta brasileiro vivo. E bem vivo.

Caetano Veloso, 14/02/2022.

Postagens mais visitadas deste blog

O Leãozinho (Caetano Veloso)

Os Argonautas (Caetano Veloso)

Nicinha (Caetano Veloso)