Bernardo Bertolucci

Tenho orgulho de ter tido proximidade, mesmo amizade, com Bertolucci. Uma das maiores figuras do cinema italiano de todos os tempos e uma pessoa que transmitia muita alegria no trato pessoal. Vi "O Conformista" em Londres, na BBC2. O filme ainda era novo. Como todo mundo que gosta de cinema, fiquei impressionado. Depois entrei de volta num Brasil em que "O último tango em Paris" estava proibido e assim ficou por mais de ano. Vi quando liberaram. Nem gostei tanto do filme. Tinha muito lençol sobre os móveis. Mas a presença de Marlon Brando era forte. Especial. Maria Schneider, apaixonante. E o filme furou a superfície da bolha que blindava o erótico contra o pornô. O Imperador que ganhou o Oscar é bacana. Mas meu filme preferido do Bertolucci maduro é "Assédio", que, além de ter aquele roteiro lindo de Clair, mulher de Bernardo, tem uma construção visual divina que leva a gente de um buraco num sobrado e aos poucos vai deixando ver que estamos na margem da escadaria da Praça de Espanha. Roma vai se revelando das tripas para fora. E o negro africano que toca um instrumento nativo sob uma árvore. Uma vez, na casa de Bernardo e Clair em Notting Hill Gate, Londres, ele me disse que a língua italiana não era boa para o cinema. O inglês seria mais congenial. Discordei aos berros: para mim, eu disse, basta que os personagens falem italiano para as imagens se valorizarem visualmente. Ele riu. No meu preferido "Assédio", as pessoas falam inglês e italiano. As duas línguas com que nos comunicávamos. Aprendi com ele que a palavra "viado" passara a significar travesti em italiano popular por causa da alta frequência de travestis brasileiros em Milão. Bertolucci me apareceu ainda jovem, no teatro Teresa Rachel, apresentado por amigos comuns, e tornou-se uma referência pessoal na minha Europa. Sinto saudade dele.

Caetano Veloso, 29/11/2018. 

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