Candolina e "Escola sem partido"
Fico angustiado ao ler sobre o projeto que chamam "Escola Sem Partido". Quando muito jovem, sonhei em ser professor, só pela importância que professores tiveram na minha formação. Apenas para começar a conversa, destaco Dona Candolina, a professora de português cujas aulas assisti nos dois dos três anos do segundo ciclo do secundário. Candolina era uma soteropolitana negra e extrovertida, embora muito discreta e rigorosa. Ela era temida pelos alunos desleixados e celebrada pelos atentos ao tema do uso da língua. Eu estava entre estes últimos. Mas mesmo os que a temiam reconheciam-lhe o valor. Fico pensando na dedicação daquela mulher ao preparar-se para a missão de ensinar. Muitos professores me abriram os olhos para o mundo, para a literatura e para a vida. Candolina é um símbolo dessa grandeza. Isso não pode ser ameaçado por ondas obscurantistas que sugerem uma intimidação dos mestres e uma suspeita permanente na alma dos alunos. Só um desejo violento de partidarizar o ensino poderia conceber ideias como as que aparecem no projeto de lei apelidado "Escola Sem Partido". Os professores são vários e seus modos de ensinar devem poder variar. Estudantes devem ser estimulados a pensar por conta própria. Tratar o tema a partir de restrições e estímulo a delações é desrespeitar algo sagrado. A escola é experiência que não deveria faltar a ninguém. Em homenagem a Dona Candolina, convido a quem me lê a observar com cuidado esse problema. Até aqui, nenhum governo, nenhum dos poderes do Estado posterior à redemocratização orientou ou limitou o ensino. Que não seja agora, na segunda década do século 21 que mitos absurdos ameacem o ofício do professor.
Caetano Veloso, 21/11/2018.