Dona Canô

Hoje é o primeiro 16 de setembro em que não estamos com minha mãe na missa e na festa em Santo Amaro. Até o ano passado, quando ela completou 105 anos, Dona Canô esteve presente e atuante em todos os lugares por onde se estendia o festejo. Da Igreja da Purificação à nossa casa na Rua do Amparo, ela nunca pareceu sentir incômodo com a balbúrdia. A casa é até larga, com duas alas ao lado da porta guarnecida por um portãozinho de ferro rendado. Mas é muito mais comprida (as outras, vizinhas, quando são estreitas, são igualmente longas, com corredores que chegam a quintais que vão dar na Estrada dos Carros). As festas de aniversário de minha mãe pareciam festas de largo, começando na calçada e se estendendo até o fundo do quintal. Minha mãe percorria várias vezes essa longura na cadeira de rodas, passando por tantos amigos e parentes de todas as idades. Para mim é uma data incrivelmente mágica o dia do nascimento de minha mãe. Ela era a vida. E era toda a sabedoria que a vida pode ter sobre si mesma. Tenho saudade do tempo em que ela, cabelo todo preto e muito curto, tocava prato no samba-de-roda (Edith era a mestra, mas minha mãe também tinha a pegada). Hoje não estou em Santo Amaro. Nem sequer estou no Brasil. Faz muito frio em Buenos Aires e chove. Mas está tudo bonito assim na madrugada. Sempre que consigo me sentir um pouco alegre, dou graças a minha mãe.

Caetano Veloso, 16/09/2013. 

Passei o dia e a noite pensando em minha mãe. O dia de Natal passou a ser também o dia em que ela morreu. Nunca imaginei que fosse achar tão difícil aceitar que ela tenha morrido. Era uma grande alegria tê-la viva. Claro que alegra também saber que ela viveu bonito por tanto tempo e morreu bonito num 25 de dezembro. Mas o mundo tem me parecido, desde então, muito pior. Infelizmente não sei rezar como ela chegou a saber. Talvez tenha aprendido (principalmente com ela) que reconhecer a beleza da vida é uma maneira de rezar. Hoje, no dia de Natal, sinto como é difícil reencontrar a beleza. Não temos, no entanto - e muito menos eu que sou filho dela - o direito de abandonar a festa. A festa de tudo o que há, que é o que significa o jeito como ela habitou este mundo. Ela pôde dizer que a ideia de um Natal feliz resiste a toda tristeza. O mais justo com sua memória é acertar a ser feliz. 

Caetano Veloso, 25/12/2013.

Tomávamos a bênção aos nossos pais todas as manhãs ao acordar e à noite antes de ir para a cama. Ouvíamos em resposta: 'Deus lhe abençoe' ou 'Deus lhe faça feliz' ou 'Deus lhe dê sorte'. Tratávamos nossos pais por 'o senhor' e 'a senhora', nunca podendo usar o 'você', íntimo no Brasil, embora essa fosse uma forma abreviada de 'vosmecê', um tratamento reverencial obrigatório até que, representando uma grande distensão, 'o senhor' e 'a senhora' vieram substituí-lo.

Caetano Veloso, 16/09/2017. Trecho de Verdade Tropical. 

Hoje é dia de aniversário de nascimento de minha mãe! Sempre um sentimento de festa. Calhou de ficar pra hoje o lançamento do single do meu primeiro álbum de inéditas em 9 anos. Se ela ouvisse Anjos Tronchos certamente diria com um sorriso alegre e balançando a cabeça em ‘não’: “…as maluquices de seu Caetano…”. Saudade sem dor.

Caetano Veloso, 16/09/2021.

Minha mãe morreu aos 105 anos no dia de Natal de 2012. Hoje faz nove anos. O Natal é para os Velosos também uma data de perda. Mas nenhum de nós deixa de alegrar-se com a lembrança da vida sábia que ela pôde conduzir.

Caetano Veloso, 25/12/2021.

Hoje é aniversário de nascimento de minha mãe. Dona Canô viveu até os 105 anos, lúcida até o fim. Era uma mulher excepcional. Junto a meu pai, formou um casal único em nossa cidade, um casal único em seu tempo. Sempre juntos, sentados à mesma cabeceira da mesa, nunca brigando, eram admirados pelos santamarenses. Sem a sabedoria dela (e sua alegria) nós, seus filhos, não seríamos o que conseguimos nos tornar. Celebro com saudade mas com alegria sua lembrança.

Caetano Veloso, 16/09/2022. 

Minha mãe morreu há exatos dez anos. Ela viveu (e muito bem) até os 105. O dia de Natal passou a ser o dia em que celebramos a beleza de sua vida e lamentamos sua ausência física. Tudo pode ser uma festa, apesar da imensa saudade, pois minha mãe está em nós, seus filhos, e em toda a família - além dos tantos santamarenses, baianos, brasileiros e mesmo estrangeiros que se banharam em sua luz. O dia de Natal é, para nós, um dia de sentimentos fundos e díspares. O dia 25 de dezembro, tido como o do nascimento de Jesus, é e sempre será, para nós, um dia de festa e luto. Procuramos todos estar à altura dessa difícil composição de estados de alma.

Caetano Veloso, 25/12/2022.

Minha mãe era uma pessoa linda de se conhecer de perto. Ser filho dela é uma glória. Meu pai soube escolher.

Caetano Veloso, 16/09/2023.

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