Du e Jó
Du e Jó me chegaram como dois anjos idênticos. Carlinhos Brown foi quem os recomendou. Brown profetizava cenas de show em que os gêmeos, além de tocar percussão, dançariam lindamente sob as canções do repertório de Livro Vivo (que era o nome do show que virou o CD Prenda Minha). No primeiro ensaio, mencionei aos dois a possibilidade da dança. Eles disseram que Brown era maluco, que eles nunca souberam sambar. Gravamos o disco (um dos meus trabalhos favoritos) e quando chegamos ao palco ficou provado que Brown é que tinha razão. Os belos adolescentes pretos do Engenho Velho de Brotas não apenas eram percussionistas perfeitos como sambavam como pequenos deuses. Faziam do espetáculo uma experiência exuberante e refinada. Convivemos por longo tempo, viajando o mundo com Livro Vivo e Noites do Norte. Todos os que trabalhamos com eles os adoramos. Eram a personificação da humanidade da Cidade da Bahia. Ontem à noite foram baleados por bandidos num bar do bairro onde moravam em Salvador. É doloroso ver o crescimento da violência na capital baiana. E dilacerante saber que Jó morreu estupidamente e Du está hospitalizado com ferimentos a bala. Aos 35 anos, ambos casados. Eduardo Josino e Josino Eduardo estão e estarão sempre no nosso coração. O sofrimento pelo que aconteceu com eles é maior do que podemos descrever e mesmo suportar neste país em momento de desesperança. Mas os dois aprimoraram a alma do Brasil com sua música. E Du, que sobreviveu à brutalidade, há de poder seguir enriquecendo nossas vidas tão maltratadas.
Caetano Veloso, 06/03/2016.