Gilberto Gil

Gil, meu irmão, faz 71 anos. Toda música que consigo produzir se deve a tê-lo encontrado em 1963. Nunca cheguei (nem imaginei chegar) aos pés dele. Escolhi essa foto que eu adoro e porque é no meu ap de Sampa, em 1968, e estamos com as roupas que usamos na noite em que cantei ‘É proibido proibir’ e ele, ‘Questão de ordem’. Minha roupa é toda de plástico. E tem um quadro de Vellame na parede.

Caetano Veloso, 26/06/2013.

Lembro com muito gosto o modo como ela se referia a ele. Pelo menos ela o fez uma vez e isso ficou marcado muito fundo, dizendo: Caetano, venha ver o preto que você gosta. Isso de dizer o preto, sorrindo ternamente como ela o fazia, o fez, tinha, teve, tem, um sabor esquisito, que intensificava o encanto da arte e da personalidade do moço no vídeo. Era como se isso se somasse àquilo que eu via e ouvia, uma outra graça, ou como se a confirmação da realidade daquela pessoa, dando-se assim na forma de uma bênção, adensasse sua beleza. Eu sentia a alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele, e por minha mãe saudar tudo isso de forma tão direta e tão transcendente. Era evidentemente um grande acontecimento a aparição dessa pessoa, e minha mãe festejava comigo a descoberta." Escrevi o texto acima no livro "Verdade Tropical". Fiquei maravilhado ao descobrir a existência de Gilberto Gil e, como disse a ele entre amigos faz três dias, sigo maravilhado com o autor e cantor de "Não tenho medo da morte".

Caetano Veloso, 26/06/2014. 

Gil faz 73 anos hoje. Ontem, cantando e tocando 'Tres palabras' daquele jeito, ele me fez chorar. Gil engendra em Gil rouxinol. Nada se parece mais com ele do que esse verso escrito no século 19 por Sousândrade. Gil tem a compulsão da música. Na passagem de som, faz todos os números do show que fará à noite. Alguns, mais de uma vez. Não poupa a voz. Parece acreditar nos portos-seguros das comendas, das estabilidades, dos confortos, mas é misterioso. Costumava alardear fé em transcendências e entregas a imanências sagradas. Seu trabalho de filigrana com harmonias a um tempo sutis e toscas, feitas de paixão por cordas soltas, desabusada distribuição de posturas repetidas de mãos sobre os trastes ao longo do braço do violão, no entanto, mostra absorção do impressionismo que veio da bossa nova e uma aleatória sugestão de atonalismos que apontam para o tambor a que ele sempre quis, como no poema do moçambicano, resumir-se. Ao cantar demais, gasta a voz, castiga as cordas vocais, mas torna-se alguém que vai virando pura música. Não sei a que deuses agradecer o acaso de ter estado desde quase sempre tão perto dele.

Caetano Veloso, 26/06/2015. 

Hoje é aniversário de Gil. Nem tinha me dado conta de que já tinha chegado o 26. Gil nasceu pouco mais de um mês antes de mim. E agora temos rodado o mundo cantando juntos. Eu, ainda o cara de 21 anos que se assombrava com a capacidade musical do novo amigo, tenho tantas vezes chorado, em pleno palco, diante dos fraseados de violão em "Tres Palabras", da voz em "Não tenho medo da morte", das palavras em "Drão", do conjunto dessas coisas todas na música de Gil. Ele é o irmão espiritual que ganhei ainda no começo da minha vida tão carnal e terrena. Somos os gêmeos arquetípicos de Smetak, dois-dois, Cosme e Damião, Ibeje. Nossas histórias materiais, com todos os seus tumultuados desejos e a opacidade das motivações, parece passar ao largo da essencialidade dessa união. Tenho muito orgulho de poder estar perto da sua arte - e reverência pela grandeza do seu talento. A cada aniversário de Gil, o autor de "Meu amigo, meu herói" (quando uma ária singela de teatro musical infantil chega às alturas da grande poesia) e de "Punk da periferia" (quando o procedimento das letras de marchinha de carnaval dos anos de ouro é aplicado - com brilho! - ao rock e à cena do rock), de "Filhos de Gandhi" (quando a canção entrou na vida social de uma enorme cidade e mudou efetivamente sua história e estrutura), a cada 26 de junho, o Brasil, a diáspora africana, a África ela mesma, Portugal, as matas brasílicas e o mundo são celebrados, estão de parabéns.

Caetano Veloso, 26/06/2016. 

O show “OK OK OK” é grande acontecimento musical. A fluência das notas que vêm da cabeça para as mãos de Gilberto Gil atinge cada som da banda. Timbre, tempo e tom, tudo no grupo é a beleza que se passa dentro dele. Muito junto, sem agulhação. Bem Gil pôs José Gil perto de Domenico Lancellotti. Bruno Di Lullo deixa cada grave cair por si no ritmo, no acorde, na sílaba. Nara Gil faz as terças discretas e dá os gritos imensos nas horas justas - e dança com delícia! Diogo Gomes e Thiago Queiroz nos sopros mais Danilo Andrade nos teclados completam a versão gilíssima do cool que encanta o ouvido e o coração. De "Pai e mãe" a "Pro dia nascer feliz", de "Lugar comum" a "Avisa lá", Gil soa no topo mundial da música. Suas novas meditações sobre a velhice e contra as patrulhas ideológicas vêm no nível da genialidade. Banda sabiamente timbrada não precisa perder corpo para deixar a voz suave ser ouvida em toda sua filigrana. É bom ser brasileiro e baiano: a gente pode ouvir um dos melhores shows musicais possíveis no mundo, feito por um irmão próximo e sabiamente polido por seu(s) filho(s) e amigos.

Caetano Veloso, 11/02/2019. 

Hoje Gilberto Gil toma posse na Academia Brasileira de Letras. Ele foi meu companheiro de armas na luta sonora do tropicalismo. É meu irmão em música e letra. Só não estou na cerimônia da posse porque cumpro compromisso de excursão com Meu Coco. De Porto Alegre mando aquele abraço. Parabéns a Gil, à Academia, ao Brasil. E seguimos aqui citando, cada vez que canto ‘Itapuã’, uma frase marcante na história da sua música e da nossa vida.

Caetano Veloso, 08/04/2022.

Gil e eu estamos juntos nesta vida eterna desde que nos encontramos na rua em Salvador. Na verdade, sem que então ele soubesse, desde que eu o vi na TV baiana. Ele me segurou na música, de que eu quis fugir (por me julgar incapaz) desde cedo. Sempre amei a canção. Queria ficar sempre perto, não no centro. Gil é no centro da música. Smetak dizia que somos os gêmeos arquetipais. Hoje Gilberto Gil faz 80 anos. Glória do Brasil. Ele e eu temos um amor mútuo que nem nós entendemos.

Caetano Veloso, 26/06/2022.

O primeiro episódio de "Em casa com os Gil" é bonito como um filme bom. Adorei muito. Filhos, netos, bisneta, noras, genros, música, música, música. Cada um é muito. Chorei várias vezes. @gilmarilia, @mariagil76. Bahia, Rio, Serra. O jeito potente de @bentogil_ explicando seu pedido de "Não tenho medo da morte". Eu já estava chorando quando vi que @bemgil começava a chorar e aí meu choro dobrou. Oreieié de @maeana_. Gente Preta (@pretagil), Bela (@belagil). Flor (@florgildemasi) branca. Tudo exuberância de @gilbertogil.

Caetano Veloso, 05/07/2022.

Meu irmão na música e na vida, Gilberto Gil, foi injuriado por bolsonaristas no Catar. Ele tem 80 anos e estava com sua esposa. Quero prestar solidariedade ao gênio Gil e dizer que nós, os artistas, assim como a verdadeira sociedade, esperamos que os criminosos sejam punidos.

Caetano Veloso, 27/11/2022. 

Gil chega aos 81 anos. Seu show com filhos, netos e bisnetos me foi narrado com tal intensidade e beleza por Moreno que foi como se eu tivesse podido ir. Gil é de importância imensa para mim. Vimos fazendo gestos em relação à canção sempre juntos - e vemos agora um esboço do que significarão esses gestos. Nossos descendentes, nossos informais discípulos, o Brasil, o mundo. Gil é meu gêmeo smetakiano. Nosso segredo nem nós mesmos conhecemos ao certo. Ao longo de décadas, uma supraparceria vem se desenrolando. Tudo neológico. Que a felicidade e a fartura de talento adequadamente musical que Moreno viu no show da família Gil seja sempre e sempre reafirmada pelo tempo.

Caetano Veloso, 26/06/2023.

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