Hélio Eichbauer

Em 1967, a visão do cenário de O Rei da Vela me botou em contato com a arte de Hélio Eichbauer. É uma ligação que nasceu no momento do tropicalismo e que terminou virando, a partir dos anos 80, uma parceria que dura décadas: de O Estrangeiro a Abraçaço, Hélio fez todos os cenários dos meus shows. O método foi sempre o mesmo: quando já tínhamos os números razoavelmente preparados e o roteiro do show basicamente estabelecido, Hélio vinha ao estúdio de ensaio e assistia a uma passagem das músicas em ordem. Ele ficava calado e nem esboçava reação de agrado ou desagrado durante a audição. Antes de ir embora, ele falava sobre algum detalhe que lhe tivesse chamado a atenção, como se fosse um espectador casual. Ia pra casa e voltava (muitas vezes no dia seguinte) com um (ou alguns) projeto(s) de cenografia. Sempre assombrava com sua captação do sentido profundo do espetáculo. Agora, com o Ofertório, mais do que nunca: Moreno e eu já tínhamos intimidade com a genialidade de Hélio, mas Zeca e Tom ficaram surpresos e emocionados com o que ele mostrava e observava.
Faz meses, o Museu de Arte Moderna de Nova York me convidou para falar sobre a exposição de Tarsila do Amaral. Lá eu disse sobre Eichbauer: "Ele é que devia estar falando aqui". Agora, excursionando com Ofertório pela Europa, a Tate Modern de Londres me fez uma entrevista gravada para ser usada na exposição de Hélio Eichbauer que vai se dar lá. Queriam entender a relação entre o tropicalismo musical e as artes plásticas. Falei em Eichbauer como sendo o primeiro forte vínculo que os tropicalistas tiveram com as artes visuais: o cenário do Rei da Vela mostrara-se identificado com o que mais profundamente desejávamos, Gil e eu, fazer. Hélio morreu ontem, deixando uma imagem de grande porte em nossa vida cultural - e uma imensa saudade.

Caetano Veloso, 22/07/2018. 

Ontem fez um ano da morte de Hélio Eichbauer. Estamos na Europa com nosso Ofertório, espetáculo que é só bonito como é porque pôde contar com a arte e a generosidade dele. Hélio foi um grande criador e uma grande pessoa. A cena mais forte de toda a carreira do Ofertório foi o momento em que Moreno, Zeca, Tom e eu vimos as maquetes de cenário que ele trouxe até minha casa. Ali surgiu reunida toda a energia que faz de nossa comoção familiar um trabalho que merece respeito artístico. Foi um momento de imensa intensidade artística e familiar, do qual podem se aproximar os melhores instantes dos shows em sua surpreendentemente longa carreira. Só nos orgulha que Hélio esteja conosco, mesmo tendo ido embora.

Caetano Veloso, 21/07/2019. 

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