Jair Rodrigues
Jair Rodrigues é uma dessas poucas grandes coisas de que Brasil deve se orgulhar. Ele foi talento espontâneo e alegria genuína combinados ao respeito pelo que veio a ser o seu trabalho. Não havia nenhuma atmosfera de prestação de serviço nessa disciplina. Era uma forma de expressão do seu natural companheirismo, nunca um cumprimento de dever empregatício. "A gente faz música para não trabalhar", me disse Stefano Bollani. Jair era a encarnação dessa verdade. No entanto, ninguém mais assíduo, pontual, disposto a colaborar. Hoje é dia de São Nicolau, a cidade de Bari está em festa. Procissões marítimas, fogos de artifício, música. São Nicolau era preto. Do nome dele, que presenteava as crianças pobres na noite de Natal, veio a corruptela Santa Claus, que é o Papai Noel dos americanos que nós importamos junto com a Coca-Cola. Jair Rodrigues era um preto brasileiro cuja alegria toda a marra do hip-hop não abrangeria com sua crítica. Ela era por demais real, livre e superior. A felicidade que emanava de sua vida com Claudine, do desenvolvimento das personalidades e dos talentos de Jair Oliveira e Luciana Mello, as flexões que ele fazia no chão dos bastidores da TV Record, tudo se impõe como uma afirmação em plenitude de uma força vital humana. Sua parceria com Elis no Fino da Bossa é um dos momentos altos da história de nossa música. Ela dominava a matéria musical com todas as suas fibras tensas (mas o fazia de modo impactantemente rico e variegado), enquanto ele representava o relaxamento e a despreocupação. No entanto, assumindo a responsabilidade da Disparada, Jair, com sua incrível voz de tenor, emprestou à canção uma autoridade de outra natureza que não a dela mesma enquanto composição (que não era, de nenhum modo, pequena). Seu timbre, a cor de sua pele, o tom que ele deu ao abandono da brincadeira - a interpretação da música de Vandré e Theo de Barros revelou um homem brasileiro que reequilibrou nossa autoimagem. Para minha cabeça, Jair morrer é um contrassenso. É comum tecerem-se elogios à personalidade dos que deixam a vida, mas no caso de Jair Rodrigues, todos os lugares-comuns poderiam ser repetidos e ainda assim estariam sendo ditos pela primeira vez. E mesmo que os desfiássemos todos ainda estaríamos aquém da pletora de louvores que ele de fato merece.
Caetano Veloso, 08/05/2014.