Jorge Mautner

Desde que conheci Jorge Mautner, em Londres, chamo-o de mestre. É que ele chegou logo dando aulas de história, instruções de ginástica sueca e conselhos orientais. Me mostrou Nietzsche (fiquei encantado c4om os aforismos de "A Vontade de Poder", mas me apaixonei mesmo pelo Nascimento da Tragédia no Espírito da Música). Queria estar com ele hoje que é seu aniversário. Estou na Bahia, ele, no Rio. Queria dar um beijo de parabéns mas também ouvi-lo. Quem foi nietzscheano radical, com todo o anti-cristianismo, o anti-socratismo e a anti-democracia que isso implica, e, com o passar dos anos, resume sua posição no mundo à defesa de Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé como expressão do amálgama brasileiro, é a pessoa com quem mais tenho necessidade de conversar nesses dias de exposição da tensão profunda que há entre o avanço vital de uma religião-bebê (como o mestre gosta de definir) e os maltratados princípios iluministas que sustentam as democracias liberais cristãs do Ocidente. Ele sem dúvida sabe que os malucos que matam cartunistas não representam essa religião, o mínimo que se pode dizer é que ela não se resume a eles, não pode ser confundida com essa linha jihadista (como estava tão bem exposto no artigo de Demétrio Magnoli no Globo de quinta-feira). Mas isso é coisa que ele sabe que eu penso. O que me faz falta agora é a surpresa de uma observação surpreendente vinda dele. Queria festejar o aniversário de Jorge Mautner (com quem gravei um dos melhores discos e fiz um dos melhores shows de toda a minha carreira) abraçando-o e ouvindo dele as palavras que faltam diante da cara do mundo.

Caetano Veloso, 17/01/2015.

Hoje é aniversário de Jorge Mautner, a quem chamo mestre desde que ele surgiu em Londres como um cometa assustador e benigno. Tudo o que veio multiplicou por milhões o que já estava prometido em referências de Rogério Duarte, reportagem na Senhor, foto no quarto de Paulo Cotrim. Meu Coco tem a faixa-título dedicada a ele. Seu papo, seus livros, suas ginásticas me reformaram.

Caetano Veloso, 17/01/2022.

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