Moraes Moreira

Moraes Moreira seria importante pra nossa vida se tivesse sido apenas o rapaz que cantava no barzinho do Campo Grande que frequentávamos nos meses de confinamento em Salvador. (Ele cantava de sua mesa: era um cliente, não um profissional.) Sua voz encantava Dedé e nos ajudou a aguentar a pena sob a ditadura militar. E ele não é só o componente do grupo que lançou disco roqueiro (com "Colégio de Aplicação": "Saindo dos prédios para as praças, uma nova raça"). Tampouco o músico/cantor/compositor da virada joãogilbertiana desse mesmo Novos Baianos de "Acabou chorare", de "A menina dança", do relançamento nível Carmen Miranda de "Brasil Pandeiro" e de todo um repertório e estilo que, junto a Galvão, Baby do Brasil, Paulinho Boca de Cantor, mais Pepeu Gomes, Didi Gomes, Dadi e Baixinho marcou a trajetória da música popular no Brasil. Somando-se a tudo isso, sua inclusão formal do canto nos trios elétricos (levando a levada de ijexá para o violão) fez dele herói da história do país. Sem ele não haveria o axé. Hoje acordei para a notícia de sua morte. Vejo Davi Moraes menino tocando com ele no trio. Penso em Davi. Ouço a dicção límpida de Moraes na obra-prima "Chega Nego", nas outras metralhadoras de sílabas, nas palavras de Antonio Risério de "Sou o carnaval" ou "Pessoal do alô", nas de Fausto Nilo em "Bloco do Prazer" ou "Chão da Praça", nos seus próprios versos de cordel. Lembro, vejo, ouço. A alma não pode acabar de chorar.

Caetano Veloso, 13/04/2020.

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