Musical Elza

Fui ver Musical Elza com sete atrizes e uma banda toda formada por mulheres. Fiquei emocionado demais a partir da canção de Chico Buarque, aquela que diz “O sol ensolarará a estrada dela”. Sempre me espalho pelo espaço infinito quando ouço, leio ou penso esse verso. Mas ali a emoção começou bem antes da frase chegar: Chico é a coisa mais intensa que há em nossa canção. Fazia tempo que eu não ouvia esse samba e às primeiras palavras e notas eu já estava chorando. Na verdade, nem pude me preparar para a chegada do verso, nem pude me lembrar de que ele viria. Dali em diante, tudo o que de cara parecia ser bom no espetáculo – as moças escolhidas, o fato de só uma delas imitar voz e trejeitos de Elza Soares, a firmeza da banda, a oportunidade dos efeitos de luz – tornou-se transcendental para mim. Quando Késia Estácio acabou de cantar Dindi eu dei um grito involuntário. Larissa Luz, baiana que eu conhecia e não reconheci, é a única que reproduz a voz e o sotaque corporal de Elza – minuciosamente observados em vídeos e reproduzidos com fidelidade mesmo que a atriz/cantora deixe que se perceba o trabalho: é uma baiana falando carioca. Esse retrato figurativo se torna ainda mais belo pelo contraste com as outras seis Elzas: estas têm sotaques do extremo nordeste, da Bahia, de minas, do Rio.

Khrystal tem dicção diamante de Natal (e como canta!; Julia Dias, Lais la Corte e Janamô são mineiras (em música, ser de Minas já diz tudo); Verônica Bonfim é baiana, como Larissa, e tem o que a baiana tem. Késia é a única carioca! Todas cantam, falam e se movem bonito. A banda, toda formada por mulheres, é perfeita. Queria falar mais, mas não sei quem é quem. Todas são ótimas: Antônia Adnet, Georgia Camara, Guta Menezes, Neila Kadhí, Marfa e Priscilla Azevedo. A trompetista surpreende com um solo jazzístico de primeira. Amo tanto Pedro Luiz quanto Letieris Leite: não sei a quem agradecer mais pela qualidade dos arranjos. Vi tudo isso com as lágrimas de “Dura na queda” ainda nos olhos. Vinicius Calderoni Duda Maia foram tocados pelo divino. A mulher brasileira, o povo negro brasileiro, o músico brasileiro estão vingados. Pode-se até crer em bom futuro. Não é brincadeira!

Caetano Veloso, 25/08/2018. 

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