Nelson Pereira dos Santos
Quando Nelson Pereira dos Santos foi à Bahia para filmar Vidas Secas, choveu no sertão e as filmagens tiveram de ser adiadas. Para não perder o dinheiro gasto e a equipe já em campo, Nelson resolveu fazer um filme com história escrita por ele mesmo - e atuar como protagonista. O filme se chama Mandacaru Vermelho e é uma obra menor do grande cineasta. Mas, vendo o filme em Salvador, fiquei surpreso de ver como ele era bonito. Nelson tinha trazido para o cinema brasileiro um núcleo que lhe faltava. Tínhamos chanchadas e Vera Cruz: sucesso da bagunça e esforço de respeitabilidade. Rio 40 Graus abriu uma espaço diferente. Tínhamos força própria, A Voz do Morro ecoa ainda hoje o que significou aquilo. Rio Zona Norte, com Ângela Maria fazendo uma aparição no backstage da Rádio Nacional, confirmou. Eu conhecia o nome de Nelson ligado a essas conquistas que tornaram possível a realidade ainda mal avaliada do Cinema Novo. Vê-lo como um rapaz bonito na tela era fascinante. Depois veio Vidas Secas, com o rosto inesquecível de Maria Ribeiro, a harmonia entre as imagens, o som do carro de boi como música na cena da morte da cadela Baleia. Mais bonito do que o livro de Graciliano em que se baseou. Isso já era Cinema Novo feito por quem o fizera viável. Depois vieram coisas fortes. O meu preferido é Memórias do Cárcere, um dos melhores filmes já feitos no Brasil. Nelson Pereira dos Santos é um dos construtores deste país. A obra dele e sua memória hão de seguir sustentando os alicerces.
Caetano Veloso, 21/04/2018.