Rio

A primeira vez que estive no Rio tinha 11 anos. Depois, entre os 13 e 14 anos, morei na casa de minha prima Marinha, a quem chamava de “minha Inha”, em Guadalupe. Eu tinha problemas de saúde, nenhum muito sério. A garganta estava sempre inflamada. O fato é que em toda a minha vida eu nunca me senti muito bem. Não quer dizer que não tenha sido feliz, nem que não tenha vivido prazeres intensos. Acabei me fixando no Rio a partir de 1975, quando já era casado com Dedé e Moreno tinha 3 anos. Moreno e Tom nasceram na Bahia e Zeca, no Rio. Me sinto à vontade para morar no Rio, apesar da violência. Mas sinto também a angústia instalada na cidade. O Rio, como diz o João Gilberto, é a cidade dos brasileiros. Tudo que acontece com o Rio afeta a totalidade do Brasil e, de alguma maneira, expressa o que o Brasil pode dizer ou tem a dizer. Neste momento, a impressão que o Brasil dá é de ser um país habitado por uma gente cruel, impiedosa e autoritária. O esquema de territórios incrustados num centro urbano como o Rio, disputados por chefes e milícias extra-oficiais, onde episódios de extrema brutalidade se sucedem, justamente uma imagem oposta àquela do sonho de harmonia e de cordialidade que sempre dominou o imaginário brasileiro. Então dói.

Caetano Veloso, 09/06/2021.

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