Caetano comenta "Falso Leblon" (18/07/2008)
Caetano comenta “Falso Leblon” |
18/07/2008 1:00 pm |
Desta vez, para variar, comentários em texto sobre uma nova canção de Obra em Progresso, enviados da Europa: “A primeira coisa que fiz em “Falso Leblon” foi a levada da bateria. Eu queria construir uma linha de baixo e, por fim, uma melodia em cima daquela levada. E de fato fiz as coisas nessa ordem. Sugeri algumas divisões rítmicas para o baixo, Ricardo as desenvolveu e multiplicou, disse a Pedrinho que encontrasse o lugar (e os timbres) dele entre esses dois elementos, e só então compus a melodia. Não que tivéssemos armado uma base completa a que eu somei a melodia depois. Isso tudo foi apenas uma série de breves exemplos de combinações possíveis. Feitos num ensaio. Eu cantava a batida do contratempo e do bumbo. Quando Marcelo experimentou na bateria de verdade, passei a cantar (praticamente sem notas) as frases do baixo. Quando voltei pra casa, depois do ensaio, esbocei a melodia. Vi que ela tinha uma semelhança com a de “Perdeu”: ambas são como clarinadas – o que combina tanto com o bandido de “Perdeu” quanto com o “eu” da letra de “Falso Leblon”: um som matinal e masculino, com gosto do que em inglês se chama lindamente de “morning wood”. São dois mundos. O do garoto favelado e o meu, isto é, o dos que compram as drogas que ele vende e têm opiniões cool sobre a violência no Rio. Aquela mesma divisão esquemática de “Tropa de Elite”. Mas, tal como em “Perdeu”, em “Falso Leblon” eu não tinha idéia do que iria pôr na letra mesmo quando a melodia já estava pronta. Para ser sincero, a única coisa que pensei que poria foi o nome de Francisco Alves, por causa da melodia tipo “Serra da Boa Esperança” da segunda parte da música. Quando vi, o resto estava se impondo. No caso de “Perdeu” percebi logo que o que estava saindo era um “Meu Guri” que, em vez de ser um ladrãozinho (como disse Vinicius quando teve a casa assaltada), era um chefete do tráfico. (Quando mostrei a música aos caras da banda, fui dizendo: é uma espécie de “Meu Guri”, e fiquei contente quando li aqui no blog – e na imprensa – que muita gente pensou a mesma coisa.) Mas as clarinadas de “Falso Leblon” anunciam uma manhã onde o sexo não perdeu o gosto pelo excesso (de atividade e, sobretudo, de poder) como em “Perdeu”, mas pelo clima de desesperança. Mal comparando, “Falso Leblon” está para “Perdeu” assim como os filmes de Antonioni estão para o neo-realismo. É uma crônica fragmentária sobre o Leblon Big Brother e o retrato de alguma menina tão bonita quanto auto-destrutiva. É também sobre o mundo das celebridades, o meu – e isso não vai sem uma expressão de alegria talvez para alguns injustificável. Em primeiro lugar, o título, que tirei de um dos versos que me ocorreram, me faz rir por ecoar a história (ou lenda) de que o bairro tem esse nome porque, como o Gantois na Bahia, ali foi a propriedade de uma família francesa, de nome Le Blond, ou Leblond (acho que há até um apart-hotel com esse nome), que quer dizer “o louro” (ou “o loiro”, como diria meu amigo paulista), o que dá ao título o sentido semi-oculto de “falso louro”, a bem dizer, um masculino para “falsa loura”. Depois há os fotógrafos (que ganharam, por causa do personagem de Fellini, esse nome de paparazzi). Eles por vezes irritam (embora se diga que muitas vezes eles são chamados indiretamente pelas próprias vítimas) mas não deixam de compor o clima de charme sinistro das esquinas de Ataulfo de Paiva com Aristides Espínola e principalmente da rua Dias Ferreira no trecho correspondente. Sinistro porque às vezes é assustador ver um cara surgir da sombra de uma parede, com um gorro preto e uma camera preta. Charme porque é parte do folclore do Leblon de hoje. Breve histórico do jornalismo de celebridades: nascido do fascínio brega inglês pela família real, expandido depois para as autoridades políticas e para esses clones de imperadores romanos de filme holywood que são os rock stars; ele, com uma pitada da fofoca chapa-beje da Hollywood do período dos grandes estúdios, cresceu na Espanha depois que Franco caiu e o rei voltou e, a partir da Hola espanhola, virou Caras argentina e, depois, brasileira, tudo isso sendo finalmente potencializado pelo advento da internet. O grau do meu desprezo por esse fenômeno eu meço pela ausência até de raiva em mim. Não que eu não tenha sentido raiva quando percebi que um desses espiões estavam criando problemas reais para mim. Mas o fato é que não desamo minha condição de celebridade. A vida pode oferecer milhões de caminhos para você encontrar situações de felicidade. Ser famoso não é um impedimento. De minha parte, não entendo muito bem quando leio que há que separar a vida pessoal da fama profissional, e, sobretudo, que devemos proteger nossos filhos desse mundo pecaminoso em que nos metemos. Somos atrizes dos anos 20 e 30 temendo que seus filhos sejam filhos de putas? E vejo Michael Jackson pondo burca nos garotinhos dele. Comigo não, violão. Há uma alegria em ser célebre. E é justamente por reconhecer isso que eu não sinto ansiedade em relação às situações inerentes à situação: eu entendo tão mal quem esconde os filhos quanto quem telefona para os sites de fofoca dizendo que está com Fulano de Tal no Sushi Leblon. Claro, quando se trata de gente direita, cada um encontra o equilíbrio que lhe é mais adequado. Mas essa onda anti-celebridade é apenas o outro lado da moeda dos sites de fofoca. Tou fora. E realmente detesto drogas. Subjetiva e objetivamente. Em mim e nos outros. Espero que algo dessas decisões internas apareça nos versos, nas notas e nos tempos de “Falso Leblon”.” |
7 Comentários sobre o Post “Caetano comenta “Falso Leblon””
Parece
que Morrisey também já falou algo sobre ‘ prefiro ser famoso do que anônimo”…
Artistas, queremos ser amados, notados.
John Lennon disse numa entrevista do dvd do filme Imagine
que era no final era isso o
que importava: pai, agora vc me ama? Eu sou famoso! Gostaria que vc explicasse mais isso, sei que vc fala que
não queria nem sair de Santo Amaro. Como foi esse processo com vc?
abraços,
Olá Caetano.
PS: sempre que estou em MZ ou em PT sou mordido pelo infinitivo. É lindo, não?
Ah bue!!!! Historiador tambien de jornalismo de celebridade! Que grande! Caetano, podrias pasar tranquilamente como porteño… por lo chamuyero digo.
O título do texto do Silviano Santiago é “Caetano Veloso enquanto super astro”. Tem algo interessante neste texto, embora eu não concorde tanto de uma atitude exatamente tropicalista em Chico Buarque, mas, no entanto, o autor do artigo, pode-se dize, propõe um Chico Buarque “tropicalista” quanto a não ilusão de sua música virar música de consumo, o que o insere na prática do “deboche” tropicalista. Chico diz o seguinte:
” E que tristeza é assistir meses depois seu trabalho desbotado num programa de domingo à tarde na televisão, bailarinas cansadas balançando as pernas, pra lá e pra cá, em ritmo de protesto. É por isso que me incluo no rol dos debochados. Um mês depois de compostos meu samba já não é meu. É mercadoria exposta ao consumo, desgaste ridículo, e rejeite (SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Debates de Literatura. Caetano Veloso enquanto super astro. São Paulo. Perspectiva. Ciência da Cultura, ciência e tecnologia do Estado de São Paulo. 1978. p147)