Direto da edição: atrás do transamba (22/08/2008)
Direto da edição: atrás do transamba |
22/08/2008 1:05 am |
AQUI FALA O HERMANO: Quito Ribeiro é parceiro de longa data. Acho que nos conhecemos quando ele era adolescente. Era um dos amigos do Moreno, que se tornaram também meus amigos queridos e hoje têm carreiras artísticas/intelectuais tão interessantes e diversificadas, algumas já ilustres: Pedro Sá, Kassin, Lucas Santtana, João Miguel, Pedro Süssekind e muita gente mais. Turma bacana essa… Quito é músico, produz seu próprio transamba baiano/jamaicano. Disco e shows excelentes e poderosos. Mas é também roteirista, editor etc. Fizemos juntos o roteiro de Tempo Rei, documentário sobre Gil. Ele participou da edição do Música do Brasil, do Central da Periferia. Montou O Maior Amor do Mundo, filme de Cacá Diegues. Etc. Etc. Agora está editando as entrevistas de Obra em Progresso, para o DVD. Da ilha de edição da Natasha, no seu segundo dia de trabalho, ele manda este texto, cheio de boas questões de quem está mergulhado nas horas e horas de material filmado por Toni Vanzolini:
“Estou aqui começando a editar o material de entrevistas que vai ser incluído no DVD. Faz parte deste processo inicial a idealização de um roteiro, ou de vários, à medida que vamos tomando conhecimento do material que dispomos. Um ou vários, todos são, em geral, diferentes do roteiro que foi escrito antes do material ser filmado ou gravado.
Neste caso específico nunca houve um roteiro. Estamos fazendo o que em linguagem cinematográfica chama-se cinema direto. Seguindo os passos dos nossos “personagens” sem fazer maiores interferências.
Resolvemos em conjunto tentar falar sobre o transamba.
Fico então aqui na ilha de edição, montando estes roteiros virtuais, tentando tornar o transamba compreensível. E as perguntas não param de aparecer. Seja para tentar fazer conexões entre as partes do material; ou forçá-las; ou tentar cobrir buracos onde eles eventualmente surgem.
A edição de um material sempre carrega consigo certa insatisfação com o material que foi obtido. O que é natural porque uma dose de insatisfação é inerente ao próprio processo; ou seja: ao fazer as perguntas, não quer dizer que eu esteja levantando as questões fundamentais para que o filme tenha uma narrativa fluida e coerente ao final.
Enfim, como este trabalho permite este tipo de situação, resolvi compartilhar essas questões aqui no blog e publicar as perguntas que em outros trabalhos não tenho a oportunidade de fazer.
Não sei se essas respostas, se vierem, estarão melhor no blog ou nesta sequência que estou montando (no momento essas respostas me ajudariam sobremaneira), mas seguindo o mantra da Obra em Progresso…
******
Uma vez ouvi Caetano dizer que pensou, junto com Pedro Sá, antes do Cê, em fazer um disco meio anônimo, mas que seu lado leonino não deixou e eles acabaram fazendo o Cê. Fico pensando em “Todo errado”, em “Lobão tem razão”, em Caetano e Moreno cantando “Be kind to your parents”… E pra mim isso tudo por algum caminho soa meio lado B de um Caetano que faz do seu show um ritual todo marcado, todo solar. Jacques Morelembaun e Arto Lindsay falaram algo disso nas suas entrevistas. Ao mesmo tempo penso no samba como um lado B de um ritual religioso. E aí me dá vontade de saber: porque que Caetano escolheu o samba para ser o mote desta Obra em Progresso?
***********
Agora ouvi Moreno dizer na entrevista, que também é atitude de um leonino, se quisermos continuar nestes termos astrológicos, expor o processo inacabado. Ele conhece o pai dele melhor do que ninguém. Donde concluo que o lado B de um leonino é tão solar quanto o lado A. Eu, da minha parte, tenho consciência que este transamba que estou procurando no material filmado, de alguma maneira é transcaetano. Ele já está presente aqui e ali ao longo da carreira dele. Já esteve iluminado aqui e ali, por assim dizer. Mas agora ele resolveu nomear. Que situação ou situações levaram Caetano a querer fazer isto agora? Ainda não encontrei no material a resposta.
****************
Estou aqui vendo a entrevista de Ricardo e chego a mais uma conclusão. Transamba é um apelido, a elaboração de algo que surgiu naturalmente. Surgiu a partir da coincidência de gostos estéticos testados pelo tempo, pelos ensaios, pelas passagens de som, pelas turnês. Essa coincidência na concepção dos arranjos gerou o que se costuma chamar “soar como banda”. Essa maneira como a banda soou e os músicos começaram a querer que ela continuasse a soar a partir daí, gerou o transamba. Desde o momento primeiro de preparação, quando Caetano tomou a decisão de compor para esta banda. Será? É a procura deste tipo de material que estou indo atrás: a banda Cê elaborando o transamba. Conversei com Henrique Alqualo, que está trabalhando aqui comigo e ele diz que temos. Será que isto vai dar caldo?
**********************
Na entrevista de Arto Lindsay, ele situa o transamba entre o transa e um R&B contemporâneo feito por gente como Raphael Saadiq. Por este ponto de vista transamba seria “samba atravessado”, ou um samba que traz em si a sobreposição de vários sambas. Ao mesmo tempo, ouvindo as musicas novas nos shows, vejo citações nas letras de Guinga, Pedro Sá, Kassin, Francisco Alves, Seu Jorge, Los Hermanos. Cabe a pergunta: Transamba tem uma linhagem?”
VOLTA O HERMANO: Como dá para perceber vai ser também bacana acompanhar o progresso da edição também por aqui. Toda fez que Quito for encontrando as respostas ou novas perguntas, haverá novos posts no blog Obra em Progresso.
Hermano Vianna.
salve quito
a arte, assim como a ciência é para erigir perguntas.
Acho que muitas das respostas estão por aqui… Muitas vezes é melhor se nomear do que deixar outros te nomearem. E ao mesmo tempo que se autonomeia, contexualiza-se a obra.
Abração.
Samba-canção, samba-choro, samba-de-roda, samba-enredo, samba de meio-de-ano, samba-exaltação, samba de quadra, samba-rock, samba-jazz, samba-rap, todas essas expressões e outros “samba-lembrem aí “ que agora esqueço de mencionar (até sem o samba no nome, como é o caso de partido alto e pagode) tipificam estilos musicais do universo do samba. O disco Transamba de Marcos Moran, gravado em 73, é todo naquele estilo do Simonal , do Trio Mocotó, dos Originais do Samba — estilo que, pelo que me lembro, era chamado de sambão-jóia. São tantas classificações que até nem sei se há algum exemplo de samba que não tenha um complemento desses. Samba só. E agora temos o transamba. Mas eu acho que o transamba de que se fala aqui não é mais uma dessas definições. Afinal, todas elas se aplicam a modelos musicais rígidos, de modo que não se confunde um samba-choro com um samba-enredo. São definições usadas para ordenar as coisas, para separar, para distinguir. Transamba, não. Transamba é (dentre tantas coisas que poderíamos dele dizer) orgia.
bom, já estão falando do DVD…
as canções “AGUA”, “INCOMPATIBILIADE DE GENIOS”, “SAUDADE FEZ UM SAMBA” e “UNS” tem que estar no DVD. Sao momentos importantes do Obra.
_
a primeira vez que ouvi falar do nome QUITO RIBEIRO, foi no disco de 2005 da Gal.
_
)__
)_
Rafinha foi ótimo acima. Caetano falando em tranSAMBA, e Hermano jogando sutilmente algumas do Misterio do Samba.
Alias por falar em MISTERIO DO SAMBA [nao do Hermano, mas o filme do Lula Buarque e Carol Jabor]: muito interessante, bem editado, sem sobras. Marisa Monte está de parabéns.
Caetano, depois de muita luta e pedidos sem resposta, consegui , por intermédio de dois anjos, dois convites pagos para o show do Municipal como Roberto. O show foi perfeito! Você estava mais que perfeito, não errou nada! Adorei o repertório, adorei e acho que deu “liga” você e o Roberto juntos, e acho que podem repetir esse mesmo show num lugar mais popular, na praia, onde muita gente pudesse ver.Tudo muito bonito, muito correto, iluminação de classe e cenário limpo e moderno, som aproprido. Infelizmente não pude ir te dar parabéns pessoalmente, mas aproveito esse espaço! Parabéns! Adorei, Obrigada! e muito sucesso! Já estou começando a ficar com saudades! Não abandona a gente não! Beijos,
Adorei quando o Gilliatt lembrou da expressão “Sambão-Jóia”. Me remeteu ao disco “Jóia” que num certo sentido tinha a ver com transamba. “No Pão-de-Açúcar de cada dia. Dai-nos senhor, a poesia de cada dia”. Lembrei também que quando “Jóia” e “Qualquer Coisa” sairam era comum brincar se alguma coisa era “jóia” ou “qualquer-coisa”, numa espécie de antagonismo subjetivo, nada dialético. Me divertia com meus amigos pensando coisas como: guaraná é “jóia” e coca-cola é “qualquer coisa”. Apesar da subjetividade era comum concordarmos sem saber qual critério estava contido na decisão. O conceito Transamba tem muito dessa subjetividade da livre-associação onde há um sentido claro, mas pouco racionalizável. Acho bom que isso não se dilua em explicações e retóricas. Em Jóia e Qualquer Coisa havia Beatles. Me lembro agora do transchoro proposto por Renato Russo que virou a série de 4 CDs “Beatles In Choro”. Há de fato algo acontecendo que os jornalistas gostam de nomear como “renascimento do samba”. Uma expressão ruim. Essa expressão remete a algo que morreu. Aí sim o Lobão parece ter razão. É a esse sentimento nostálgico e um tanto xenófabo que ele se refere no JB. Mas os garotos que tocam choro e samba hoje não estão preocupados com renascimento nenhum. Não são memorialistas, museólogos, musicistas, nem enciclopedistas. O samba não está renascendo. Está transcendendo. Transamba.
Na trilha do que Salem diz acima, da riqueza de uma subjetividade grassada em livre-associações, sem um sentido manifesto, isto é, que logo de saída seja racionalizável ou reduzido a um esquema explicativo ou retórico,(re)envio as minhas associações - marotas! - e em progresso, um rascunho a ser melhorado, alterado, transcendido (ou até transfundido):
Hermano,me empresta os seus óculos…não consigo ler com essas letrinhas.
Maravilha, acho que tô na onda do “trans”. Meu mestrado é em Transdiciplinaridade.
Hoje ficou claro quem se interessa pela clássica e patética polêmica RIO X SP acionada pelo Lobão no JB: os jornalistas. Na FOLHA de SP uma jornalista de texto débil e capenga criticou o show de Caetano e Roberto. Nem vale a pena criticar a crítica. A Ilustrada tem na sua capa algumas novidades a respeito de “O Ensaio Sobre a Cegueira” de Fernando Meirelles. Virando a página entramos em “Ensaio sobre a Surdez”. Mônica Bergamo compara as celebridades do Rio às de São Paulo presentes no show de Caetano e Roberto. Ao lado, a crítica fala sobre as celebridades no show, diz que Caetano não rebolou, que ninguém estranharia se Roberto cantasse Jesus Cristo e distribuísse flores e outras idiotices. A crítica é surda, mas não é muda. O texto da moça não foi escrito, foi golfado. Agora sim, Lobão e Caetano poderiam usar as suas línguas caninas e leoninas. Por trás da falsa polêmica RIO X SP, há apenas uma verdade: o Brasil dos jornalistas não aceita o Brasil. A FOLHA não merece Tom Jobim. E isso não é de hoje. Isso é velho do tempo em que se escrevia Bahia com H.
E mais: o Transamba de Caetano e o Transrock de Lobão não merecem o JB e a Ilustrada.