Estúdio (10/09/2008)
ESTÚDIO |
10/09/2008 3:33 am |
Quero contar tudo sobre as gravações. Mas não entendo muito sobre a parte técnica. Houve aí quem peguntasse se fizemos muitos overdubs. Bem, isso eu posso responder. Não fizemos muitos overdubs. Quase não fizemos overdub nenhum. Pedro Sá gravou detalhes rítmicos de guitarra sobre uma das bases que fizemos para “A cor amarela” (fizemos duas). Gravamos doze bases (a última a ser gravada até agora foi a de “Ingenuidade”, samba que nem tinha pensado em gravar mas que a batida trans de Marcelo puxou para dentro do disco). Talvez hoje à noite (quarta) gravemos outra (uma canção nova, que nem acabei de fazer ainda, sobre Aveiro, cidade querida de Portugal). Pedi a Moreno e Daniel que escrevessem sobre a parte técnica. Eles estão muito ocupados, todos os dias armando o set de gravação - além dos outros trabalhos que têm (Moreno me fez chorar com uma gravação que trouxe dele cantando, com arranjo de Jaquinho Morelenbaum, da canção americana “How Deep Is The Ocean”, em versão para o português brasileiro feita por Carlinhos Rennó, para um disco de obras-primas de compositores judeus americanos; ele e Daniel estavam acompanhando a mixagem do pocket-show do “A Foreign Sound” que fizemos no Baretto, no Fasano de São Paulo, para o DVD do filme “Coração Vagabundo”, de Fernando Andrade). No nosso disco, eles estão usando uma mesa EMI que era novidade na segunda metade dos anos 60 e hoje é tecnologia “vintage”. Contaram que “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” foi o primeiro disco gravado em uma dessas. Depois era numa igual que Jimi Hendrix trabalhava no Electric Ladyland. A daqui veio para o estúdio da Odeon, em Botafogo, depois ficou esquecida em algum lugar aonde fora para ser consertada. O dono do Estúdio AR, onde estamos gravando, a resgatou mas não a usou logo: precisava ainda de reparos. Ficou num depósito até não faz muito tempo. Parece que o grande produtor Mário Caldato fez nela o disco da adolescente paulista que ficou famosa pela internet (estou velho e os nomes próprios não vêm à memória com facilidade - sobretudo às quase 4 da manhã, depois de gravar e compor: com o nome do Bagno foi assim; não era desejo de mostrar desprezo). Bem, agora, depois de escrever esse parêntese todo, lembrei: Mallu Magalhães. A mesa parece feita de manches de avião. Tomara que Moreno esteja tirando fotos dela (vejo-o às vezes com uma camerinha digital na mão). Tudo está sendo gravado através dessa mesa, em fitas daquelas largas e de dorso preto que se usava antigamente (hoje em dia é quase sempre tudo no ProTools, tudo digital). A gravação (e a reprodução) analógica soam mais nuançadas e têm os graves profundos e os agudos macios. Moreno, Pedro e Daniel me disseram muitas coisas sobre a técnica de gravação que estamos usando. Mas vou esperar que eles escrevam para a gente postar aqui. Overdubs quem vai fazer sou eu: toda a voz e o violão serão gravados depois. Por enquanto só posso fazer guias de violão e voz. Não que a gente não quisesse gravar algumas coisas junto. Mas é que no estúdio, do modo como se pôde dispor as coisas, não dá para gravar essas coisas frágeis sem que haja vazamento. Mas o que temos sem mim é muito bonito (sinceramente acho que, na maior parte dos casos, ficaria mais bonito assim mesmo, sem mim, mas não sou insuspeito para opinar - nem posso dizer que abrimos mão do cantor cujo nome vai na capa do disco). Pedro Sá é o Pedro Sá. Mas noto que Ricardo Dias Gomes tem criado verdadeiras peças com o baixo: ele não apenas pontua e sustenta a harmonia: ele compõe estruturas riquíssimas, que a gente entende como arquitetadas mas percebe que foram espontâneas - é muito emocionante. E esse mote de “transamba” estimulou Marcelo a glosar de mil modos surpreendentes e intrigantes: seu som divino de roqueiro elegante vai aqui ao encontro da história do samba em sua vida. O parêntesis (viram que escrevi essa palavra de duas maneiras?) do parágrafo acima contém afirmação que pode levar as pessoas a crerem que sou modesto (ou que quero parecer modesto). Não sou modesto. Desconfio sinceramente que o que ouvi hoje, sem minha voz e sem meu violão, vai ser um pouco estragado quando eu entrar. Mas talvez só para mim. Tem pessoas que me acham chato, atrasado, devagar, por fora, inautêntico, subdesenvolvido - no fundo concordo com essas pessoas. Não totalmente. Mas tem um lugar central em mim que vê tudo o que faço e sou como desagradável. Talvez seja um aspecto do narcisismo, uma dor vaidosa, a mesma coisa que fazia João Cabral lembrar sempre mais de quem falou mal dele. Na história de Bukowski que contaram aí, eu li pensado que o cara ia dizer que me achou parecido com Bukowski, não com a mulher que chiou por ele não gostar de Shakespeare (na verdade às vezes fico de saco cheio com a shakespearemania, tipo Harold Bloom, e adorei saber que Bukowski - escritor por quem não me interesso muito - disse que o detestava). Na verdade me identifiquei duplamente com ele nesse lance. Pelo dito sobre Shakespeare (embora eu acredite que Shakespeare seja mesmo genial) e pela obsessão por quem o reprovou por isso. Acho que Sylvia Colombo e Jotabê Medeiros sabem que minha reação foi política e nada pessoal (se é que é com esse caso que o comentarista está fazendo o paralelo). Eu próprio não mereceria um elogio especial por meu trabalho no show sobre Jobim. Mas Roberto cantando Jobim é, em si mesmo, um acontecimento tão importante que não pode ser desmerecido sem criar revolta. Minha presença lá também dava valor histórico ao lance: fomos Gilberto Gil e eu a chamar a atenção da crítica séria para a importância da Jovem Guarda. Filhos rebeldes da bossa nova, os tropicalistas fizemos o curto-circuito entre o fino e o brega - e dissemos que Roberto estava, desde sempre, acima de classificações. Seria preciso um show escandalosamente desastroso para justificar a má-vontade dos críticos de Sampa. Gosto mais de São Paulo do que do Rio por mil razões. Até as que resultam em erros canhestros de perspectiva como o do caso acima. Ontem revi “Daunbailó” na TV e lembrei dos tempos heróicos da Ilustrada, com Matinas (de quem tenho tanta saudade - pessoal, não necessariamente profissional) e a abertura para um gosto internacional, uma reação saudável contra o ensimesmamento do Brasil. Mas as mil razões para amar Sampa ficam para ser desfiadas depois. Agora é dormir para gravar. Ah. Li todos os comments. Tive vontade de responder a vários trechos de vários. Mas agora não dá. |
Ainda Roberto Carlos. Neste texto “Estúdio”, estão, afinal, as suas impressões sobre a importância de Roberto cantar Tom e sobre o valor histórico da sua presença ali ao lado dele. Não tenho dúvidas de que os tropicalistas (neste caso, muito mais você do que Gil) são responsáveis pela inserção do Rei num terreno ao qual ele dificilmente teria acesso. E como seria injusto se esse acesso lhe tivesse sido negado!
ps. Estou escrevendo um livro (está em progresso) que se chama “Nome aos bois”, os poemas estão no site organizado por Hermano Vianna, todos os poemas são nomes de pessoas, acabei de fazer um que se chama Caetano Veloso.
http://www.overmundo.com.br/banco/caetano-veloso
PS: “Incompatibilidade” mesmo é a minha com o teclado. Perdoem o “m” antes do “c”.
CAETANO a impressão que a gente tem e é verdade, seus comentários no blog tem lhe trazido para perto, cada vez mais das pessoas que gostam de sua obra e até daquelas chatas que acham Caetano um saco. Tomara que o disco chegue logo, o transqualquercoisa. Sou jornalista paraibano, amigo de Silvio Osias.
agora eu gostei…………Viu, Fernando?!
Corrigindo erros de digitação:
Eu ando dizendo em meus coments que não tenho tanta curiosidade sobre os bastidores da gravação do novo CD, quanto pelos posts de Caetano a respeito de assuntos variados.
Depois desse novo post ESTÚDIO tive que parar pra pensar na razão dessa preferência. E humildemente encontrei a resposta: ciúme.
O ciúme lançou sua flecha preta na minha direção. Como músico, tenho uma confessável e saudável inveja do processo criativo desse CD. Não me basta o making-of virtual feito por aqui. Ele tem me deixado um tanto um tanto ansioso. Detona um desejo infantil de olhar de perto tudo que está rolando no estúdio.
Me acostumei desde moleque a escutar discos e imaginar o que aconteceu pra que nascessem e ganhassem forma. Via Roberto Carlos chegando ao estúdio em um calhambeque pra colocar as vozes em ritmo de aventura. Gil sorrindo, olhando pro Lanny em Expresso 2222. Duprat distribuindo partituras para a orquestra e ensaiando Geléia Geral.
O acesso às informações do antes-durante da gravação de um álbum não existia. Imaginar a gravação fazia parte do meu apoderamento afetivo e infantil. Sonhava fazer parte do time de músicos. Assim, sem nenhuma humildade, fui parceiro de Caetano centenas de vezes. Cantei com ele no estúdio Eldorado na gravação de Araça Azul e dei dicas de espanhol durante a colocação das vozes em Fina Estampa.
Quando o vi de perto pela primeira vez, num show no Colégio Equipe, onde era um secundarista bilheteiro, fiquei envergonhado. Era como se ele tivesse flagrado a minha pirataria subjetiva.
Mas ao ler o post ESTÚDIO estou diante de 2 convites: 1- abrir mão das minhas fantasias infantis e me deliciar com os relatos do Caetano. 2- não abrir mão da minha obsessão atávica e morrer de inveja.
Fiquei com as duas. Quem sabe no próximo overdub eu abra uma voz. Ou grave um violão.
Fãs são assim mesmo. “Rasgam seda” como diriam alguns por aqui. Aliás não sei de onde vem a expressão “rasgar seda”. Também tenho inveja dos “poetas amadores” que fazem textos-homenagem ao ídolo. Não saberia fazê-los. Afinal, sou parceiro do Caetano há mais de 35 anos e não tenho tempo pra isso.
Agora tenho que ir. O estúdio imaginário me espera e tenho que trocar as cordas do violão.
Acompanhei à época o programa de rádio que Bob Dylan conduzia - o Theme Time Radio Hour. Escutava com aquela agradável ilusão das coisas cotidianas e seriais. Muito gostoso era esperar pelo próximo programa a cada semana.
Acontece o mesmo com as tiras do Laerte na Folha, todas as manhãs.
Teu blog está fantástico, Caetano. E faz a gente voltar aqui com ganas do próximo post, que surgem de surpresa e iluminam sempre um pouco mais.
[PS. - O Harold Bloom é mesmo um chato e esses cânones são uns verdadeiros desserviços que nos fazem publicados. Contudo, Pound parecia mais honesto em seu paideuma, e aquele ABC dele é puro roquenrou.]
Realmente isto aqui te traz pra perto. Fica até parecendo que você existe de verdade como mortal. haha.
E, sim, o parêntese e o parêntesis. O conteúdo intercalado e o sinal gráfico, certo? Mais ou menos por aí? Eu me divirto com essas coisas.
Ah, não que você faça um orkut. Acho mesmo muito complicado pra você. Mas, pelo menos, dê uma olhada numa comunidade que recomendo. É das poucas que realmente têm discussão (a maioria das comunidades se perde em joguinhos idiotas e propagandas). O nome é “Caetano Veloso, o superbacana”. Reconheço muita gente boa de lá comentando aqui.
Repito: pena que sou de Salvador.
Beijo.
joia mesmo este texto…quem teve o privilegio de participar [como musico. sim, prq existem outras funções] da gravação de um disco, sabe que momento magico o de ver o “frankenstein” se formando. estudio de gravação eh o melhor brinquedo do mundo. e com uma dessas belezinhas analogicas entao…putz!
Já sabe quando o dvd será lançado, em que data específica???
E a gente quer ouvir tudo sobre as gravações… podiam colocar umas fotos. Mas também é legal assim, sem fotos, deixando-nos a imaginar o como, lugar e coisas.
Como o Gilliatt escreveu, podia ter uma faixa instrumental (bônus track - uma não, mais. risos…).
A Malu Magalhães está no disco do Marcelo Camelo (Sou/nóS), fiquei impressionado com sua voz; e a obra do Camelo é maravilhosa!
Quanto a Sampa… Fui a São Paulo pela primeira vez há dois anos. Assim que cheguei (sozinho) fui caminhar pelas ruas so centro, não sei precisamente os nomes, era aquele entorno todo da Praça da Sé, do Teatro Municipal, aqueles prédios enormes… As lágrimas começaram a descer, não precisava me preocupar, ninguém notaria (e não notaram). Voltei do estado de contemplação ao ser interrogado por uma menina se eu queria um cartão de determinado banco, olhei nos olhos dela (pensei, nossa! como são todas parecidas! Meninas e meninos que recolhem nomes para cartão são todos idênticas (os), mesma voz, mesmo sorriso…), eu disse: estou emocionado! Neguei o cartão, acenei um tchau e voltei ao meu caminho sem rumo. Foram dias emocionantes e renovadores, assisti “Os Sertões” do e no Oficina. Voltei para o Rio com o desejo de um dia morar em São Paulo. Essa vontade é latente, mas só em pensar em ficar sem a praia, sem a possibilidade de caminhar pela areia; beira do mar… Minha parte praieira me prende por aqui.
bjs.
Gravo muitas coisas em casa em um estudio digital portatil de oito canais todas noites antes de dormir. Sonho um dia (se tiver alguma canção que valha a pena) entrar em um estúdio profissional para gravar. Imagina se voce grava um disco em um estudio portatil desses? Como será que ficaria?
depois caetano vai desfilando a novidade novidadeira dos jovens….e fico pensando que a verdadeira novidade está em caetano e não exatamente na jovialidade dos jovens….
mas caetano é sempre o futuro…apenas quero dizer que quando o futuro percebe a jovialidade do presente o novo se perfaz….
Nossa,essas letrinhas são de arder os olhos!
“Acho que Sylvia Colombo e Jotabê Medeiros sabem que minha reação foi política e nada pessoal (se é que é com esse caso que o comentarista está fazendo o paralelo)”.
Sim, o paralelo foi justamente com esse caso e motivado por uma das “respostas” publicadas no blog do Jotabê Medeiros:
Em suma: a mim pouco importa quem tenha razão na rinha ideológica, eu tenho minhas próprias razões e motivações acerca das coisas: amo Caetano, Roberto Carlos, Tom Jobim (cada um em seu quadrado) e amo também muitas coisas que a crítica já publicou (err “positiva e negativamente”) com relação aos três. Só acho perigoso é que (paranóia do Jotabê Medeiros?) uma questão como “pedir minha demissão” seja posta em jogo. Aí, amigo, fica difícil de encarar, vez que envolve alguém que lutou em favor da liberdade de expressão e de muitas outras liberdades (como o Caetano) e que seguramente ajudou a educar muita gente aqui (me incluo).
o processo é lento mas o barato é louco:
that’s all, folk (e não fox, luiz)
um abraço “pra geral”
caetano,
o estúdio guarda um suspense. sempre tive interesse, desde pequeno, pela ficha técnica dos discos. ficava imaginando como que aquela música tinha sido feita - como que um elepê daquele podia guardar tanta gente, tanto som. como seria o estúdio “nas nuvens”. hehehehe. é como suspense que antecede uma peça de teatro: o que gurda aquelas cortinas fechadas??? achei bacana vcs usarem uma mesa analógica. para completar o clima retrô, vcs podiam tb mixar no sistema analógico e lançar, com edição exclusiva - claro!, alguns vinis, se não for difícil encontrar quem os fabrique - parece que só tem uma fábrica hoje em operação, que fica na baixada fluminense. seria certamente um souvenir disputadíssimo. me lembro do seu primeiro disco DDD, que é aquele voz e violão gravado em nova iorque na década de oitenta. tecnologias à parte, bom é poder acompanhar a feitura dessa obra, daqui de teresópolis, nesse vitù.
amplexos!
ps: ah! escrevi isso hoje de manhã, e é pra vc:
Pero Caetano todavia no me queda claro: sos modesto… no lo sos?, sos narcisista?, inseguro? (conozco muy bien estas personalidades hipertroficas). El parentesis es un chiste eh!.
Por lo general las personalidades no son puras y algunas son mucho mas complejas que otras. Sobre la inseguridad: esta presente en todos*. Gracias a Deus (y lo dice una atea) que existe esa forca estranha!!!!!
*Dijo Van Gogh en una de sus cartas a Theo: “By working hard, old man, I hope to make something good one day. I haven´t yet, but I am pursuing it and fighting for it…”
Essa canção de Aveiro chama-se mesmo “Menina da Ria”?
um abraço.
para ninguém dizer que sempre concordo com Caetano: não tenho simpatia com esse culto nostálgico do analógico (e não suporto mais som de teclado vintage etc.) - gosto de tudo transdigital, pós-digital, pró-ProTools (e Live etc.) - e hoje a nova geração escuta música de outro jeito: meus sobrinhos, por exemplo, têm bom som, os CDs e os vinis em casa - mas baixam as mesmas músicas que têm em casa em CD e vinil e escutam tudo no som ruim do computador e do tocador de MP3 - estão atrás é de outra coisa (nem sei bem o que é, já que gostam também de música de game e animê) - bem diferente de minha formação (mas adoro quem gosta “diferentemente” de mim…) - esses graves profundos e agudos macios vão ser escutados por quem? para que insistir nisso? - espero ansioso as explicações de Moreno, Daniel e Pedro Sá
Concordo com o que o Hermano falou no post 25. E também me pergunto como se concilia essa gravação analógica com os reprodutores digitais. No CD, no ipod e semelhantes, no PC, no MAC, enfim… será perceptível a diferença? As texturas, as nuances,todos os detalhes que diferenciam a gravação analógica da digital, não se perdem ao se transferir tudo pr’um suporte digital?
Wittgenstein também não gostava de Shakespeare.
Abração