Preparando o retorno ao Brasil e ao canteiro da Obra (27/07/2008)
Preparando o retorno ao Brasil e ao canteiro da Obra |
27/07/2008 5:45 pm |
Caetano, em comunicado provavelmente final desta turnê européia, sintetiza parte do que aconteceu por lá, por aqui (neste blog) e do primeiro show do Vivo Rio até aqui (nesta Obra, limpando o terreno para sua continuidade): “Transamba é transcriação do samba em chave nova. Bossa nova, esquema novo, novos baianos. Marcos Moran e o Samba Som 7 já tinham o mais transamba dos sambas do Chico, o mais do Paulinho, Antonio Carlos e Jocafi, “O Lado Direito da Rua Direita” e Novos Baianos. Além de guitarra no samba (Novos Baianos já eram isso). Haroldo de Campos chamou de “transblanco” a tradução (”transcriação“) que fez do “Blanco” de Octavio Paz. Pedro Sá vive lendo Octavio Paz. Está apaixonado. Terá lido esse “Transblanco”? Vamos tocar aí no Rio na segunda quinzena de agosto. Como tudo o que faço em música, a inspiração prática, técnica, tangível, material do meu “transamba” veio de Gilberto Gil. A batida que fiz tocando “Minha flor, meu bebê” - e que está em “Perdeu” e é a base por trás do tratamento das outras canções, inclusive a de Bosco/Blanc - vem de um jeito que Gil inventou para estilizar o samba no violão, nos anos 70. Não sei se há gravações profissionais dele tocando assim (Gil muito freqüentemente fazia coisas em casa que sumiam nos arranjos de estúdio). Mas seguramente foi imitando (limitadamente) o que ouvia Gil fazer que construí a versão de “Madrugada e amor”, acho que do disco “Qualquer Coisa”, e mesmo minha versão de “Eleanor Rigby”, que eu acho linda, com Perinho Albuquerque fazendo guitarra solo sobre meu violão gilbertogilesco e eu cantando um pouco como Amália Rodrigues (mas em que os ingleses e os americanos não viram graça, que eu saiba, assim como não vêem em nada do “A Foreign Sound”). A catedral de São Basílio é linda como um sorvete; os lutadores da porta do hotel de Caserta são grande cena homoerótica masculina; Noel não é racista nem misógino (essa racialização e sexualização dos argumentos políticos é algo que desejei desde antes do tropicalismo mas hoje tenho de reconhecer quanto pode - como uma vez me disse João Gilberto - atrapalhar o processo: eu disse aquilo sobre o “Feitiço da Vila” porque quero lutar contra esses engessamentos, como quem diz: então vamos fazer exigências politicamente corretas incômodas pra ver se agüentamos); Os “Três travestis” ressuscitaram graças ao caso Ronaldo (que não merecia ter a vida invadida por ameaças que usam o “jornalismo-fofoca-de-celebridades” como arma): o bom disso é a canção - e a oportunidade de sugerir: Jô, meu querido Jô Soares, faz uma entrevista com a Keila Simpson, a principal informante do trabalho feito sobre o travestismo no Brasil pelo antropólogo americano Don Kulick; ela, Keyla, é uma pessoa incrivelmente articulada e tem muito a contar sobre a realidade da vida dos travestis brasileiros (vive em Salvador mas já viveu em Milão e sabe de tudo: está ligada a organizações de humanização da condição das travestis)! - e o livro “Travesti” acaba de sair traduzido em português; amigos americanos liberais (isso lá quer dizer “de esquerda”, ao contrário do Brasil) me dizem que votaram em Obama e gostam dele mas já sabem que ele vai decepcioná-los: bem, eu não me decepcionei com Lula porque não esperava coisa muito diferente do que há - e não votei em Obama; a fantástica frase “prefiro Obama a Hillary porque gosto muito mais de preto do que de mulher” foi outra provocação com a racialização e sexualização da política, mas também, e principalmente, uma homenagem à memória de Pierre Verger: Tendo Verger ido a minha casa na Bahia com umas moças que fizeram um documentário sobre ele, e vendo que o VHS não reproduzia as cores, me segredou: “assim é melhor, tudo em preto e branco; pra ficar perfeito só falta parar a imagem”. Perguntei porque ele não gostava da imagem em movimento. Ele disse que nunca gostara de cinema porque “em movimento você não consegue uma composição realmente bonita”. Assistimos ao documentário em preto e branco. Depois que acabou, voltei à conversa com ele: - “você me explicou por que não gosta da imagem em movimeno; mas e as cores, qual o problema com as cores?” Ele respondeu: “ah, cores não, cores são uma vulgaridade”. Achei a resposta insatisfatória, embora compreensível: era um lugar comum que ele repetia com a alegria de quem nem precisa elaborar. Adotei esse tom menos responsável e disse: “você gosta mesmo é de preto-e-branco”. Ele, com maior alegria (e maior originalidade do que na resposta elaborada), contestou: “gosto muito mais de preto do que de preto-e-branco”. Os shows solo aqui foram muito bons. Eu não esperava. Os melhores foram o de Luxemburgo (a acústica do teatro!), o de Viena, o de Roma e o de Oeiras (nos jardins do palácio do Marquês de Pombal). Houve duetos memoráveis com Stefano Bollani em Perugia e Cagliari. Mas nessas outras cidades foi tudo ainda mais bonito. Bollani é um jovem gênio do piano de jazz que gravou um disco chamado “Carioca” com músicos brasileiros (inclusive meus amados Marçalzinho e Jorge Élder), onde ele mostra uma clareza incrível na compreensão do espírito do choro. Mas nesses dias não cantei “Minha voz, minha vida” como em Viena ou Oeiras. Sobretudo não cantei “Odeio” e “Homem” em versões eficientes para violão solo que me surgiram aqui (nada mudou, mas é diferente). O pior show foi em Moscou: não tinha público propriamente, era um show fechado para empreendedores imobiliários russos. Muito charuto. Tenho horror a charuto. Eram jovens com terninhos new wave fumando charuto. O lugar tinha decoração yuppie também. Mas encontrei Tânia Maria e tocamos juntos, o que foi uma grande alegria. Fizemos “Manhã de carnaval” para nós mesmos e ficamos felizes com isso. “Manhã de carnaval” é a canção de Bonfá para o “Orfeu” que Tom Jobim chamava “aquela música russa” (e cuja coda ouço sempre por trás de “Stairway to Heaven“). Fiquei surpreso com vienenses me esperando à porta do hotel para pedir autógrafo e fazer fotografia. Uma gente de todas as idades, com jeito de solitária, sem falar português, falando inglês com sotaque forte e exibindo CDs antigos e novos meus, além de capas de discos de vinil. Jorge Mautner não saía da minha cabeça. Queria que ele visse os austríacos em plena brasilificação. Talvez eles saibam quão perto estão da outra opção. Istambul: o show lá foi lindo mas a cidade merece texto à parte.” |
Estive ontem no show de Oeiras (Portugal), bem perto do palco. Foi magnífico. Caetano é Deus.
http://www.i-blog-your-pardon.blogspot.com/
Caro Caetano,
Só queria agradecer-lhe por ter tocado de jeito tão doce e tão bonito “La Mer” de Trenet, ontém à noite. Pra mim foi o momento emocionalmente mais intenso do concerto, e espero ter de novo a oportunidade de ouví-la cantada por você.
Um abraço.
La Mer! realmente: fui procurar no YouTube e encontrei este registro aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=YfbigxQYzt0
gosto ate’ dos defeitos da camera e do som (inclusive um pequeno diálogo durante a música)…
outro registro, para se confirmar como o jazz acompanha bem Caetano: no 56th Annual Critics Poll da revista Down Beat, a mais importante eleição dos melhores do jazz, há uma categoria chamada Beyond para tudo que não é jazz nem blues. Este ano, no número da Down Beat que acaba de ser publicado, Caetano é o segundo melhor Beyond Artist, só atrás do Radiohead (mas na frente de Wilco, Joni Mitchell, Björk…), e o Cê foi eleito o terceiro melhor Beyond Album, atrás de Radiohead e Robert Plant/Alison Krauss, e na frente de Robert Wyatt, Mavis Staples, M.I.A, Joni Mitchell, Bruce Springsteen…
Valeu, Hermano!
Realmente ficou linda a interpretação (e os ruidos da câmera criam uma paisagem sonora muito bonita, algo que chega perto da saudade, sei lá)…
Interessante o silêncio da platéia, parece que de repente entraram num trase.
…tudo em preto e branco, com movimentos mínimos…
Muito obrigada pelo link, Hermano!:)
Eis aquí o Charles Trenet cantando “La Mer”, só pra comparar: http://www.dailymotion.com/video/xif8v_charles-trenet-la-mer
(”C’est pas assez swing”!!?)
Engraçado, eu sempre fui fascinado por essa batida reta (1,2,3/1,2,3,4) do violão de “Eleanor Rugby” e “Madrugada e Amor” (”Qualquer coisa”), e ficava tocando “Muito romântico” (”Muito”) assim, mas como um rock dançante. Quando ouvi (no show do “Obra em progresso” de 18/06) a versão de “Incompatibilidade de gênios”, associei de imediato, embora seja uma levada mais acelerada. E só então, e justamente por isso (aceleração), saquei que a batida era um samba. Samba destilado, como se você tirasse todos os elementos alegóricos de uma coisa para chegar no seu ponto essencial. Digo “engraçado” (lá no início) porque não via samba nessa tal versão de “Muito romântico”. E é. Outro fascínio: a levada de “Tempo de estio” (também “Muito”). Esta é o que o Gil chamou de “valsa caetaneada”? Ouvi isso uma vez mas nunca confirmei.
Caetano,
Obrigado pelos atalhos que nos leva ao conhecimento.muito obrigado!
valeu pelo link hermano…
coisa muito bacana….
caetano parece levitar ….e o contraste do preto branco e do minimalismo em cantar….elevam á um estado d alma interessante…acho que todos levitaram junto….detalhe quando imagem treme parece que caetano esta cantando em espirito….intrigante esta imagem muito intrigante…é o poder de transcendencia da musica…so pode ser…caramba um cara de santo amaro que encanta o mundo seja la em que idioma canta….que bom que é nosso….é brasileiro.. e nem só de rodada de doha a gente vive…alias que bom que há algo alem da rodada de doha e este algo é caetano….
superbacana…um instante maestro….vou ouvir de novo
tantas palavras e informações e citações e declarações e argumentos. não sei…acho esta Obra já profundamente distante do Cê, em essência e motivação. sinto em mim, profundamente distante. bons caminhos pra vcs. boa sorte nas definições, explicações e links.
Mestre querido, muitíssimo obrigada por dividir conosco suas verdades, vontades, conceito/partido criativo e impressões sobre os últimos acontecimentos e criações! A arquitetura das idéias é a nossa constante “Obra em progresso” e graças a ela podemos construir, verdadeira e singularmente quem somos! Bravo pela idéia do espetáculo! Já estou ansiosíssima para ouvi-lo e vê-lo aqui em Minas! Meu carinho e admiração daqui das Gerais, Vivi Norman
Caetano,
Foi, uma vez mais e como sempre, um momento de profunda emoção “ouvê-lo” em Oeiras. Lá estive, como sempre procuro estar, na 1ª fila a escassos 5ou 6 metros do palco.
Se as contas não me falham, foi a 14º concerto seu a que assisti, Lisboa, Porto, Paris, Salvador, um memorável Noites do Norte no Rio com o Lulu.
Creio, tambem, ter toda a sua discografia oficial e bibliografia publicada. Admiro imensamente a sua capacidade de reinvenção, desconstrução e reconstrução, o tornar simples as coisas que parecem complexas e o tornar complexas as que se pensavam simples. É quase como ver fogo-de-artifício, sabemos que o foguete vai rebentar mas não adivinahmso de que cores, com que brilho, com que composição e com que estrondo vai rebentar.
Como Português, que ama a sua língua e a vê tão frequentemente maltratada, devo agradecer-lhe o carinho e o génio com que trata as palavras-nossas. A maior prova de respeito pela Língua é usá-la, alimentá-la, torná-la viva e, isso, você faz como ninguem.
Estive várias vezes à beira de o abordar (nas ceias do Gambrinus, no Bairro Alto, por esta Lisboa) mas o embaraço e o respeito pela privacidade dos outros (neste caso, a sua) sempre me impediu de o fazer. Para Oeiras tinha levado um livro que gostava de lhe oferecer mas a altura do palco e a “contenção” da assitência no final impediram-me de o fazer.
É o (único e póstumo) livro de um grande Poeta português, injustamente esquecido e ignorado, creio que conhecido apenas de uns poucos. As palavras dele podiam ser as suas. Se houver possibilidade de lho enviar, talvez a sua produção me possa facultar um endereço.
Obrigado.
PS: A sua versão de Trenet foi emocionante.
Caro Caetano, grazie per la tua musica. Torna in Italia presto, a Roma ci hai emozionati come sempre, hai cantato per due volte la bellissima “La Mer” e ci hai avvolti di soavità.
Não me admira ser você a trazer à tona esse Transamba. Criar ou ressuscitar, não importa. O momento é propício e carente de transcender o que conhecemos por Samba. Todos os antenados estão revisitando o Samba. Só pra citar alguns: Marisa Monte, Maria Rita, Vanessa da Mata, até Ivete Sangalo e Fernanda Porto (com brilhantismo). Pra mim, não basta revisitá-lo. Alguém tem que dar o próximo passo. Fico feliz de ser você, o maior ídolo que já tive na vida (desde meus oito anos de idade), a tomar a iniciativa. Você diz que é mais de sugerir do que de realizar. Pois eu digo: você, além de realizar, realiza por sugestão. Você sabe que forma opiniões. E, graças à Deus, não só da massa. Mas do intelecto, dos influentes e influenciadores. Sei que não é agradável pra você assumir esse posto (ou responsabilidade), mas você está muito vivo e precisa realizar enquanto pode. É a sua obra. Se alguém pode fazê-lo, esse alguém é você. Convide alguns músicos (como os que citei, por exemplo) para um novo projeto de som. O Transamba tem que nascer. Não deixe-o ser esquecido. Não foi à toa que isso lhe ocorreu. Adoraria (eu e a torcida do Corinthians) ver você e a Marisa Monte encabeçarem um novo momento na música: a fusão de Doces Bárbaros com Tribalistas. Sei que muitos vão bufar, dizer que em Samba não se mexe, que o Samba não prcisa de Caetanizações. Mas a história dirá. Não foi assim com o Tropicalismo? Hoje o Araçá Azul não é um “Cult”? rsrs Vê o exemplo do pianista Victor Araújo (Recife), que foi pixado pelos eruditos por fazer o melhor som que ouvi em muitos anos, desconstruindo e popularizando o que conhecemos por música clássica. Desculpe pela extensão do desabafo, mas senti uma certa hesitação em suas palavras. Força, sempre!
Caro Caetano,
Caetano, ou administrador, não tinha prestado atenção na letra de Falso Leblon… Muito, muito boa. Acho que a plástica da performance que aparece no youtube acaba engolindo o essencial. Verdade que os degraus da melodia acabam por embanananar a macacada que curte o vaivém do sonzinho bom.Ou será que sou eu, que tive que escutar três vezes pra entender? Pois é, às vezes o próprio título não basta…
Não acho em lugar algum a letra oficial completa, se é que saiu do progresso, queria botar no meu bloguinho. A preguiça me impede de transcrever sílaba por sílaba, onde acho?
Octavio Paz, sempre tocante… não dá pra ler uma vez só. “Duchamp ou o Castelo da Pureza” foi uma das coisas mais marcantes que li. Ao chegar a exposição de Duchamp em SP, semana passada, fui correndo procurar a noiva. Mas ela era muito mais interessante aos olhos de Paz. Queria os olhos de Octavio Paz.
Beijo. Gostei daqui.
Caetano está a vir
O sol na poeira do dia.
Toda a beleza para esse seu dia! Felicidades meu amigo, meu irmão!
Felicidades como a que cê nos proporcionou no carnaval do Recife, no recebimento do título de Cidadão Pernambucano.
Eu sim sou um cara de sorte, pois estive nestes dois momentos importantes de nossas vidas.
Ele sorridente e bobalhão, seja pelas ‘tesouras’ ou pelos os ‘frevos’ de rua, dançados e cantados com tanto entusiasmo por Ele, que naquele momento curtia o lado mais singular da manifestação momesca no Recife, ou pelo tom sério de um momento parlamentar que lhe rendia tão merecido reconhecimento e condecoração, tom esse quebrado por Ele, quando vestiu a fantasia do Maracatu Rural de Pernambuco e assim saiu fantasiado da sessão pelos corredores da assembléia Legislativa de Pernambuco.
E eu? Ah! Eu me deliciei com esses presentes maravilhos, que registrei em minha mente e que guardo no meu coração.
Obrigado Mano Caetano - Eu de verdade Te Amo!
pessoa assim assim foi assim
é assim
é preciso ouvir caetano
dizendo isto ou aquilo
pra que mentir?
pelo dom de iludir?
mulher não é o antônimo de homem,
mas do anjo
acontece…
Agosto 29th, 2008 at 10:43 pm
Caetano,
Estive no show em Viena. Foi um prazer muito grande te ouvir e sentir de alguma forma o calor do Brasil.
Magnífico.
Abraco,
Layse
Fatima Cristina disse:
Fevereiro 12th, 2009 at 2:32 am
Oi Caetano,
Também tive o grande prazer de te assistir no palco da ópera de Viena. Foi lindo! Maravilhoso! Volte sempre!
Abraços, Fatima