Transamba e Caserta! (25/07/2008)
Transamba e Caserta! |
25/07/2008 2:55 pm |
Caetano, da Itália, continua a refletir sobre a concepção da Obra em Progresso: “transamba - de trans + samba; nome de um novo gênero de música criado artificialmente (mas nem Deus sabe quão orgânica e necessariamente) no Brasil. Trans, prefixo de origem latina, significa: além de, através, em troca de. Samba, possivelmente de origem quimbunda, é um tipo brasileiro de música de dança, lamento e sabedoria. O trans de transamba para mim é como o trans em transcendência, transfiguração, transvaloração, transformista; mas também como em trânsito, transação, transporte, transa; e ainda como em transparência, translúcido, translumbramento; ou em transbordar, transviado, transtorno, transpiração. Ou seja, transamba é palavra que já vem dançando entre os sentidos. Mas entre principalmente esses sentidos. É o samba além do samba. Um samba desencaminhado e excessivo, mas sublime e superior. Isso é o que a palavra me diz. As músicas que eu (ou outrem) fizer sob essa rubrica poderão chegar mais ou menos longe dessa meta. Como, de resto, cada exemplar de samba de qualquer época chega mais ou menos perto de ser o que o samba surgiu para ser. O título do disco que resultará da obra em progresso não será “Transamba”. Diferentemente de alguns, adoro a palavra. Ela me veio de repente, e logo ligada à lembrança da palavra “transvanguarda“, que ouvi e li tanto nos anos 80 e que designava um movimento italiano na área das artes plásticas. Por causa disso - e por causa de minhas passagens pela Itália nos últimos anos - tenho vontade de pôr no disco um título em italiano. Embora não pretenda cantar nada em italiano. Também estou lendo a tradução italiana do “Istambul” de Orhan Pamuk, o que faz o livro ficar duplamente curioso, e lá encontro palavras ou conjuntos de palavras que (sobretudo essas expressões italianas feitas de fonemas repetidos, como “ben bene” ou “pian piano”, “a poco a poco”, “man mano” - embora já saiba que não será nenhuma dessas a escolhida) parecem não ter nada a ver com as canções do disco. Nesse meu embrião de inspiração há algo dos títulos enigmáticos do rock dos anos 60 aos 80: “In-A-Gadda-Da-Vida“, “Regatta De Blanc“, o insuperável “Blonde on Blonde“… Enfim, alguma coisa que tire de esquadro toda a referência ao samba, ou aos transambas ou parasambas ou metasambas que a Banda Cê e eu vamos apresentar. Mas a palavra “transamba” aparecerá em algum lugar. Houve que não gostasse. Não só dentre os comentaristas do blog. Algumas pessoas amigas, inteligentes e, ademais, fãs do som e do repertório da Obra em Progresso, estranharam “transamba” com desagrado. Pelo menos num primeiro momento houve em alguns uma rejeição com cuja razão não atinei: eu gostei muito de “transamba” logo que a palavra me ocorreu. Mas aos poucos fui ouvindo a anaminese de cada um: tinham um vago medo de que eu estivesse sendo artificioso e esquematicamente marqueteiro. Mas era mesmo um medo vago. Ninguém dizia explicitamente. E ele era bem menor do que a mera desaprovação estética da palavra. Eu, como recebi essa inspiração como um acontecimento poético, desconfiava - e desconfio - de que o problema é mais o samba do que o trans. Na própria música há isso. Quando propus o projeto a Pedro Sá formulei a pergunta: será que samba dá samba? Porque é assim: ou bem nos voltamos para o samba e o cultivamos (e aí somos vistos com carinho pelos que cuidam da nossa cultura) ou nos afastamos dele e de toda a carga de fracassos do Brasil que ele carrega (como nos afastamos do catolicismo ou da umbanda por descrença histórica e nos aproximamos dos cultos neo-pentecostais) e buscamos nos sentir integrados na mescla de estilo caipira norte-americano com estilo crioulo norte-americano que ganhou o nome de rock’n'roll nos anos 50. Isso e todos os desdobramentos disso (do reggae ao disco, do rap ao grunge, do house ao punk…) são magnetos, pólos de atração reais e vitais: servem no mínimo de referência obrigatória, mas na verdade de critério de julgamento. O samba não teria salvação. O mero reconhecimento do seu balanço amarra a imaginação e a sensibilidade, desanima a alma que quer ser livre e nova. Então foi e é um desafio enfrentar essa empreitada. Um aprofundamento da pesquisa com o rock independente (ambiente “nobre” da criação de música popular hoje) esboçada em “Cê”, sem contaminação de samba, seria mais estratégico, talvez mais saudável, no esforço de afirmação de uma produção brasileira de ponta que se imponha no mundo. Mas as coisas não acontecem assim. Mesmo porque eu tradicionalmente sou mais de sugerir do que de realizar: minhas limitações muiscais não permitiriam mesmo que fosse eu próprio a perfazer o que sonho para o criador de música brasileira. Então é transamba. Isso vai servir para engrossar o caldo. CASERTA! Eis a escultura que orna a fonte em frente à entrada do hotel de Caserta, em fotos tiradas por mim e por Giovana Chanley: Mas Caserta não é só essa reprodução em alvenaria grosseira de alguma escultura clássica (será mesmo isso?). Caserta tem a Reggia (no pátio da qual foi o meu show), que é uma Transversailles (ou Trasversalhes): o palácio, os jardins, tudo é como uma Versalhes gigante - ou mais gigante. Os salões, os pátios, os quilométricos jardins, tudo é feito para extasiar. Transversal do tempo (para homenagear nosso tema central, que é a música popular do Brasil - e insistir na educação dos leitores para a absorção adequada do termo “transamba”), esse palácio é uma mega jóia barroca construída no século 18. Se houver pedidos, há fotos de tudo isso para mostrar: Giovana, minha assistente, é como os japoneses nos (tão citados hoje) anos 80: fotografa tudo. P.S. já de Portugal: Muito importante a existência do disco “Transamba” de Marcos Moran e Samba Sete. Entrei no site brasilemvinil e fiquei maravilhado de ver a palavra já escrita ali. Pena que não deu para eu ouvir as músicas. Por que será? Será que é porque estou no Algarve? Vou perguntar aqui e vou postar um comentário depois. Por agora é só relembrar que minha “inspiração poética” já tinha chegado a outro. E em 1973! Para mim a palavra “transamba” fica reafirmada com a existência do disco de Marcos Moran. Não ouvi mas deu pra gostar do repertório, com muito Antônio Carlos e Jocafi mais o Partido Alto do Chico e o Pagode do Paulinho da Viola. Transamba ou transsamba: o prefixo trans, me informa Hermano, nunca pode ser seguido de hífen.” |
26 Comentários sobre o Post “Transamba e Caserta!”
Se o disco vai chamar ou Transamba ou Transvanguarda, certamente será excelente, como todos do Cae. Até achei o nome “Transamba” criativo e interesaante, parecido com as coisas do Caetano. Mas conservo uma saudade bem…bem… de algum álbum do Caetano com orquestra, como Noites do norte, penso especilmente em Trem das cores. Nem entendo nada de música, falo pq adoro os trabalhos do Cae. Nem tenho nada contra a banda Cê, achei excelente Cê ao vivo.
Maravilhosa essa proposta. Sou o cavaquinhista de Robertinho Chaves (tocamos juntos no museu du ritmo - Meia lua inteira…) e minha maior característica musical é transceder o cavaquinho além desses rótulos engessado chamados “samba” e “choro”. Se precisar de um “transcavaco” nessa idéia…
http://br.youtube.com/watch?v=rCdB789Lv2g
neste link há todas as regras atuais para uso de prefixos: http://www.pucrs.br/manualred/hifen.php (mas reparem bem: tudo começa com uma advertência: “As regras de emprego do hífen são numerosíssimas e das mais complicadas da Língua Portuguesa. E com várias exceções, incoerências e omissões. Indispensável, por isso, o recurso constante a um dicionário, a um manual de redação ou a um guia ortográfico.”)
No meu Manual de Redação e Estilo, lançado pelo jornal Estado de S. Paulo, há mais esta regra: “No caso da segunda palavra começar por s, obviamente ocorre a fusão: transaariano (através do Saara), transiberiano, transudar, transecular.”
não era nada óbvio para mim, mas passou a ser - olha o transamba aí, já nos dando aulas, gente! a escola de transamba Obra em Progresso (ou terá também nome italiano?) já está na avenida!
Acho que o Caetano está muito perto e muito longe de mim. Estou morando em Lisboa, imaginem: um baiano em Lisboa! TransBahia… E é com uma imensa infelicidade que eu e minha esposa, portuguesa, mas transportuguesa, uma vez que tirou o curso superior e me conheceu na Bahia, não poderemos ir ao show do Caetano porque o nosso dinheiro está transinexistente. Bom, seja lá como for, vou homenagear o fato de ter Caetano no mesmo espaço territorial, de fato, cantando umas músicas dele ao violão. TransCaetano? Não! TransCaetano é o próprio Caetano! E quão genial ele é! Sou apenas um trans.cibernetico.que.posta.neste.trans.caminho.www.mpb.com/brunomelo uma forma trans cibernética virtual de falar… Com a permissão do Caetano, “Outras Palavras”…
Pra fugir do samba e da sua força hipnótico-magnética, só mesmo destroçando-o, dilacerando-o, pois qualquer resquício mais identificável que se permita do mesmo, pode fazer com que tudo volte ao samba… Pra alegria de alguns e desespero criativo de outros. Aliás, um desespero delicioso! Que o universo siga dando essa capacidade de “identificar viezes outros” a Caetano… E que nos abençoe o Samba, macumba bem feita!
E que ouçamos Aderbal Duarte, sob a pena do mundo mais uma vez conhecer um talento criativo brasileiro antes de nós mesmos! Pois certamente nao é tendo o nome posto em aeroporto, o que satisfará a alma de um artista.
Beijos e AXÉ!
Caetano
Me lembrei do disco que o Chico gravou na Itália com seus primeiros sambas.
C’é Piú Samba (Tem Mais Samba), Non Vuoi Aslcoltar (Você Não Ouviu) entre outras. Aí tem um link bacana entre a língua italiana que você tem saboreado e o samba híbrido do Chico com os arranjos do Enio.
Há pedidos! Quero ver as fotos!
gosto da palavra “transamba” e não entendo como palavras podem gerar pré-conceitos (tem hifen?)hermano definitivamente o hifen deve ser abolido na reforma ortografica!
gostaria de ver as fotos tb….há mais um pedido.
mas sinceramente um “movimento italiano na area das artes plasticas” só pode ser brincadeira do caetano, mais uma de suas “stand up transmusicais inspirações”….uma globalização enquanto inspiração que passa ao largo do nucleo criativo e local que é o samba…
me perdoe caetano mas não há nada na italia que se compare a possibilidade de vanguarda que o samba de vanguarda…alias o samba é sempre vanguarda
verdadeiro broxante(é com x)?vc ter nos revelado que a inspiração vem de algo de fora, algo italiano….alias tirando sergio endrigo nada mais chato do que musica italiana…
ao mesmo tempo esta necessidade de desconstruir o samba fazendo uma analogia com os fracassos do pais é por demais injusto com o genero musical samba….
se vc for capaz de perceber o samba sem excesso de zelo e sem a necessidade de desconstrução vou acreditar que vc esta “maduro” no bom sentido do termo, ao ponto de perceber que a guitarra de pedro sa é samba, que dona ivone lara é samba, que baden é samba,que jorge ben é samba, que um cavaquinho um pandeiro e um violão tambem é samba,que paulinho da viola cantando timoneiro por exemplo acompanhado pela guitarra de pedro sa tb é samba…
abraços do fã nelson
Nelson, eis o blog de que lhe falei. Não sei se será possível colocar aqui, mas se for e se puder, passa lá. O MPB é coisa viva, que capta muita coisa… Parabolicamará, já disse o Gilberto Gil, certa vez… Abraço!
Blog: http://brunomelo.blog.terra.com.br/
a meu ver, o samba já esta na fase da descontrução, talvez, Caetano esteja querendo destruir a construção da desconstrução.
Cada exemplar de sentido é um exemplar atrás de outro sentido, porém, o transamba de Caetano é exemplar transfigurando e sendo significado em sentido duplo. O que fica é o mesmo que transcreve e transcrito na vida dá sentido e samba. Anamnésia do samba que transfigura em transamba é o que poderemos pensar sobre o que poderá dar ou não dar: um romance dá um romance? Depois, o samba dá samba? Prefiro a simulação do pensar para se chegar onde o samba chega. Não mais puro. A impureza é o acontecimento único de quem pensa além. O ato de simular leva o pensar sobre a transfiguração, e disso não tenho dúvidas sobre o acontecimento poético, o que desceu aqui no Brasil e na Itália, na Rússia, em qualquer lugar do mundo.
ah, falei pra caralho e esqueci de comentar as esculturas, que me lembraram imediatamente uns quadros do Francis Bacon, em que o sexo gay é descrito como uma luta tambem. massa mesmo.
Nelson, creio que entendo o seu ponto de vista. O que na verdade eu quis apresentar, foi a idéia de que os elementos que dao “sustança” característica ao samba, sendo esta uma proposta “trans” em intensidade, devem ser trabalhados de forma potencialmente criativa, por isso a violência das minhas palavras “destroçar, dilacerar”. A atitude trans, na minha opiniao, nao pode se igualar a mera fusoes ou incrementos de elementos estilísticos outros, propostas estas até bem interessantes, porém já cansativas e desprovidas do tesao da novidade. E nesse sentido último, é que me refiro a tudo voltar ao samba, me entende? Ora, porque a guitarra tropicalista já possui o livre acesso e reconhecimento de “boa mistura”, e a mesma receptividade é mal digerida por novas propostas sonoras, ou incrementos de novas culturas sonoras? O samba é o nosso feijao com arroz de todo dia. Sagrado e onipresente por isso. Logo, que gire a metralhadora e que reviva a imprescindível novidade, que é samba.
Abraços.
Tem algo estranho na sonoridade da palavra transamba, ela é incomum, creio que isso seja defato uma coisa boa no contexto, criando um interesse e já trascendendo em sonoridade logo de cara. Não é uma palavra doce, com uma sonoridade equilibrada, transamba soa íngreme! É ótimo! Vamos fazer.
Olá,adorável.
Nesse blog, resolvemos transcaetanear. Donde vem toda essa gordura trans, essa transexualidade no trasnsatlântico?E de repente, estamos transubustanciar o samba e a poesia.
Digo:estamos a transubstanciar o samba e a poesia.