Transorvetão - de Ferrara a Istambul (09/07/2008)
De seu giro pela Europa e pelas bordas da Europa, Caetano manda mais notícias: “Há quem diga aí que gostaria que eu escrevesse sobre os outros lugares por onde passo nesta turnê que interrompeu a Obra em Progresso ao vivo no Rio. Afinal, só a Rússia? Digo que os dois motivos que me levaram a comentar Moscou estão ausentes aqui: dias de folga (lá, tive quatro dias; aqui, nenhum ainda) e a novidade e relativo exotismo do lugar (aqui é Europa ocidental, Itália agora, lugares onde já vim dezenas de vezes). Embora esteja em Ferrara (a terra de Antonioni) pela primeira vez, vejo uma cidade italiana, com suas belezas particulares, é claro, mas dentro de um estilo conhecido. E não tenho tempo. Escrevo sem cuidado porque espero o avião para Istambul. Bem, vou ter um dia de folga lá e Istambul é grande novidade em minha vida. Mando duas fotos da única peça arquitetônica que encontrei em Ferrara capaz de rivalizar com a Catedral de São Basílio: Eu próprio tirei as fotografias (assim como aquela do monumento a Pedro, o Grande, o Navegador etc.). Mas todas as outras fotos de Moscou (as melhores) foram tiradas por Giovana Chanley. Eu nunca tive uma câmera e quase nunca tiro fotografias. Lembro do tempo em que só os japoneses tiravam fotografia de tudo o tempo todo e nós achávamos engraçado. Bepe, nosso guia sardo na Itália, contou que os japoeneses da equipe que rodava um documentário sobre a Sardenha tiravam fotos de todos os pratos que iam comer nos restaurantes. Eu, que queria ser cineasta, acho chato quando se tira muita foto da gente nas praias, no carnaval, nas celebrações, porque parece que tudo perde o gosto. Não me vejo tirando foto do meu almoço. De fato, a interrupção do ritmo de uma situação pelos constantes arranjos para fotografar enche o saco. Há décadas que vejo coisas incríveis no carnaval da Bahia e me prometo levar uma câmera para registrar. Mas sempre deixo para o próximo ano pois não quero perder o carnaval. Fotografar ou filmar é como sair dali e olhar de fora. E parar para ser fotografado atrapalha. *** Mas será que visões de Moscou, de Luxemburgo, de Istambul - ou a volta à Itália, à Áustria, à Espanha ou a Portugal - contribuirão com alguma coisa para as canções que tento continuar compondo para o repertório de “transambas”? Não sei. Sinto saudades dos shows no Vivo Rio. Hermano e Paulinha me contam que provavelmente, na minha volta, teremos muita atividade neste blog (acompanhamento dos ensaios e das gravações do disco) mas nada de show mais. A não ser que a gente tivesse deixado o CD para o ano que vem. Não era meu plano. Como ouvi dizer que vamos também dar notícias da gênese de novas canções, conto agora que comecei uma que deve se chamar “Lobão tem razão” ou “Chega de verdade”. Já existe em parte, é transamba, e já contém as duas frases que lancei aí acima como candidatas a título. *** Estou em Istambul - e foi aqui, num quarto enorme de hotel, todo envidraçado, de onde se vê o Bósforo (de onde virá o Pavel turco para dizer que está tudo errado?) e, naturalmente, o extremo oeste da Ásia. Aliás, voar de Roma a Constantinopla foi como reler o livro de Gibbon em menos de duas horas. Foi rever o que aconteceu nesta parte nuclear do nosso mundo desde Augustus até Maomé. E passando pelas guerras entre as facções do cristianismo, com Jorge de Capadócia odiado pelo autor (talvez por ser inglês ele teve mais gosto em desancar o padroeiro da Inglaterra), e, antes, pelas barganhas entre Roma e os bárbaros. Adoro os “alamanos” terem sido uma tribo germânica que se autodenominava assim, significando que eram “todos os homens”. E outra, da Gália, cujos indivíduos se chamavam de “francos”, significando que eram “livres”. Mas eu olhava pela janela do avião, emocionado, e pensava que o mais bonito é o estilo de Gibbon. Mas Istambul não é só “Lobão tem razão” não. Depois, quando eu estiver de volta à Itália (ou quando eu já estiver na Espanha), eu conto. *** De uma vez por todas: apesar da gracinha das fotos do sorvetão na Gelateria de la Luna, eu não acho a catedral de São Basílio cafona nem brega nem kitsch. Discordo de Gullar nesse ponto. Acho que disse tudo quando a chamei de transbrega. Mas não disse não. Ela é linda.” |
Mas, “Lobão Tem Razão”, ou não?
agora a palavra “bosforo” da “transamba”….
o fósforo do bosforo escreita faisca com faro de cio ás escancaras …hehehehehehehe
caetano está simplesmente delicioso acompanhar suas andanças pelo mundo…nunca em tempo algum eu pararia pra tirar uma foto de um sorvetão em ferrara hehehehehe
acho que vc esta parecendo uma regina casé(com todo o respeito” com um “mundo legal” by caetano…
agora permita-me: lobão ficou careta e portanto nunca os caretas tem razão, á principio hehehehe
mas eu também ser careta …picassos movem-se por londres….e o resto inunda a cara dos caretas…
alias quem seria hoje pra ti a cara dos caretas?
quanto a chega de verdade este titulo é bem apropriado para o mundo de hoje ….
Na infância ouvi “Língua” e fiquei enfeitiçado (feitiço do bom, da boa, do ziriguidum, da elza soares). Aí cresci e Caetano Veloso virou pra mim não só um som muito forte, mas também gente, coisa mesmo, com a música me ajudando, me confundindo, me contestando, me emocionando. E fico besta quando vejo e ouço qualquer coisa que o gente faz. Admiro bem, fascinado. Agora ver aqui que o Caetano coisa é bem coisa e bem gente mesmo, anda por aí no mundo e não é só uma onda do rádio, do disco e da tv, dá um espanto e um barato. Ler aqui essas palavras - bem dizendo que a sensação que tem um jovem com o mundo virtual é diferente da que sente com o jornal que deixa para nós o presente passado - faz o Caetano ficar perto, mesmo aí distante (distância que sempre vai ter por cada um ser um). É como saber que a terra é redonda e gira, mas um dia realmente se dar conta disso e finalmente se descobrir de cabeça pra baixo pro universo. No universo o Caetano existe e está bem aqui, mais que no rádio, no disco e na tv, aqui mais próximo. Estou estupefato com a descoberta desse blog/site. Nem faz diferença ver show, comprar disco, continuar lendo nem nada. Quero só que o Caetano seja. É bom demais pra todo mundo.
Descobri na Internet um LP de Marcos Moran e Samba Som Sete, gravado em 1973, que se chama…. TRANSAMBA!!!
No repertório, 12 sambas de diversos autores, inclusive Partido Alto, já gravado por Caetano no disco com Chico Buarque.
Abraços.
Magia em Istambul
A que queria ouvir (de Vinicius) foi cantada, como se fosse só para mim… No cenário irrepetível dá vontade de guardar o momento e esperar que outros semelhantes se possam vir a repetir….
Sim, Gabriela! Conheço algumas pessoas que nunca foram a um show de Caetano - dizem que nem mesmo sabem por quê -, e me pergunto como isso é possível… Bem, de qualquer modo, quem vai a um show do Caetano, ou a alguns, como já tive a honra e a felicidade de ir, sabe bem da transcendência do ambiente que se inicia quando o Caetano começa a recitar sob notas musicais. E, quase sem querer, começamos a cantar baixinho numa simbiose hipnótica demasiado bela para a língua humana. Poucos artistas no mundo conseguem encantar tão bem. Se por um lado é certo que é preciso haver uma bela melodia, por outro a letra inspirada e inteligente e o próprio carisma indiscutível do Caetano são marcas registradas de sua presença. O que mais dizer? Lembro-me bem que, enquanto esperava o show em que ele cantava “Sozinho” começar, cruzei com um fã no hall do Teatro Castro Alves, em Salvador, que já tinha visto no teatro Yemanjá na turnê Circuladô; e esse tal fã também me reconheceu e apesar de não nos conhecermos de lado algum, ele disse: “Você também de novo aqui?” E rimos com satisfação num pacto mudo de vivência Caetânica, se assim posso me expressar. Vale dizer: já havíamos nos batido quando Caetano cantou com a orquestra sinfônica da UFBa, na reitoria, no Canela, bairro de Salvador. Gosto muito do Caetano. E é o que sempre digo, para mim, a poesia de Caetano é leve… Leve como o impacto mais impiedoso. Porque de tão bela e leve, torna-se instantaneamente hipnótica. O Caetano, para mim, é fruto do próprio Subaé, de sua beleza, de sua história, quietude e ligações aquosas. Também me lembra muito a querida cidade natal, com a Baía de Todos os Santos e todas aquelas coisas de ruazinhas estreitas, de contas e devoções. Como é bom termos o Caetano! Como é bom sabê-lo brasileiro!