"Virginia é ponto de luz", diz Caetano
Entrevista para a Folha de S.Paulo (30/05/1997)
Por Pedro Alexandre Sanches
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Trabalhando como padrinho informal de Virginia Rodrigues, Caetano Veloso tem sido, desde que a conheceu, um dos grandes entusiastas de seu lançamento.
Editado pela gravadora Natasha -de que sua mulher, Paula Lavigne, é sócia-, o disco tem direção artística de Caetano.
Parte do repertório foi selecionada por ele, e Caetano dirige também o show de apresentação da cantora, em cartaz nesta semana em Salvador.
Na véspera da estréia do show, na terça-feira, Caetano falou à Folha sobre Virginia. Leia trechos de sua entrevista, em que ele também ataca a imprensa por ela não ter dado atenção ao último disco de Simone e por ter considerado "Bebadosamba", de Paulinho da Viola, como um dos melhores CDs da década.
Folha - Quem é Virginia Rodrigues para Caetano Veloso?
Caetano Veloso - É para mim uma grande surpresa, uma aparição surpreendente de beleza pura do seio da cultura do povo do recôncavo da Bahia.
Eu ouvi Virginia cantando pela primeira vez no ensaio do Bando de Teatro do Olodum. Fiquei emocionadíssimo. O Márcio Meirelles, diretor do grupo, quis gravar seu disco, mas não conseguiu.
O projeto ficou sem encaminhamento, e, através da Paulinha (Lavigne), os outros donos da Natasha tomaram contato com o material e disseram que tinham interesse em fazer.
Estando próximo e tendo ficado apaixonado pelo que ouvi, participei da elaboração do repertório e da concepção do disco. Aí eu quis dirigir o show.
Folha - O que você, como ouvinte, acha do disco?
Caetano - Acho que ficou lindo. É um ponto de luz pura num ângulo muito especial da verdade geral da produção de música no Brasil e da cultura popular brasileira.
É uma coisa que deve ser tratada com muito cuidado, porque é, entre outras coisas, frágil. Mas é muito ligado ao precioso e ao sublime. É maravilhoso que justamente na Bahia hoje surja alguém que traga esses elementos à frente da cena.
O panorama atual implica num agressivo comercialismo de que Virginia faz um contraponto muito nítido e natural. A luz nova que ela traz vai ser curativa para o que há de hipertrofiado no comercialismo e na vulgarização. É um ponto de resistência à vulgaridade.
Folha - Ela é assim naturalmente ou há um trabalho de produção?
Caetano - O repertório foi escolhido majoritariamente pela própria Virginia e totalmente em comum acordo com ela. Se tudo tivesse sido deixado nas mãos dela, o disco que ela chegaria a fazer estaria muito mais próximo desse que de um disco de axé music.
Folha - Essa mulher apareceria se não houvesse sua interferência?
Caetano - Quando a vi, ela já estava em certa medida aparecida. Era ovacionada quando cantava na peça "Bye-Bye, Pelô".
Folha - Estando o nome dela ligado ao seu, até que ponto as pessoas estarão a apreciando de fato ou seguindo uma referência sua?
Caetano - Eu não me preocupo com isso. É um falso problema. O público não se orienta por isso. Não se transfere voto.
Folha - Mas há muito de Caetano no disco, não?
Caetano - Há canções minhas, porque ela fez questão. Ela não abriu mão, eu respeitei.
Folha - Virginia é um novo passo na linha evolutiva da MPB?
Caetano - Eu não penso em Virginia em termos de linha evolutiva, mas acho que a aparição de uma figura tão especial num momento tão definido num tom diferente do dela contribui para que a evolução possível se dê de maneira saudável.
Folha - Que outros novos talentos você vê na MPB dos 90?
Caetano - Arnaldo Antunes é o exemplo de um artista que admiro enormemente, os discos que ele fez sozinho são lindos. Fiquei encantado com a qualidade do show de Zélia Duncan, com a afinação, como ela toca. É incrível.
Ninguém na imprensa disse que o disco da Simone com músicas do Martinho da Vila é um acontecimento de grande importância. É um escândalo que ninguém veja.
É muito fácil dizer, como a imprensa disse, que não pode existir um disco tão bom quanto o do Paulinho da Viola nesta década. Isso é uma coisa apenas escandalosa. É o mesmo que dizer que o presidente da República está comprando voto para se reeleger. As duas coisas não significam nada e são horrorosas. Não são verdade.
Folha - Nenhuma das duas coisas é verdade?
Caetano - Não. Não são verdades no sentido que foram postas. Não são verdades diretas, são interpretações de verdades difusas feitas de má fé.
Folha - Por que de má fé?
Caetano - O disco do Paulinho é excelente, maravilhoso, mas nem sequer está entre os melhores discos dele. Está entre os bons, não é o melhor disco da década. Aquilo tem valor jornalístico, no mau sentido da palavra.