Caetano + 3

Entrevista para a Revista VIP

Por Ivan Padilla

6 de março de 2018

Fotos: Bob Wolfenson

Já são 5 da tarde de um dia modorrento de janeiro em Salvador. O fotógrafo Bob Wolfenson está a postos no deque da piscina, o assistente já montou a luz para os primeiros cliques.

Estamos na casa de Caetano Veloso, no Morro da Paciência, uma das vistas mais lindas da cidade, de onde se pode ver o bairro boêmio do Rio Vermelho e o famoso Mercado de Peixe. Paula Lavigne recebe toda a equipe da VIP, simpática e sorridente, Tom está na sala, Zeca aparece e dá um oi.

O assunto entre a família e os assessores é um só: o roubo dos instrumentos da turnê Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso, naquela manhã.

Entre os objetos – sem seguro – estava o violoncelo do Moreno e o próprio violão do Caetano. Oxe! E de repente lá vem ele, todo de branco, todo despenteado, é ele mesmo. De short de amarrar, camiseta, acabou de acordar.

Tom e Zeca se aproximam, afetuosos, exclamam “bom dia, meu pai”, beijam, abraçam. Caetano is in the house.

Todos se sentam em torno da mesa, o patriarca na cabeceira. Suco, café com leite, pães, iogurte… parece um café da manhã, mas o sol começa a cair.

Moreno chega em um Mitsubishi vermelho, só faltava ele. Quando parece que a sessão de fotos finalmente vai começar, Caetano se levanta e anuncia que vai tomar um banho.

Por que a pressa… Em meio à espera, eis que aparece uma visita tão ilustre quanto inesperada – inesperada para a equipe da VIP, claro.

Sonia Braga, a própria, que está hospedada na casa, volta da praia de saída de banho, cumprimentando todo mundo.

Já é quase noite quando tudo fica pronto para as fotos. As conversas se sucedem, todos falam muito naquela casa, Moreno mais que todos, Caetano logo atrás.

Lembram casos de um compositor conhecido da tia Mabel de Santo Amaro da Purificação, de quando Elza Soares se apresentou pela primeira vez no programa de Ary Barroso. “Aqui nesta varanda, Bob”, diz Caetano, “a Gisele Bündchen já fotografou”. Para logo em seguida começar a contar episódios de Two and a Half Men.

O momento é de alegria entre os Veloso. No mês que vem sairá o DVD do aclamado show, que leva o nome da música Ofertório (“Tem o sentido de oferta, de dádiva, foi a palavra com o melhor título para um show como esse”).

A turnê continuará este ano por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e incluirá apresentações na Europa e nos Estados Unidos no segundo semestre. Sorte dos gringos.

Com a palavra, ele, Caetano.



Como surgiu a ideia de fazer o show com seus filhos e como eles a receberam?

Eu tive esse sonho. Fiquei sozinho com ele por mais de ano. Tom tinha a Dônica começando, daí não falei com nenhum deles. Quando a Dônica se estabeleceu e Paulinha me disse que Tom já poderia fazer, falei com Zeca. Zeca logo me disse que não faria. Desisti. Fiquei frustrado. Mas meses depois, Zeca me disse que tinha mudado de ideia. Aí falei com Moreno e com Tom. Moreno tem muitos compromissos, mas aceitou. Começamos a ensaiar e tudo tem sido, para mim, uma maravilha.

No palco estão homens de três gerações. Que diferenças você vê entre todos vocês em valores? Como essas três gerações de homens enxergam questões como felicidade e paternidade?

Moreno nasceu nos anos 70, Zeca e Tom, nos 90. Eu, que nasci nos 40, vivi décadas em que as mulheres não entravam em bares e não saíam sozinhas à noite – embora não houvesse os perigos de hoje em dia –, em que jovens do sexo masculino eram encorajados a procurar prostitutas mas as suas colegas – e mesmo namoradas – da escola nem podiam pensar em sexo, não sendo possível um namoro sexuado entre jovens com respeito mútuo de suas famílias. Moreno já cresceu podendo ir dormir com a namorada na casa dos pais dela. Zeca e Tom crescem observando um mundo instável, em que há essas liberdades convivendo com visões arcaicas vindas das áreas rurais para as cidades. Para mim, é uma maravilha ver meus filhos quererem entender o mundo. Todos são muito inteligentes. Moreno, quando menino, dizia que não queria casar mas queria ter filhos. Tom quer ter muitos. Zeca diz que não quer ter. O que eu também dizia quando tinha 25 anos. Espero que ele venha a descobrir como pode ser a melhor coisa da vida tê-los. Moreno já me deu dois netos, que vou observando como reagem ao que o mundo lhes diz.



Como essas três gerações enxergam a masculinidade? O que era ser homem nos anos 60, nos anos 90, hoje?

Acho que os três têm um entendimento muito mais claro da masculinidade do que eu tive e tenho. Têm muito mais identificação masculina do que eu. Mas cresceram num mundo em que as hierarquias de gênero não têm a força indiscutível que tinham quando eu era novo.

Como pai, o que mais preocupa você?

A felicidade de meus filhos, junto à sua integridade moral. Até aqui, tenho tido quase que só orgulho dos três.

Você só tem filhos homens. Criaria uma filha mulher de forma diferente?

Dedé [Gadelha, sua primeira mulher] e eu tivemos uma filha mulher, Júlia, que nasceu prematura e morreu em poucos dias. Era bonita como Moreno e parecida com ele. Acho que a criaria como criei os outros, esperando para ver como ela se manifestava.



Como é um dia comum na vida de Caetano?

Acordo tarde. Dá tempo de me queimar um tanto no sol das 3 horas. Demoro a dormir. Como tipo tudo. Adoro acarajé da Cira, adoro vatapá da família Veloso, adoro as invenções do restaurante Paraíso Tropical, adoro a moqueca de camarão do restaurante Iemanjá, sorvete de coco da Sorveteria da Ribeira, leite com achocolatado, milk-shake de chocolate com waffle com manteiga e mel, picanha na Majórica do Flamengo – de preferência ao lado de Antonio Cicero. Durmo tarde. Leio livros e e-mails. Escrevo e-mails. Vejo TV, Jornal das Dez da GloboNews – na reprise das 2 e tanto da manhã – e sitcoms americanas antigas, repetidas, na Warner ou na Sony.

Que hábitos você adota para estar tão bem de saúde?

Deixei de beber há mais de 20 anos. As ressacas eram insuportáveis, o que talvez não signifique que tenho boa saúde. Na verdade, nunca me senti bem. Posso me sentir imensamente feliz, ter um prazer intensíssimo, mas me sentir bem, não. Sempre tive uma dor no lado direito do abdome, tenho zumbido no ouvido desde os 13 anos pelo menos e tendo a me sentir fraco. Faço ginástica com gosto mas sem muita disciplina para a rotina. Vou levando.

Qual é o seu maior arrependimento?

Não ter estudado música, não ter estudado alemão, não ter feito outros filmes.

Qual é o seu maior motivo de orgulho?

No momento, meus três filhos. Às vezes, trechos de algumas canções que fiz e a que não dava importância no passado. Ter feito o show [que foi gravado] em homenagem a Fellini e Giulietta.

Qual seu maior medo?

Sofrer demais, como já sofri.







Postagens mais visitadas deste blog

O Leãozinho (Caetano Veloso)

Os Argonautas (Caetano Veloso)

Milagres do Povo (Caetano Veloso)