Caetano Veloso: "O mais insuportável na política, com a internet, é ainda mais"
Entrevista para o El Periódico de España (1 de dezembro de 2021)
Por Jordi Bianciotto - Tradução livre.
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Foto: Fernando Young
Talvez, a música que gravou no ano passado com o filho Tom (seu autor junto com Cézar Mendes), ganhou um Grammy Latino. É uma faixa suave, com ecos da bossa nova e dos padrões americanos, que bem poderia ter sido cantada em seu disco A Foreign Sound (2004).
É verdade, uma canção muito bonita e elegante. Eu cantei ao vivo uma vez. Gosto muito e estou muito feliz com o Grammy, por ser uma música do meu filho mais novo.
O novo álbum, Meu coco, é o primeiro em quase dez anos, embora neste tempo o vimos em turnês de diferentes formatos: com Gilberto Gil, com Teresa Cristina e com os seus três filhos, Moreno, Zeca e Tom. O que o impediu de entrar nos estúdios de gravação?
Eu nem senti que fazia tanto tempo. Tudo seguiu um curso natural. A turnê com meus filhos demorou muito, mais de dois anos: chegaram a nos convidar para a China, Coréia, Japão e Austrália, mas não fomos, porque já estávamos um pouco cansados. A turnê com o Gil também foi muito positiva: eu escrevi uma música, As camélias do quilombo do Leblon, e pedi ao Gil para adicionar um trecho. Fiz outras composições, para a Céu, por exemplo. Várias coisas. Comecei a pensar em um novo disco no verão de 2019, na Bahia, e a primeira música foi Meu coco. Ela surgiu pensando no João Gilberto, lembrando que ele havia me falado que os brasileiros somos chineses. Isso ficou na minha cabeça, no meu coco.
Por que você acha que João Gilberto disse isso?
Se eu soubesse, entenderia que poderia ser por mil motivos. As coisas que ele dizia sempre foram um enigma, mas eram inspiradoras e provocativas. Eu havia conversado com ele sobre Chet Baker, um trompetista e cantor de cool jazz, uma grande influência na bossa nova. Quando você perguntava se ele gostava, ele dizia: "Sim, Caetano, gosto dele, mas ele é muito americano...; muito burro". Isto é, "Americano, portanto, burro". “Somos diferentes, somos chineses”, acrescentou. Ele falou assim. Ele era como um poeta. O tempo todo assim. Ele te dizia coisas que eram insinuações, coisas enigmáticas, sugestivas...
Na música Meu coco você cita nomes de vários compositores e cantores de seu país, de Noel Rosa, Dorival Caymmi e Ari Barroso a Nara Leão, Maria Bethânia, Elis Regina… Declaração do caráter brasileiro.
Com certeza. Citar nomes e lembrar que eles moldam a mentalidade brasileira é algo que já fiz outras vezes e que voltei nessa música. Aí está o núcleo do disco. Fiz um álbum anos atrás, Cores, nomes (1982), e um amigo me disse que o novo poderia se chamar Nomes, nomes, porque nele menciono muitos nomes de cantores e compositores, não apenas na música Meu coco, mas também em outras, como Sem samba não dá; também de jovens músicos.
Outra faixa, Anjos tronchos, é um tanto sinistra com suas alusões aos algoritmos que regem nossas vidas e aos "anjos tronchos do Vale do Silício", embora no final nos faça notar que Billie Eilish cria suas canções em seu quarto com seu irmão graças ao computador. Você está optando pela esperança apesar de tudo?
Desde já. Refiro-me também ao poeta Augusto de Campos, que nos anos 50 fez um trabalho de vanguarda usando a tecnologia para criar poemas audiovisuais, e à oportunidade que os computadores e celulares nos dão de ouvir as músicas de Schönberg, Webern ou Cage, antes mais inacessível. Lá tem coisas positivas, mas também uma ameaça: o que era mais insuportável na política tornou-se ainda mais insuportável com a internet. Por isso a música é sombria, porque é a resposta aos meus amigos que se sentiram tão otimistas quando surgiu a Web. Disseram que traria um aprofundamento da democracia, que todos pudessem se expressar. Mas, no final, é mais uma ameaça do que uma conquista.
Em termos de som e arranjo, Meu coco se distancia do seu ciclo de três álbuns de 2006-12. Às vezes surgem violões de vanguarda, mas também ecos de samba e bossa nova, percussões afro e orquestrações sonhadoras. Uma obra de síntese?
A verdade é que não sabia como seria o álbum. Anjos tronchos eu fiz com o mesmo guitarrista desses discos, o Pedro Sá, e por isso saiu com um som mais parecido. Mas a pandemia chegou, parei e quando vi que tinha que esperar muito, comecei a trabalhar em casa, no estúdio, com o Lucas Nunes, de 23 anos. Estávamos convidando músicos e arranjadores para cada música, trabalhando para que cada um tivesse seu som particular. Contamos com Vinícius Cantuária, Marcelo Costa e Letieres Leite, um grande talento baiano, que morreu pouco depois; uma notícia terrível. Por isso é um álbum tão variado, porque é o fruto de ver cada música e de convidar alguém para completá-la. Como a portuguesa Carminho, que cantou em Você-você, de uma discussão que tive com ela sobre essa palavra, você .
E Jaques Morelembaum, que assina arranjos em três canções que nos fazem pensar nas orquestrações de Noites do norte (2000).
E do Livro (1997), e das canções da América Latina de Fina Estampa (1994), e A Foreign Sound (2004)… Ao mesmo tempo, no álbum está um menino, um incrível cantor, compositor e arranjador, Thiago Amud.
Em agosto e setembro você fez uma turnê pela Europa limitada a quatro países, Alemanha, França, Bélgica e Portugal. Você planeja apresentar Meu coco na Espanha no próximo ano?
Espero que sim, mas vamos começar a turnê Meu coco em abril no Brasil, que é um país enorme, um continente de língua portuguesa. Talvez possamos ir mais tarde.