Caetano Veloso: "Os jovens podem me ensinar mais coisas do que eu posso ensinar a eles"

Entrevista para o site Rockdelux (12 de janeiro de 2022)

Por Judy Cantor-Navas

Tradução livre.

Clique aqui para ler a entrevista no site original.

Foto: Fernando Young

Pouco antes do ano novo, Caetano Veloso anunciou nas redes sociais que havia testado positivo para COVID-19. Em um gesto típico da lenda da música brasileira, de 79 anos, conhecida pelo movimento tropicalista, revolucionário por sua música poética de protesto, ele aproveitou a oportunidade para criticar o presidente brasileiro Jair Bolsonaro por sua política antivacinação, especificamente pelos obstáculos que quer impor a menores entre 5 e 11 anos para serem vacinados. "Que o Estado brasileiro se liberte desse governo", escreveu Veloso, que disse a seus fãs que estava bem, graças a ter as três doses da vacina.

Em seu último álbum, "Meu coco" (Sony, 2021), entre uma música dedicada ao neto recém-nascido e outra sobre o poder viciante da internet, Veloso também apontou diretamente para Bolsonaro em uma música que repete a frase "Eu não vou deixar (você faz o que quiser)".

Veloso ganhou o Grammy Latino de Gravação do Ano em novembro passado, embora não por "Meu coco", publicado tarde demais para ser indicado em 2021, mas por uma balada acústica cantada com seu filho de 24 anos, Tom Veloso, derrotando assim C. Tangana, Pablo Alborán e Andrés Calamaro & Julio Iglesias, entre outros, em uma categoria dominada por artistas urbanos e estrelas pop que cantam em espanhol.

"Meu coco", que sem dúvida estará presente no Grammy de 2022 (Caetano já acumula 13 Grammys Latinos e dois Grammys), foi gravado durante o confinamento, junto com seus filhos e com bons amigos. Em uma entrevista por correio com a Rockdelux, o músico nos fala sobre trabalhar em família - "Acho que as jovens gerações estão mais qualificadas para me ensinar do que eu sou para elas" -, o mistério da música brasileira e seu papel na salvação do mundo.

Você descreveu "Autoacalanto", um dos temas de "Meu coco", como um retrato do seu jovem neto. É uma música muito doce e emocionante. Você também diria que é uma expressão de como você se sente quando está com ele? Você tocou na frente do bebê? Como ele reagiu?

Eu realmente gosto dessa música em particular, é quase tão doce quanto o próprio Benjamim. Ele é uma criança incrivelmente inteligente e sensível, ele reage ao assunto assim como a música em si é uma reação a ele.

As letras do disco estão cheias de nomes. Você costuma pensar em pessoas específicas quando está escrevendo uma música?

Na verdade, eu simplesmente amo nomes, como digo em "Língua". Nos anos 80, fiz um álbum chamado "Cores, nomes" (Philips, 1982) - em espanhol: "cores, nomes". Um amigo me disse que "Meu coco" deveria ser chamado de "Nomes, nomes".

Há pelo menos uma composição no álbum que tem um destinatário específico: Jair Bolsonaro, que inspirou você com a música de protesto "Não vou deixar". Você pode me falar sobre os sentimentos que o levaram a escrevê-lo?

A letra repete a frase "Não não vou deixar (você fazer o que quiser)". E eu digo: "Eu não vou deixar porque eu sei cantar / E sei de alguns que sabem mais." Gritei com a tela da TV quando vimos na contagem de votos que Bolsonaro estava vencendo as eleições. Um garoto, filho de um amigo, estava ao nosso lado e quando me ouviu exclamar com tanta raiva ele disse: "Oh, oh, o vovô tá nervoso!"

A música brasileira é um mundo misterioso para pessoas que não estão familiarizadas com o país. Quais ritmos ou estilos do seu folclore estão presentes em "Meu coco"?

O Brasil é um gigante mestiço que fala português: isso sempre o torna misterioso de uma forma ou de outra. No álbum, você pode ouvir um "samba transformado" na música-título. Também funk carioca em "Não vou deixar". E há ritmos dos grupos afro do carnaval baiano em "Pardo" e "Noite de cristal". Todos esses são aspectos de um mistério essencial.

Ao longo de seu meio século de experiência, você revolucionou o som da música brasileira. Você poderia dizer que os sons do Brasil conseguiram encontrar um equilíbrio entre evolução e tradição?

Na maioria das vezes, sim. Às vezes é saudável, outras vezes não é tão vital, mas na maioria dos casos essas mudanças sabem como manter o mistério.

Em algumas ocasiões, você falou sobre o amor que os brasileiros sentem por suas músicas populares. Quão enraizado é esse afeto? Isso faz parte da vida cotidiana?

Claro. Os brasileiros sempre viveram cantando e ouvindo músicas, a maioria delas do país.

Na música "Enzo Gabriel", você pergunta ao protagonista da música o seguinte: "Qual será teu papel na salvação do mundo?" Hoje, com a crise climática, pobreza, violência, repressão pelo Estado... Acho que todos nós nos fazemos essa pergunta.

Sim. Há melancolia no aspecto melódico da música, no ritmo e até mesmo na pergunta que aparece nas letras. Acredito sinceramente que o Brasil tem a missão de salvar o mundo.

E qual seria o seu papel nesta missão? Você ainda acha que uma música pode ser uma ferramenta para a mudança, ou mesmo para a salvação?

Ser capaz de cantar já é algo. Mas acho que meu papel se deve à minha fé teimosa de que temos que completar essa missão.

Você é um dos artistas brasileiros mais famosos, uma figura reconhecida internacionalmente. Desde a época do tropicalismo, você sempre foi sozinho. Hoje, com tanto algoritmo e redes sociais, os artistas estão mais conscientes do que nunca do que as pessoas fazem ao seu redor. Que conselho você daria a um jovem músico que quer se expressar à sua maneira, mas sente a pressão para fazer parte de uma moda para ter sucesso?

Desde o meu início, escrevo músicas que comentam, com ou sem ironia, ou melhor, com uma mistura de ironia e fascínio, sobre o processo que as músicas pré-fabricadas seguem para se tornarem sucessos comerciais. Comecei a compartilhar minhas composições quando tinha 21 anos e, é claro, as coisas estão diferentes agora. Atualmente, com a internet, redes sociais, laptops, plataformas de streaming e smartphones, há uma infinidade de novas maneiras à sua disposição para resolver esse problema. Então eu acho que as jovens gerações estão mais qualificadas para me ensinar sobre esse ambiente do que posso dizer a elas. E eu sei, por exemplo, que a maioria quer criar em um estado de liberdade espiritual.

"Meu coco" foi gravado durante a pandemia, com seus filhos e com bons amigos. Essa produção íntima foi imposta pelo contexto mundial ou é que, simplesmente, sua música é um assunto familiar?

Meu filho Moreno toca toda a percussão na música "GilGal". E conversei longamente com meu outro filho, Zeca, sobre que tipo de álbum eu queria fazer, então ele me ensinou muitas coisas interessantes, desde as novas cenas de trap e funk do Rio até artistas experimentais americanos. Estamos falando das jóias da música brasileira da década de 1930 e também das novas músicas de David Longstreth, da Dirty Projectors. Finalmente, convidei o colega de banda do meu filho Tom, Lucas Nunes, para me ajudar com a gravação. Ele é um jovem muito talentoso e domina o mixer.

O movimento tropicalista incorporou e, ao mesmo tempo, representou um desafio para a invasão do rock britânico e americano no Brasil. Mas o que é rock para você? 

Naquela época, para mim, era uma música menor, feita nos anos 50 por jovens praticamente analfabetos. Antes eu costumava preferir ouvir ótimas músicas brasileiras, cool jazz, música francesa sofisticada ou música cubana, mexicana ou argentina. Não foi até meados da década de 1960 quando o rock começou a me interessar. Bem, rock é também música comercial que era considerada de baixa qualidade, especialmente brasileira. O novo rock britânico, e em particular os Beatles, nos inspiraram porque foi em si um comentário sobre o rock americano. Tropicalismo foi um comentário sobre alguns aspectos desse comentário e uma maneira de dar uma nova perspectiva à produção de música de massa no Brasil. 


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