Irene Velloso

A figura de minha irmã Irene aparecia com frequência em minha mente como um antídoto contra essas sombras. Irene tinha catorze anos então e estava se tornando tão bonita que eu por vezes mencionava Ava Gardner para comentar sua beleza. Mais adorável ainda do que sua beleza era sua alegria, sempre muito carnal e terrena, a toda hora explodindo em gargalhadas sinceras e espontâneas. Mesmo sem violão, inventei uma cantiga evocando-a, que passei a repetir como uma regra: "Eu quero ir, minha gente / Eu não sou daqui / Eu não tenho nada / Quero ver Irene rir / Quero ver Irene dar sua risada. / Irene ri, Irene ri. Irene". Foi a única canção que compus na cadeia.

Caetano Veloso, 5/4/2022.

Hoje é aniversario de Irene. Minha irmã mais novinha faz 70 anos! Ela sempre foi a risada mais intensa da nossa vida familiar. Tenho orgulho de ter podido compor, na prisão, a canção que chama por ela como quem chama pela liberdade - e exalta seu riso. E, como me mostrou na época um jovem amigo de Augusto de Campos, contém um belo refrão-palíndromo: IRENE RI IRENE RI IRENE RI.

Caetano Veloso, 5/4/2024. 

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