Caetano Veloso chega ao ES com a turnê "Meu Coco" no sábado (24)

Entrevista para A Gazeta (22 de setembro de 2022)

Por Gustavo Cheluje e Erik Oakes

Clique aqui para ler no site original.

Foto: Instagram Caetano Veloso.

Chegou a hora dos capixabas conferirem o mais novo show de Caetano Veloso. A turnê "Meu Coco" passa por Vitória neste sábado (24), quando o baiano se apresenta no Espaço Patrick Ribeiro, a partir das 21h. Os ingressos estão sendo vendidos na bilheteria da casa de shows ou pelo site blueticket.com.br.

O show, anunciado em junho por HZ, traz peças marcantes do álbum de 12 faixas, que dá nome à turnê, além de músicas marcantes de sua carreira como "O Leãozinho", "Sampa" e "Reconvexo". "Não foi fácil decidir o que escolher entre meus velhos sucessos e as novas experiências de 'Meu Coco'. Mas terminamos conseguindo um equilíbrio que faz o show fluir e o público pensar", detalha Caetano em entrevista a HZ.

Apesar de ter começado as apresentações em abril, Caetano mostra animação em seguir pela estrada por meses, mesmo com seus 80 anos. E o encontro com os capixabas promete ser especial. O show começa com "Meu Coco", que homenageia João Gilberto e cita a Capital capixaba no verso: “Belém, Natal, Vitória do Espírito Santo / Bomba luminosa sobre o capital / Aquém, além, no seio do bem e do mal / Teimosos e melódicos do nosso canto”.

"Vou sempre pra os lugares com vontade de cantar. Para um neo-sebastianista como eu, o nome Vitória do Espírito Santo soa como um brado profético. Espero que o futuro traga mais e mais luz para um lugar que ganhou tal nome", torce o cantor, falando da expectativa de cantar na cidade.

Questionado sobre a maioria das apresentações da turnê serem marcadas por manifestações políticas, Caetano expressa: "As manifestações políticas que ocorrem nos meus shows partem do público. Eu as confirmo ou comento rapidamente. Pra um artista, o exigível é que ele realize sua arte de forma corajosa e verdadeira. A política pode ou não aparecer em letras, falas ou atitudes, mas nunca é o essencial".

Confira abaixo a entrevista completa.

O senhor, em entrevista, falou que a turnê é uma forma de resgatar sua carreira, apresentando clássicos como “Leãozinho” e "You Don’t Know Me", composto no exílio, no início dos anos 1970, e faixas de seu novo projeto, “Meu Coco”. Como condensar tantos clássicos em uma única apresentação.

Não foi fácil decidir o que escolher entre meus velhos sucessos e as novas experiências de "Meu Coco". Mas terminamos conseguindo um equilíbrio que faz o show fluir e o público pensar.

Qual a expectativa de se apresentar para os capixabas após tanto tempo?

Vou sempre pra os lugares com vontade de cantar. Para um neo-sebastianista como eu, o nome Vitória do Espírito Santo soa como um brado profético. Espero que o futuro traga mais e mais luz para um lugar que ganhou tal nome.

“Meu Coco”, a música, é uma homenagem ao mestre João Gilberto, também citando “Naras, Bethânias e Elis”. Fale um pouco sobre a faixa e sua contextualização com a força da MPB, um estilo que vem mantendo seu espaço, mesmo com a “concorrência” de ritmos como funk e sertanejo.

A sigla MPB surgiu antes do tropicalismo - e este veio para embaralhar as letras. Quem, em 1967, chamaria uma canção como "Podres Poderes" de MPB? Ou "Eclipse Oculto"? Junto aos Mutantes, Gil, Tom Zé, Torquato, Capinam e eu desarmamos essa suposta hierarquia. João Gilberto é mestre eterno, mas sobretudo porque ele viu, diferentemente de Jobim ou Vinícius, o que havia de vital na anti-bossa nova que trouxemos.

“Meu Coco” foi concebido durante a pandemia e o senhor disse, em entrevista, que o álbum (e a turnê) é uma forma de expressar sua cultura musical em um momento difícil. Como é voltar a compor, em um momento pandêmico? E como é voltar a gravar um álbum de inéditas depois de quase uma década?

Compus a canção "Meu Coco" (e algumas outras canções que estão no disco) antes da pandemia, em Salvador. Vim pro Rio depois do verão e, em uma semana, tudo mudou com a chegada do Covid-19. Preso em casa, acabei levado a usar o pequeno estúdio que temos aqui e gravar as novas canções. Contei com a ajuda do talentosíssimo Lucas Nunes, um jovem nos seus vinte e seis anos, colega de banda do Meu caçula Tom, construí "Meu Coco", um disco que afinal não saiu mal.

Recentemente, o senhor gravou 'Paula e Bebeto', ao lado de Milton Nascimento para um projeto infantil. A faixa, inclusive, foi gravada em 1975, e abriu sua parceria com Milton. Fale um pouco da regravação e do projeto “Caetano na Rádio Bita”, por favor.

Milton já tinha uma rica colaboração com a turma pernambucana do Mundo Bita. Fiquei feliz de fazer coisas que interessavam meu neto de dois anos, adorei a galera Bita, e fiquei feliz de cantar junto com Milton a mais conhecida de nossas parcerias. Milton é o maior gênio musical de minha geração.

Como é ter suas músicas transcritas em um livro, “Letras”, a ser lançado brevemente? Como foi feita a seleção das faixas e o que o projeto de resgate representa para a sua premiada carreira?

O poeta Eucanaã Ferraz organizou o livro das letras. Tivemos alguns encontros para decidir algo da forma e alguns detalhes. Ainda não tive tempo de reler tudo, mas, ao dar umas olhadas, vi um livro que parece bonito. Nossa intenção não era de selecionar canções gravadas, mas de tentar dar uma amostra exaustiva do meu trabalho de compositor.

Recentemente, suas apresentações estão marcadas por manifestações políticas, muitas vezes espontâneas, tanto por parte do senhor como do público. Em um ano de eleição, e com um país tão dividido politicamente, o quanto é importante manifestações como essa? O artista precisa e deve se manifestar publicamente?

As manifestações políticas que ocorrem nos meus shows partem do público. Eu as confirmo ou comento rapidamente. Pra um artista, o exigível é que ele realize sua arte de forma corajosa e verdadeira. A política pode ou não aparecer em letras, falas ou atitudes, mas nunca é o essencial.

Estamos em um embate sobre a Lei Rouanet, com parte da classe artística – especialmente os sertanejos – criticando projetos de leis de incentivo cultural. O que o senhor acha sobre o assunto? O Governo deve investir e apoiar projetos voltados para a cultura? Qual deve ser o critério desse apoio?

Não sei muito bem o que dizem os sertanejos, que, aliás, fazem muitos shows financiados por prefeituras. Eu pessoalmente não uso a Lei Rouanet. Os investimentos do Estado em cultura são importantes, cultura não é falta-do-que-fazer. Cultura gera dinheiro direta e indiretamente, tem papel importante na economia, embora sua importância nasça da contribuição para a formação de uma mentalidade coletiva. A Rouanet tem sido, desde cedo, usada para os donos da grana propagandearem-se e diminuírem seus impostos - nem sempre atendendo ao surgimento ou encorajamento de artistas novos, mas agarrando-se a sucessos óbvios e mesmo à importação de êxitos da Broadway. Dito isso, acho suspeita e desinformada a demonização da Lei criada no governo Collor. Querem desvalorizar a criação cultural e fingir que o atual governo federal é mais honesto do que ela. O que está enormemente longe de ser verdade.

Vivemos em um país polarizado politicamente e governado pela extrema-direita. Como o senhor vê a situação, especialmente sob o contexto de um presidente que defende abertamente a ditadura militar, do qual o senhor foi um dos perseguidos?

Claro que me sinto organicamente contra o atual governo federal. Discordo de tudo o que diz o presidente, sinto-me agredido pelas louvações a torturadores, pelas falas cafajestes, pela escandalosa incompetência exibida na escolha de ministros que nada sabem do assunto dos seus ministérios, ou, sabendo e querendo se dar bem junto ao poder central, criam confusão e desarmam o que foi conquistado em suas áreas. Como se pôde admitir Pazuello? E a fila da Educação? E a contra-amazônica passagem do caricato boy paulistano Salles? A entrada, a saída e, agora, a reaproximação de Moro dão vergonha a qualquer um. Sou visceralmente contra esse governo.

Nesses 80 anos, há um momento que marcou sua carreira, do tipo: “esse instante é impossível esquecer”? Se sim, por favor, poderia detalhar a passagem. Cantar “Burn It Blue”, de Frida, no Oscar 2003 foi um deles?

Cantar no Oscar não foi um deles. Sempre me lembro do show "Circuladô" em praça pública de Realengo. Passei um ano do começo da adolescência em Guadalupe, bairro vizinho a Realengo, e ver aquela gente educada, concentrada, quente, ouvindo com atenção e entusiasmo os números sofisticados que Jaques Morelenbaum e eu preparamos para esse show que talvez tenha sido o melhor de minha carreira me pôs numa situação emocional de alta intensidade. Sempre que me pergunto se vale a pena eu ter admitido me tornar um profissional da música, a lembrança do "Circuladô" em frente ao quartel de Realengo me vem como a única resposta afirmativa nítida. A noite do Oscar foi desimportante pra mim e um tanto entediante.

Postagens mais visitadas deste blog

O Leãozinho (Caetano Veloso)

Os Argonautas (Caetano Veloso)

Milagres do Povo (Caetano Veloso)