Tudo a declarar
Entrevista para a Revista Serafina (30 de janeiro de 2011)
Um homem bonito e imberbe (Bin Laden o acharia mais bonito se cultivasse sua barba?), que aparenta ter bem menos que seus 68 anos, vestido de forma casual, com um casaco Diesel, e que não anda com telefone celular. Com uma prosa livre e gostosa, esse Caetano, que há mais de 40 anos age ativamente na formação da cultura e da sociedade brasileira, recebeu Serafina em seu amplo apartamento na praia do Leblon, com uma varanda de frente para o mar. Nas paredes brancas, nada de quadros ou fotos. De um lado uma pequena biblioteca, do outro os sofás, também brancos, e, sobre a mesa de centro, alguns livros, entre eles um do fotógrafo Mario Testino com imagens do Rio de Janeiro e uma enorme fotobiografia do diretor de cinema Stanley Kubrick.
Lá também estava o músico e escritor Jorge Mautner, 70, eterno companheiro. Quando questionado sobre o por quê de todos perguntarem sobre tudo para Caetano, Mautner responde: "Ele é muito inteligente, tem uma profunda erudição". Caetano incorporou esse papel por conta do hábito de falar publicamente o que lhe vem à mente.
Talvez dessas contradições tenha surgido o bordão "ou não", tão atribuído a Caetano. Paula Lavigne afirma: "Nunca ouvi isso sair da boca dele, deve ter sido inventado pela capacidade que Caetano tem de relativizar as coisas".
Paula Lavigne - sua última mulher, mãe de seus dois filhos mais novos e sua atual empresária- tinha 13 anos quando conheceu Caetano, então com 40. Ela é considerada a responsável por organizar a carreira e, principalmente, o patrimônio de Caetano. Para se defender do rótulo de mulher controladora, Paula diz: "Não mando em Caetano, mando nas coisas dele". Já Caetano, questionado sobre a administração de seu patrimônio, respondeu: "A maioria dos que têm vocação artística pensa muito pouco em dinheiro. Eu até tentei ser melhor administrador, mas não dou bola nenhuma ao dinheiro. Sou muito aristocrático, não acho que eu possa depender de dinheiro. Mas acho que isso é uma alienação minha".
Apesar de ser a favor da liberação das drogas, Caetano nunca gostou delas. Já tomou cerveja, mas cortou o álcool, odiou o lança-perfume, ficou traumatizado em seu primeiro contato com a maconha, e sobre a cocaína, que diz ter provado apenas uma vez, afirma: "Eu não gosto do ambiente que se forma em torno da cocaína. Detesto! Se eu pudesse eu matava a cocaína". Em 1968, experimentou Ayahuasca, bebida alucinógena indígena, que começou bem, evoluiu para uma experiência mística, onde disse ter visto algo parecido com Deus, e terminou mal, com uma sensação de fim e de morte. Caetano não gosta de perder o controle sobre si.
Vindo de uma família muito católica, ele ia à missa e não dormia sem antes rezar. Quando foi a Salvador, ficou mais próximo do candomblé, onde se iniciou como filho de Oxóssi em casa de Mãe Menininha, no Gantois. Porém, nunca recebeu seu orixá: "É o tal negócio de perder a consciência. Eu não queria entrar em transe. Ficava com medo".
Caetano, que hoje se diz ateu, afirma estar adorando tudo no início do governo da presidente Dilma Roussef: "Dilma tirou a Bíblia de cima da mesa e o crucifixo da parede, eu gostei muito. Lula era mais carola...", diz. Gostou também da crítica de Dilma à falta de respeito aos direitos humanos no Irã. Ao comparar a política externa de Dilma com a de Lula, Caetano se inflamaria pela única vez durante a entrevista: "E quando o Lula apoiou aquele presidente do Irã? Isso é ridículo. Isso é abominável. Lula ir para Cuba, enquanto um dissidente preso fazia greve de fome! O sujeito morre e ele ainda sai arrogantemente, desumanamente apoiando aquelas pessoas sádicas como Fidel Castro e Che Guevara, que mataram mais do que a ditadura na Argentina! Esses caras adoravam um fuzilamento".
Palavra de mãe
Dona Canô, mãe de Caetano, Bethânia e mais seis filhos, tem 103 anos e mora em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Mesmo com audição debilitada e voz frágil, mantém a lucidez e o senso de humor. Católica fervososa, adora acompanhar missas pela TV. Recentemente, Caetano levou Natália - atriz e bailarina argentina - para conhecê-la. Gostou da nova namorada do filho? "Gostei muito e tratei bem. Aliás, tratei muito bem de todas as mulheres de Caetano, das que prestavam e das que não."
Ao nascer, a mãe de Caetano notou uma intrigante letra "v" formada por veias na testa do filho. Quando o médico viu, sentenciou: "É o símbolo da vitória, tratá muita felicidade e sorte." E assim foi. Seu pai, José Teles, avesso ao jogo de azar, comprou no final daquele ano uma rifa e ganhou o prêmio de 300 contos, o que equilibrou as contas da populosa família e garantiu a compra da casa.
Caetano era um menino tímido e quieto. Não comia quase nada, apenas café com leite, pão e farinha láctea. Aos três anos aprendeu sozinho a ler, aos oito começou as aulas de piano - que aprendia com facilidade - e aos doze musicou um poema para a apresentação dos meninos da escolinha em que a primogênita Mabel dava aulas. Deliciava a família com imitações de Amália Rodrigues, e era aficionado por Maysa e Brigitte Bardot.
Caetano tem três filhos religiosos. Sobre Moreno, que tende ao catolicismo, diz: "Se o papa João 23 fosse santo, ele seria devoto". Seus dois filhos mais novos, Tom e Zeca, são evangélicos e frequentam a igreja Universal do Reino de Deus. Sobre um tropicalista gerar filhos evangélicos, Caetano diz: "Minha geração teve que romper com a religiosidade imposta, a deles teve que recuperar a religiosidade perdida".
Caetano diz ser muito bem recebido quando vai assistir a seus filhos tocando nos cultos e afirma enxergar o bem que a religião fez aos dois. Paula Lavigne comenta: "Zeca encontrou um conforto na religião. Qualquer coisa que faça bem aos meus filhos faz bem para mim".
E sobre o crescente poder dos evangélicos, no Congresso Nacional e na mídia, relativiza: "A Record não tem mais rabo preso com o bispo do que a Globo tem com o cardeal".
Caetano acredita que tanto o pensamento da esquerda militante quanto a moral das religiões repreendem a religiosidade e a sexualidade. Ao ser questionada sobre se a sexualidade ambígua de Caetano a deixava insegura, quando casada com ele, Paula Lavigne respondeu: "Sua bissexualidade é superdimensionada, é muito mais uma bandeira do que um fato, e Caetano carrega um saco de golfe em suas costas, cheio de bandeiras que ele defende de forma apaixonada. Na prática, ela não existia". Jorge Veloso, assessor e sobrinho-neto de Caetano, resumiu assim: "Artista é anjo".
Caetano continua até hoje frequentando seu psicanalista e flertando com Freud e Lacan.
Sua irmã Mabel diz que, embora Caetano seja uma pessoa muito alegre, sempre percebe um "fundinho de tristeza" nele: "Ele lutou tanto para ser reconhecido e famoso... E agora que é... Eu só pediria uma coisa a Caetano, para ele ser completamente feliz".