Caetano Veloso: "Esta turnê pode ser a última que eu faça"

Entrevista para El Observador (3 de junho de 2023)

Por Nicolás Tabárez

Clique aqui para ler no site original - tradução livre.

Foto: Aline Fonseca

Aos 80 anos, Caetano Veloso continua a surpreender-se com o que encontra dentro da sua cabeça. Lá continuam a aparecer canções e discos, embora reconheça que se tornou mais exigente consigo próprio e tenha optado por reduzir a frequência das composições, por considerar que tem feito “canções demais".

Ele fica tão surpreso com o que encontra em sua cabeça, que assim batizou seu mais recente álbum, "Meu coco". Um álbum onde os nomes têm presença marcante, tanto os do seu passado como os da sua carreira, assim como os do presente e do futuro do seu Brasil e do mundo.

Um dos pais do tropicalismo e um nome incontornável da música brasileira, Veloso volta aos palcos uruguaios no dia 14 de junho, como parte da turnê de apresentação deste novo álbum. De volta a Montevidéu, o cantor e compositor brasileiro se apresentará na Antel Arena quatro anos depois de seu último show ali - na ocasião, acompanhado de seus filhos Tom, Zeca e Moreno. 

Antes do show, Veloso respondeu por e-mail a algumas perguntas do El Observador. No questionário, ele descartou a possibilidade de que esta seja a última chance de vê-lo ao vivo, pelo menos fora dos limites de sua cidade natal; sua preocupação com o surgimento de sistemas de inteligência artificial, como o ChatGPT, e sua opinião sobre o Brasil atual, que o leva a dançar entre o pessimismo e o otimismo.

Aos 80 anos, você ainda se surpreende com o que vê e encontra na sua cabeça?

Sim. Minha cabeça e o mundo estão cheios de inquietações, cores inesperadas, medos e alegrias.

Em Meu Coco há canções sobre figuras-chave em sua vida, companheiros de geração e influências em sua música. Como começou esse processo retrospectivo e como você escolheu para quem cantar?

Comecei a escrever a música Meu Coco no verão de 2019, na Bahia. No começo era só uma batida rítmica, que eu fazia no violão, imaginando bateria pesada e percussão. Então os nomes de mulheres brasileiras conhecidas vieram até mim. Luana é uma modelo, hoje já uma velha senhora, cujo nome era Simone Raimunda, uma linda negra que veio do bairro Liberdade, em Salvador da Bahia. A partir daí continuei com outros nomes - e isso me levou a pensar no meu gosto por nomes (na década de 1970 gravei um disco chamado Cores, Nomes; agora um amigo me disse, brincando, que Meu Coco poderia ser chamado de Nomes, Nomes.

No álbum há uma música, Enzo Gabriel, que você disse ter sido acionada pelos nomes mais populares para recém-nascidos no Brasil nos últimos anos, mas que reflete sua inquietude com os desafios da próxima geração. Com que frequência você pensa no futuro? Como você o imagina e o que o preocupa?

Quando a música Meu Coco ficou pronta, li em um jornal que o nome mais escolhido para os recém-nascidos brasileiros naquele ano havia sido Enzo Gabriel. Assim, um nome composto, colocado em milhares de crianças em todo o país. Isso mexeu comigo. Eu queria fazer uma música com esse tema. E deixei essa pergunta para aquela geração que estava vindo. O Brasil foi chamado de "País do Futuro" por Stefan Zweig, que vivia no Rio de Janeiro fugindo do nazifascismo europeu. No Rio, Zweig se suicidou, junto com a mulher, em 1942, ano do meu nascimento. Na música está aquela pergunta entre esperançosa e angustiada sobre o futuro do Brasil.

E quando você olha para trás em sua própria vida, o que você vê?

Gosto de pensar na casa da minha infância em Santo Amaro. Meus pais, tão amorosos; meus irmãos, minhas primas (que eram muitas, todas próximos da idade da minha mãe). E também a vida em Salvador da Bahia, as praias, as cores muito intensas. Eu sabia que seria um artista ou um pensador. Lembro-me do dia em que nasceu a minha irmã Maria Bethânia, a quem dei o nome dela, tirando-o de uma música que adorava e que eu, com menos de quatro anos, ouvia na rádio e sabia cantar.

Depois de uma vida inteira dedicada à arte, o que te motiva a continuar compondo, trabalhando e saindo nos palcos do mundo?

Cantar me dá prazer.

Você pensa em se aposentar ou vai continuar tocando até quando puder?

Acho que esta turnê pode ser a última que eu faço voando ao redor do mundo. Quero voltar a morar na Bahia e cantar lá toda semana - e para quem quiser me ver e ouvir que venha para minha terra.

As músicas aparecem com a mesma frequência de antes ou a pessoa fica mais seletiva com novas ideias?

Eu decidi que a frequência seria menor. Acho que fiz um número muito grande de músicas. Se me vem uma que faça parecer que vale a pena pegar o violão e escrevê-la, eu o faço. Mas não me obrigo a fazer como quando tinha, 21, 32, 43 anos.

Como estão as conversas sobre música com seus filhos e como é o trabalho com eles?

Acabei de ter uma longa conversa sobre música (e não só) com o meu filho Zeca, que veio para minha casa falar deste e de outros assuntos. O Tom é mais lacônico, mesmo sendo o melhor de nós no violão. Moreno é um sábio. Quando saí com os três pelo mundo cantando e tocando juntos, me senti profundamente feliz. Agora aguardo os registros que cada um fizer.

Você foi um dos fundadores do tropicalismo, sente que hoje os músicos brasileiros continuam apostando na conexão com as sonoridades tradicionais do país e com suas raízes?

O tropicalismo era mais uma atitude antropofágica, quando usávamos coisas do rock, do pop, do passado nada respeitável da música brasileira e mundial. Hoje tem de tudo: rap, trap, drill, sertanejo, músicas de raiz brasileira, sambas cariocas, canções do carnaval de Salvador... Quando eu era jovem alguém ficava famoso e todo mundo sabia disso. Eram relativamente poucos os que conseguiam. Hoje existem sucessos com milhões procurando por eles na internet e eu nem sei que existem.

Como você se relaciona com o Brasil hoje? Você ainda acha que é, como você disse uma vez, "um país cheio de promessas e sempre falhando?"

Há dias em que me sinto mais pessimista. Mas cultivo um otimismo programático: sem ele não há sentido de responsabilidade.

Como você vê o futuro da música brasileira? Para onde está indo? O que você poderia recomendar?

O que posso dizer, neste tempo de ChatGPT? Eu não recomendo nada. Espero. Vejo e ouço.

Por quais mídias e plataformas você ouve música? Procurando por novos artistas?

Muitas vezes assisto a um canal de televisão chamado TVZ, onde tudo que faz sucesso vem com seu vídeo. Às vezes, pesquiso na internet algo que ouvi que as pessoas recomendam ou li em um jornal. Eu tenho um pequeno CD player aqui no meu quarto. Ouço coisas novas e coisas velhas.

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