Caetano Veloso celebra 50 anos de "Transa" em festival no Rio de Janeiro em 2023

Foto: Leonardo Aversa

Caetano Veloso celebrou os 50 anos do disco "Transa", gravado em seu exílio forçado no início dos anos 70, durante a primeira edição do festival Doce Maravilha, no Rio de Janeiro. O evento contou com a curadoria musical de Nelson Motta e reuniu shows na Marina da Glória entre os dias 12 e 13 de agosto de 2023.

Para acompanhar a banda do show "Meu Coco" na repaginação das canções do seu segundo disco londrino (mas tão brasileiro!), Caetano convidou os integrantes da banda original que tocaram no "Transa": Jards Macalé (guitarra e violão), Tutty Moreno (bateria) e Aureo de Souza (percussão). Todos estes em homenagem a Moacyr Albuquerque, falecido em 2000.

Após um primeiro dia ensolarado de festival, a cidade maravilhosa acordou com um domingo chuvoso, previsão que já estava dada há dias. Fãs de Caetano e admiradores de um dos álbuns mais cultuados da MPB vieram de todas as partes do país e do mundo para prestigiar este show comemorativo que, até então, havia sido anunciado como único.

Por volta das 18h, João Gomes e Vanessa da Mata exibiram profissionalismo e amor ao público por cantarem literalmente debaixo d'água, pois a ventania trazia para a parte coberta do palco toda a chuva que vinha no sentido Pão de Açúcar. Muitos dos que curtiram a apresentação estavam lá há muitas horas esperando num terreno enlameado pelo momento em que Caetano Veloso surgiria no palco principal. 

Concluído o primeiro show da noite, após certo atraso, foi avisado pelo alto-falante que seriam trocados os horários das apresentações, sendo a próxima a de Marcelo D2 cantando o disco "A procura da batida perfeita" (2003). O público vaiou intensamente. Já passava das 21h quando o rapper entrou no palco para tocar com sua família, mas os problemas técnicos se intensificaram com a persistência da chuva e com as más condições do palco. Próximo das 22h30, o show precisou ser interrompido: "não tem mais condições isso aqui, chovendo demais. Obrigado pelo carinho", comentou D2. 

Por horas, o tão esperado show do Transa ficou incerto. Paula Lavigne concedeu nota à imprensa às 22h42: "O palco que o Caetano teria que subir não tem a menor condição de se apresentar. O som pifou, está dando choque, o (Marcelo) D2 parou no meio. Agora, o festival pediu que a gente mudasse de palco. Mas, para isso, vai demorar muito. Eu falei que achava que deveria cancelar, mas o festival insiste em trocar de palco. Essa é a situação. O Caetano está chegando e vai analisar".

Caetano resolveu fazer o show em respeito aos fãs que o aguardavam, disse Paula. Assim, a equipe técnica transportou todos os equipamentos para o outro palco do festival - que estava mais protegido da chuva - e montou em tempo hábil, após o encerramento do show de Péricles e Liniker, toda a estrutura do show Transa: instrumentos, luz, som.

Deste modo, à 1h da manhã do dia 14 de agosto (o show estava marcado para às 20h30), Caetano, enfim, subiu ao palco secundário do festival, com blusa e casaco vermelhos e calça preta, em alusão à capa do disco: "Muitíssimo obrigado por terem esperado. Eu não sabia se eu vinha ou se eu não vinha. Mas eu queria vir. Vim. E obrigado por vocês esperarem". A chuva, até então constante, amenizou.

O público foi ao delírio. Um dos momentos mais marcantes foi quando, já nos agradecimentos, Caetano ajoelhou-se e, de costas para o público e de frente para todos os integrantes das duas bandas (Transa e Meu Coco), venerou-os como forma de gratidão máxima àqueles que estavam ali. Tudo acabou às 2h30.

Dias após o festival, Caetano teve que adiar duas apresentações de "Meu Coco" em Porto Alegre por causa de uma gripe. Com o passar dos dias, recuperou-se muito bem e retomou a turnê normalmente.

Após inúmeros pedidos, o show foi reeditado para apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. No Rio e em Sampa, a turma de Transa contou com a participação especial de Angela Ro Ro. 


Eis o setlist do show comemorativo aos 50 anos do disco "Transa" (1972) no festival Doce Maravilha:

1 - You don't know me
2 - Irene
3 - Maria Bethânia
4 - Asa branca
5 - London, London
6 - The empty boat
7 - Araçá azul
8 - Triste Bahia
9 - Neolithic man
10 - It's a long way
Com Jards Macalé, Tutty Moreno e Aureo de Souza:
11 - You don't know me
12 - Mal secreto (Macalé canta)
13 - Corcovado (Macalé canta)
14 - Sem samba não dá (Caetano e Macalé cantam)
15 - Mora na filosofia
16 - Nine out of ten
17 - Nostalgia

Falas durante o show:

Antes de "Irene", Caetano disse: "Eu abri com uma música de Transa que eu acho que abre o disco Transa e que eu canto no show do Meu Coco. Mas, agora eu quero fazer uma parte de pré-Transa, uma pré-história da Transa. Então, eu vou começar cantando uma canção que eu compus na cadeia, quando fui preso pela ditadura militar". 

Antes de "Maria Bethânia", Caetano disse: "Transa não existiria se nós não tivéssemos passado pelos horrores que nós passamos. Essa canção que eu acabei de cantar, eu fiz na cadeia e as que eu vou cantar agora fiz no exílio, antes de fazer o disco Transa". 

Antes de "The empty boat", Caetano disse: "Essas canções são pré-Transa. E eu vou cantar uma outra que é pré-pré-Transa, como a que eu cantei antes dessa. Uma que eu cantei antes de "Maria Bethânia. Puxa, que beleza vocês esperarem... na chuva... e a chuva parou, hein? Melhorou". 

Antes de "Araçá azul", Caetano disse: "Muito obrigado. Essa canção eu fiz no Brasil, antes de ser preso e antes de sonhar, imaginar que eu seria exilado. Agora, pulando do período pré-Transa para o período pós-Transa, quero cantar uma canção que diz o nome do disco que, de fato, faz 50 anos este ano. Talvez no ano que vem eu venha celebrá-lo". 

Antes de "Triste Bahia", Caetano disse: "Bom, agora de volta à Transa até o final do show" e apresentou a banda. Após a canção, dada a euforia da plateia, disse: "Sabe o que é isso? Eu cantei em português. Eu também adorei". 

Após "Neolithic Man", Caetano disse: "Nessa canção, nós ouvimos a voz de Gal Costa. Gal Costa para sempre. Se ela estivesse viva, eu a convidaria para cantar aqui comigo. Eu convidei Angela Ro Ro porque ela também participa de uma faixa tocando gaita, mas Angela Ro Ro tá em Belém do Pará, segundo ela me disse. Foi fazer um show lá, não pôde vir. Mas são mulheres que estarão para sempre em nosso coração". 

Após "It's a long way", Caetano disse: "Muitíssimo obrigado. Isto é uma lembrança de Transa. Eu mantive todos os tons em que eu gravei as canções e nem sempre a minha voz... fiz 81 anos faz quatro dias. A voz às vezes não chega lá em cima, aí eu peço socorro e os meninos me dão. Mas agora eu quero fazer uma coisa mais importante, que é chamar os músicos que gravaram Transa comigo: Jards Macalé, Tutty Moreno, Aureo de Souza. E nós todos à memória de Moacyr Albuquerque. Agora a gente vai começar tudo de novo".

Antes de "Mal secreto", Caetano disse: "Agora, eu quero pedir a Macalé pra cantar uma música dele que tá na nossa memória tanto quanto a transa toda". Macalé disse: "Vamos trazer Waly Salomão pra roda, pra festa".

Antes de "Sem samba não dá", Caetano disse: "Agora Macalé vai cantar uma música que é minha, que é nova, que é do Meu Coco e que ele gravou junto com Criolo num disco chamado Biscoito Fino... Eu vou cantar a parte de Criolo". Macalé disse: "... porque é embolada. Aquela é embolada".

Antes de "Mora na filosofia":
Caetano: Que maravilha cantar esse samba novo com Macalé. É a história da minha vida.
Macalé: Sem samba não dá!
Caetano: Conheci esse cara nos anos 50!
Macalé: Somos amigos desde... pequenininhos.
Caetano: Não estávamos tão pequenininhos assim, mas...
Macalé: Sim... mas crescemos! (ri)
Caetano: Diga aí, diga aí!

Antes de "Nine out of ten", Caetano disse: "Ok. Que maravilha. Todo o Transa. Quase todo, por enquanto. Boa noite, muitíssimo obrigado. Vocês são um caso incrível". 

Antes de "Nostalgia", Caetano disse: "Pronto, acabou! Eles estão afinando o violão pra gente se despedir com uma música do Transa que eu não cantei ainda... que eu adoro, é bem doida. Essas músicas eu escrevi tudo em inglês, um inglês todo maluco. Eu achava que era interessante, mas qualquer pessoa que fala inglês acha que é... tosco, no mínimo." 

Banda Meu Coco: Lucas Nunes, Pretinho da Serrinha, Rodrigo Tavares, Alberto Continentino, Kainã do Jeje, Thiaguinho da Serrinha. 


Foto: Alex Woloch/ Doce Maravilha

Foto: Felipe Gomes/ Doce Maravilha

Foto: Alex Woloch/ Doce Maravilha

Foto: Felipe Gomes/ Doce Maravilha

Foto: Alex Woloch/ Doce Maravilha

Foto: Andrea Nestrea

Foto: Francisco Taboza

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