Recôncavo e Reconvexo - Maria Bethânia e Caetano Veloso
Entrevista para a Revista ELLE (Março de 2024)
Texto por Bruna Bittencourt / Fotos por Fernando Young
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A lembrança mais antiga que Caetano Veloso tem de si próprio traz Maria Bethânia. Foi no dia do nascimento da irmã mais nova, 18 de junho de 1946, em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano. Aos 3 anos, ele escolheu o nome dela.
Além dos óbvios vínculos familiares que unem irmãos, a trajetória dos dois se mistura em discos e nos palcos, como bem sabemos. Começou há exatos 60 anos, com o espetáculo Nós, por exemplo, em Salvador, que contava com os também novatos Tom Zé, Gal Costa e Gilberto Gil. Com Gal e Gil, os irmãos Veloso formaram os Doces Bárbaros para um show, transformado em disco em 1976. Dois anos depois, Caetano e Bethânia se reencontraram, por sugestão dela, em apresentação também consolidada em álbum, que leva o nome deles.
Nos bastidores, Bethânia, como cantora, influenciou o irmão, como compositor. Caetano escreveu mais de 30 canções para ela, pensando em sua voz e interpretação – uma lista que inclui “Baby”, “Reconvexo” e a homenagem em inglês “Maria Bethânia”. Até em sonhos ela inspirou o irmão. Foi assim que ele compôs “Araçá azul”, em que ela cai do alto de uma árvore pouco antes de ele acordar. “Fiz várias canções que eu jamais faria se não fosse por ela, para ela”, conta Caetano à ELLE. Bethânia ainda imprimiu sua digital em outras músicas dele que, se não foram escritas especialmente para ela, hoje estão devidamente apropriadas. “Com tudo que ele faz, eu fico muito perplexa, apaixonada e demoro muito ouvindo, aprendendo, como se fosse uma aula mesmo”, diz ela.
Para marcar esses 60 anos de parceria nos palcos, os irmãos partem em agosto com a turnê Caetano & Bethânia, que ocupará arenas (é preciso estádios para acomodar tantos fãs) de sete cidades brasileiras até dezembro – algo que não acontecia desde 1978. Por enquanto, as ideias do repertório são de Bethânia, que espera, quem sabe, que o irmão possa escrever algo inédito para os shows.
Nas páginas seguintes, os dois falam sobre sua ligação no palco e fora deles e dos mais recentes capítulos de suas obras.
CAETANO VELOSO
Foi debaixo de um dilúvio carioca, em agosto passado, que Caetano Veloso voltou a tocar Transa, mais de 50 anos depois do lançamento do LP, que já revelou ser um dos favoritos de sua discografia. O público concorda com essa preferência e fez com que ele voltasse a cantar as faixas do álbum, gravado em seu exílio londrino, no início dos anos 1970, em outras cinco apresentações, a mais recente em janeiro, quando interrompeu suas prometidas e anunciadas “férias radicais” em Salvador.
Dois meses depois, Caetano, 81 anos, se prepara para encerrar a turnê de Meu coco (2021) – que foi parar até em uma questão do Enem no ano passado – em uma série de apresentações, entre março e abril, nos Estados Unidos. O cantor vai percorrer o país de costa a costa, naquela que deve ser a sua última longa turnê internacional.
Enquanto esboça os shows ao lado da irmã Bethânia, ele respondeu às perguntas da ELLE em suas produtivas madrugadas, refutou uma aposentadoria dos palcos, mas falou do sonho de, no futuro próximo, se apresentar apenas na sua Bahia.
Quais memórias você guarda dos shows que fez com Bethânia em 1964 e 1978? Quando lembra das apresentações, o que vem à cabeça?
Me lembro muito de Bethânia e Gal cantando juntas a canção “Sol negro”, que eu fiz para a voz delas. A plateia ficava magnetizada, não parecia que estava vendo duas meninas de Salvador cantarem em público pela primeira vez. Reagiam como se estivessem diante de duas divas imensas, de nível nacional, ou mesmo internacional. Já do disco de 1978 me lembro de cantar “Carcará” e a plateia ficar fria. Mas ouvi esse disco outro dia e achei tudo maravilhoso.
Além de ser uma das maiores intérpretes da música brasileira, Bethânia é reconhecida por sua força no palco. Como vocês se completam?
Subo ao palco com Bethânia e me sinto como se fosse um espectador que pôde ir até perto dela. Tudo o que temos de irmãos está sempre ali. Mas lembro sempre de Guilherme Araújo (1936-2007), nosso primeiro empresário, que dizia: “Meu querido, você não tem talento para o palco. Você tem de ficar de fora, escrevendo, pensando e dando ideias aos seus colegas”.
Como tem sido escolher o repertório desse show? O que guia vocês na escolha das músicas? Estão preparando alguma composição inédita?
Ainda estamos imaginando umas coisas. Por enquanto é Bethânia que tem as ideias de repertório. Tudo o que ela sugere bate. Mas ainda vamos sentir a forma do show e definir o que cantamos e quando.
Como Bethânia o influenciou ao longo dos anos como compositor?
Enormemente. Fiz várias canções que eu jamais faria se não fosse por ela, para ela. E há pelo menos uma que fiz segundo sugestões dela: “Baby”, que tem frases e ideias que ela literalmente me disse que eu pusesse na canção.
Em entrevista à ELLE, em 2021, ela falou da sincronicidade que vocês possuem, de você aparecer, sem maiores explicações, em momentos muito importantes da vida dela. Você identifica essa sintonia?
Sim. Sei que estou sempre ligado a ela. E Bethânia vem com ideias que não entendo de cara, mas reconheço dentro de um bom pedaço de tempo. Quando fui gravar Meu coco (2021), ela se lembrou de uma música que eu tinha feito para ela e que achava que eu deveria regravar: “Noite de cristal”. Descobri que a canção é linda, e eu nem me lembrava dela. Regravei e volto a cantá-la no final dos shows (do disco) muitas vezes.
Qual sua lembrança mais marcante de Bethânia na infância?
Primeiro, claro, o nascimento dela. É minha primeira lembrança de mim mesmo. Depois, vários momentos de quintal, de subir em árvore.
Você está prestes a embarcar para os Estados Unidos para a sua última turnê internacional. Depois de décadas mostrando seus discos e repertório fora do país, isso provoca certa nostalgia?
Não senti nenhuma nostalgia ao pensar que essa deve ser minha última turnê em grande escala. Isso não quer dizer que nunca mais cantarei fora do Brasil. Apenas penso que não mais farei turnês enormes assim, com voos longos e esperas em aeroportos. Na minha idade, não é mais suportável. Sonho às vezes em voltar para Bahia e só cantar lá. Possivelmente no Teatro Vila Velha (em Salvador).
Depois da despedida de palcos estrangeiros, o quanto essa turnê ao lado de Bethânia está ligada, ou não, a certa desaceleração no ritmo de shows?
O show com Beta não veio como uma forma de desaceleração. Fazer shows em estádios não se parece com isso. E o Brasil é grande. Mas talvez, depois desses shows, eu diminua muito minha frequência em palcos e aeroportos.
Como foi tocar Transa, composto no exílio, depois do 8 de Janeiro?
Falei claramente em todas as apresentações sobre a prisão e o exílio durante a ditadura militar. Não posso cantar nem ouvir aquelas canções sem pensar nisso. E os jovens que ouvem o disco hoje precisam saber disso.
Parte da plateia nas apresentações recentes de Transa nem era nascida quando você lançou o disco. Como observou o alcance do álbum?
Me impressiona o amor que tanta gente, sobretudo tanta gente jovem, tem por Transa. Eu também amo esse disco. Em primeiro lugar pela companhia de Jards Macalé, Tutty Moreno, Moacir Albuquerque (1945-2000) e Áureo de Souza (todos gravaram com Caetano o álbum). Também porque foi feito no melhor período que passei em Londres (entre 1969 e 1972), já sem ser dominado pelo sentimento de amargura por causa do exílio. Nunca pensei que pessoas jovens dessem tanto valor a esse trabalho, que não teve repercussão importante no mercado brasileiro quando foi lançado (em 1972).
Você conta que sempre pesquisa algo que ouviu ou que lhe recomendam. Além de Pornopopeia, de Reinaldo Moraes, o que anda divertindo você?
Li Pornopopeia (2009) muito tarde na vida. Conheço Reinaldo há muitos anos, mas faz tempo que não o vejo. Ri muito ao ler – e encontrei muitos momentos comovedores. Nem seria o tipo de livro que eu mais cultivo. Nunca fui de gostar de literatura beatnik, embora fosse fascinado por Jorge Mautner e José Agrippino de Paula (1937-2007). Tenho lido mais livros de ensaio do que romances. Li alguns dos novos. Mas é na canção que encontro a coisa mais impressionante: (o compositor, cantor e violonista carioca) Thiago Amud.
As redes sociais nos permitiram ver sua intimidade nos últimos anos, pelos registros de Paula Lavigne. O quanto você se alimenta das redes sociais em seu dia a dia? Mais: o quanto é voyeur e curioso, assim como nós?
Sou zero voyeur e curioso em relação a redes sociais. Escrevo posts quando quero. Paulinha me mostra algumas coisas, às vezes. Durante a pandemia, ela me perguntava coisas gravando. Nunca me incomodou. Tudo foi assim, sem avisar e sem reclamar.
Como seus filhos influenciam você musicalmente?
Eles me influenciam muito. Moreno foi meu parceiro ainda menino. Fez a linda letra de “Um canto de afoxé para o bloco do Ilê”. Tem uma sabedoria que me ajuda a observar a realidade. Zeca é intenso e escreve canções densas, que impressionam muitos ouvintes. Estou louco para que ele lance um álbum. Tom é o mais musical dos três, no sentido de ter mais ouvido para a afinação e a agilidade para tocar violão. E faz canções lindíssimas sem parecer pensar muito ao fazê-las. Se for contar por meus filhos, estou feliz. O show que fiz com eles foi o que mais amei ir fazer todos os dias.
MARIA BETHÂNIA
Maria Bethânia se despediu em março de Fevereiros. As duas últimas apresentações da turnê, com ingressos esgotados em São Paulo, uniram tanto homenagens aos amigos Erasmo Carlos, Gal Costa e Rita Lee quanto músicas carnavalescas, canções do irmão Caetano e do Grupo Revelação, sucessos consagrados e joias menos conhecidas – uma mistura fiel ao universo sincrético da intérprete.
O fim da turnê antecedeu o início de uma exposição sobre a artista, de 77 anos. As seis décadas de carreira, que ela completará em 2025, são tema da Ocupação Maria Bethânia, em cartaz no Itaú Cultural (São Paulo) até junho. Com cocuradoria de Bia Lessa, que assina a direção de espetáculos da cantora, a mostra coloca a música como coadjuvante e dá protagonismo à forte relação de Bethânia com a literatura e a palavra.
Após um show previsto com Xande de Pilares, que cantou com ela em seu mais recente disco, Noturno (2021), Bethânia planeja se focar na turnê com o irmão e se resguardar até a hora de cantar com ele. “Isso é muito, muito, muito grande para mim”, diz.
Caetano tem, ao mesmo tempo, uma presença delicada e forte nos shows. Como você acredita que ambos se completem no palco?
Acho que nós dois temos essas mesmas condições, de sermos suaves e, ao mesmo tempo, fortes. Tenho uma dramaticidade mais aparente, porque fui educada no palco por atores, diretores, cenógrafos, iluminadores de teatro. Caetano é mais um criador, um compositor ligado muito mais à música, à sonoridade, e tem uma emissão muito perfeita, muito afinada, o que não é o meu caso. Sou uma interpretação. É o que eu faço. Tem essa diferença, que, ao mesmo tempo, se completa. Eu acho que é elegante, é bonito.
Quais as suas memórias dos shows de 1964 e 1978, que fez com ele?
Em 1964, nós éramos amadores, na Bahia. O Nós, por exemplo e Nova bossa velha, velha bossa nova, espetáculos criados e dirigidos por Gilberto Gil e Caetano, e Mora na filosofia, que era o meu show solo, dirigido por ele. Tenho a melhor lembrança possível. Primeiro, éramos todos muito jovens. Não tínhamos pretensões de alcançarmos o sucesso. Queríamos fazer, apresentar nossas ideias musicais, inspiradas no que ouvíamos dos grandes cantores de rádio e, em seguida, da extraordinária novidade da bossa nova.
E o de 1978, apenas com Caetano?
Tenho as melhores lembranças também porque na época eu pedi, falei: “Caetano, vamos fazer um show juntos para nos lembrarmos de como começamos?” Tanto que estreamos em Salvador, no palco da Escola de Teatro, que tinha, para nós, o encantamento de ver em cena grandes atrizes e atores – (Antonio) Pitanga, Geraldo del Rey, a direção de (Eros) Martim Gonçalves. E lá aprendemos o encantamento de assistir a um espetáculo real, montado com iluminação, com cenografia e tal. Eu corri mais para esse lado. Caetano também tem isso. Todo artista que sobe no palco tem que ter alguma coisa de teatro, de dramaticidade, mas ele é suave. Também pode, porém, ser extremamente forte e agressivo. Nós todos sabemos como ele é violento, muitas vezes, cantando, o que é deslumbrante. Então, essa ideia do show, junto com ele, foi minha. Eu pedi: “Vamos fazer, Cae, para a gente homenagear nossa formação, nossos primeiros conhecimentos com a música e com o teatro”. E ele gostou da ideia. Fizemos com cenógrafo, com iluminação de teatro, com roupas e tal. Ele compôs para o show. Eu espero que ele componha para esse agora. Mas ele tem trabalhado muito. Tem uma turnê por agora, antes de começarmos os ensaios.
Das canções que Caetano fez para você, há favoritas?
Sempre há… “Reconvexo.” Caetano é danado. Com tudo que ele faz, eu fico muito perplexa, apaixonada, e demoro muito ouvindo, aprendendo, como se fosse uma aula mesmo. Acho Caetano um mestre, um guardião de beleza, de doçura e de força. Ele é sincero compondo e isso me comove demais. Então, tudo que eu canto dele é porque me pega profundamente. Tudo.
Irmãos costumam se ler com um olhar ou poucas palavras. De que maneira se dá a sua cumplicidade com Caetano?
Eu sou a caçula e ele me orientou em absolutamente tudo. Era quem brincava comigo, era quem me ensinava a andar, me mostrava os desenhos dele, as canções que preferia no rádio. Ele me ensinou a subir em árvore, a brincar de faquir. Caetano era um orientador, um grande diretor de minha infância. Então, nós temos um elo muito forte, muito bonito, o que não significa que, depois de virarmos cantores, compositores conhecidos, isso nos obrigue a encontros seguidos, contínuos. Absolutamente. Eu levo muito tempo sem encontrá-lo. Demoro, às vezes, até para falar com ele. Caetano prefere escrever, sempre. Ele é noturno, eu sou diurna. A vida dele toda acontece na noite. Ele compõe, ele gosta da noite. A noite para mim é para dormir. Eu gosto da manhã, da tarde, da luz, do sol. Então, às vezes, demoramos muito a encontrar, mesmo para conversar, mas, sempre que nos encontramos, basta um olhar, como você falou. Um olhar que tem uma compreensão sobre aquilo que está se falando, ou cantando, ou uma admiração, ou uma recusa. Temos cumplicidade, sim, é óbvio. E muito amor.
Qual a sua lembrança mais antiga dele?
(Risos) Eu, muito menina, brincando. Gostava muito de brincar no quintal. Eu devo muito da minha alegria a ter passado uma infância numa cidade do interior, linda, do recôncavo da Bahia, com uma família estabilizada amorosamente, e isso nos garantia coisas. Caetano e eu gostávamos de brincar naquele quintal. Ele já sabia tocar piano, já participava de programas de rádio na cidade. Eu me lembro de um dia meio chuvoso, e eu, muito pequena, brincando no quintal. “Bethânia, venha cá, que seu irmão está lhe chamando”, “o que é, Caetano? Estou brincando!”, “venha, venha, que eu quero lhe mostrar uma coisa”. Ele estava no piano e falou assim: “Estou escrevendo um musical. Veja se está bem”. Cantou e tocou uma canção. Eu falei: “Está linda, mas eu quero voltar a brincar”. Essa lembrança é linda, eu nunca esqueci. Falei: “Você está escrevendo música, cantando, compondo”. Fiquei assustada e comovida. Mas criança gosta de brincar mesmo.
Recentemente você dividiu uma turnê com Zeca Pagodinho. O que leva dela e de Zeca? Como artista, como essa série de shows a influenciou?
Adorei ter feito o show com Zeca. Isso surgiu de uma participação, num especial dele, um DVD, em que ele faz um almoço. Eu acho que isso é uma coisa anual, no sítio dele, lá em Xerém (Duque de Caxias, RJ). Os amigos todos vão e ele convida algumas pessoas para cantar ali, naquele quintal. E ele me pediu para ir, porque o Zeca ouve muitos artistas da minha geração que não são sambistas. Ele sabe cantar músicas de Caetano que eu não sei. Ele é fã do meu disco Drama, ao vivo. O texto (do disco) “mora comigo na minha casa, um rapaz que eu amo”, ele sabe de cor, falou para mim no telefone. Fiquei comovida e surpresa. E ele me pediu para fazer isso no DVD dele (Zeca apresenta o quintal do Pagodinho, Volume 3, de 2016). Quando terminei, cantei com ele “Sonho meu”, de dona Ivone Lara. Quando a gravação chegou ao fim, falei para ele “de Santo Amaro a Xerém”, que é minha terra e a dele. Eu ter dito isso virou um elo muito forte entre nós. E as pessoas que trabalham com ele e comigo começaram a se interessar: “Isso pode ser lindo, vocês dois fazerem um show”. E eu fiquei entusiasmadíssima porque eu sou fã, fã, fã do Zeca Pagodinho. Acho ele um cavalheiro, um rapaz de família, lindo e muito engraçado, muito firme nas escolhas. Ele conhece a música muito profundamente – falo do cancioneiro brasileiro. Conhece os cantores todos, os intérpretes. Ele sabe as falas, ele sabe as canções. E foi isso que me despertou, me animou. E eu pedi a Caetano para fazer uma canção que fosse a abertura desse show. E ele fez “Amaro a Xerém”, que é linda. Quando fui mostrar ao Zeca, ele já saiu cantando: “Caetano acertou. É isso!” E o show (De Santo Amaro a Xerém) tinha uma força linda. A paixão dele pela Portela, a minha paixão pela Mangueira, explícitas ali, um respeito, uma admiração e um carinho mútuos.
Você é tema de uma exposição no Itaú Cultural, em São Paulo. Isso provocou novas reflexões sobre a sua obra e suas influências artísticas?
Olha, eu fiquei muito comovida com esse presente, chamemos assim, e agradeci muito a Bia Lessa, responsável pela exposição. É comovente, prestes a fazer 60 anos de carreira profissional no ano que vem, se Deus quiser, receber essa inesperada homenagem. Acho que meu repertório se mostrou com elementos que possibilitam uma ocupação, uma exposição. Isso é grandioso para mim. Sou muito grata ao Itaú Cultural, sou muito grata a Bia Lessa. Espero que seja lindo. Tenho confiança de que será bonito. O trabalho de Bia sempre me comove muito.
Perdemos recentemente Erasmo Carlos, Gal Costa, Rita Lee e João Donato. Como você procurou lidar com esse luto?
Primeiro, tem que aceitar as decisões de Deus, e o tempo na Terra, só Deus. Não pode discutir, não pode. Perdi minha mãe, meu pai, perdi duas irmãs, perdi pessoas de meu profundo afeto – Fauzi Arap (ator, dramaturgo e diretor, que assinou espetáculos de Bethânia), Teresa Aragão (amiga e produtora). E, na música, perder esses extraordinários artistas… Cruel. Sobre a perda de Gal, eu não sei e não gosto nem de falar porque (pausa) ainda é muito vivo. Eu fico muito... Me assusto quando vejo que é essa a realidade. Meu amigo, querido Erasmo, com seu encantamento, sua doçura. O João, que compôs canções inesquecíveis. E a nossa linda Rita, gloriosa, de uma dignidade no seu envelhecimento terreno, nobre. Eles todos devem estar próximos. É o modo de me consolar, de que estão próximos, conversam, se divertem e olham para nós e por nós. Não consigo achar que acabou, que a morte é uma coisa da qual não fica nada. Fica tanto, e ainda mais desses grandes.
O que tem alimentado você como artista? Discos, livros?
Olha, disco e livro é trabalho a ser feito. Então, preciso me alimentar de silêncios, de tempo, tempo jogado fora, ócio, para poder receber informações do meu íntimo, do meu profundo desejo. Lendo, cantando ou escolhendo repertório, você já está atuando. Eu gosto de limpar o jardim. É a coisa de que eu mais gosto.
O seu mais recente disco, Noturno, foi lançado em 2021. Tem planos para um novo projeto?
Bom, tem um projetão na minha frente, que é fazer um show com meu irmão Caetano. Isso é muito, muito, muito grande para mim. E quero fazer com vigor, com boa energia, com encantamento, deslumbramento, alumbramento. Quero que seja tudo lindo. Então, essa é a minha meta. Agora tenho que trabalhar nisso. Antes de começar os trabalhos com o Caetano – ensaios, ver repertório juntos e tal –, tenho um único show apenas, com Xande de Pilares. É uma admiração imensa que eu tenho também (por ele), além do cantor, do compositor, a pessoa. É isso que eu pretendo fazer e vou ficar o mais resguardada possível. Estou falando à beça, você me perguntou uma porção de coisas. Ainda vou ter que falar muito por causa desse show. Depois, vou ficar calada, até a hora de começar a cantar.