‘Inteligência artificial me fascina e amedronta’

Entrevista para a NEWMAG (14 de novembro de 2025)

Por Christovam de Chevalier

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Foto: Divulgação

O Brasil é profícuo em grandes compositores. Muitos são mestres em seus ofícios. Alguns podem ostentar a merecida alcunha de gênios. Caetano Veloso, por exemplo. Com uma carreira fonográfica iniciada em 1967, ele construiu, ao longo de quase seis décadas, um cancioneiro através do qual faz um retrato pungente do mundo e da sociedade nos quais estamos inseridos. Aliando sensibilidade e lucidez, Caetano Emanuel Viana Teles Velloso ilumina nossas belezas, mesquinharias e desgraças com seu olhar crítico e sempre apaixonado pelo país. É sobre ele que o artista conversa com NEW MAG nesta entrevista, fruto de encontro inesperado em recente festival de cinema, segmento que é uma de suas paixões. Ele fala a seguir sobre sua participação em ato recente que mobilizou artistas contra a anistia aos envolvidos na tentativa do golpe de 08 de janeiro, externa sua fé por uma nação mais igualitária, aplaude sua irmã Maria Bethânia pelas seis décadas de sua carreira e diz que as novelas ainda são úteis no impulsionamento de uma canção. E, sim, ele irá às urnas exercer seu direito nas eleições de 2026. Lá vem o mano Caetano: menino encantado e, aos 83 anos, o Rei dos Animais.

Você e alguns dos seus companheiros de ofício e de geração estiveram juntos, em setembro, no ato público contra a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe do 08 de janeiro. O que foi mais emocionante no reencontro entre vocês e no ato em si?

Muita coisa ali foi emocionante. Paulinho da Viola, Chico, todos nós ali juntos e aquele público, né? Aquela quantidade de pessoas e aquela energia harmônica daquela gente, isso é que foi o mais importante. Acho que isso há de seguir sendo útil para o amadurecimento do Poder Legislativo no Brasil, e a respeitabilidade deste Poder, que vem tomando decisões importantes como esta em relação à questão tributária, que veio da Presidência da República, e o Congresso tratou dela de uma maneira impressionante.

“Podres Poderes” ganhou muito vulto nas redes sociais após o ato e foi muito procurada também nas plataformas de streaming. Esperava que essa canção se mantivesse um retrato fiel do país 40 anos depois de lançada?

Cara, eu gosto muito dessa canção e a escolhi juntamente com outras para os shows que tenho feito em festivais e que, em comum, têm isso que posso chamar, sei lá, de vigor com uma temática social. E “Podres poderes” é uma delas. E acho que terminou sendo bom para que houvesse o evento em Copacabana naquele domingo e que o Congresso tenha agido de uma maneira consideravelmente respeitável e saudável.

“Podres Poderes” está presente no show com que Maria Bethânia celebra seus 60 anos de carreira, num espetáculo em nada óbvio e com forte viés político. Como você vê essa grande artista festejar as seis décadas de uma trajetória tão importante para a Cultura?

Maravilhosamente bem. Assisti ao show na véspera da última noite no Rio, antes de ela seguir para São Paulo, e fiquei maravilhado, maravilhado… Este é um show ao qual assistiria outras sete mil vezes (Caetano alude aqui à canção de sua autoria e com que Bethânia abre o show).

Teremos eleições no ano que vem. Do alto dos teus 83 anos, pretende fazer jus ao direito ao voto?

Sem dúvida! Não tenho obrigação mais, mas eu gosto de votar.

E você espera que, a partir das próximas eleições, possamos estar mais perto do que você canta em “Falou, amizade”: um país mais que divino; masculino, feminino e plural?

E plural, sobretudo! Eu espero que a gente possa trazer alguma coisa boa. A gente tem de melhorar muita coisa no Brasil para suportar a loucura do mundo.

Você esteve presente na trilha sonora de Vale Tudo em três temas: como intérprete do samba de Ary Barroso, participando da faixa dos Garotin e como autor de ”Gente”, interpretada pelo Xande de Pilares. Uma novela ainda é vital para projetar uma canção?

Acho que é. Não vejo hoje muitas novelas, eu via mais quando era mais novo, e via sob o olhar de um sociólogo, sobretudo quando voltei do exterior. Hoje não vejo muito, não, mas acho importante porque muita gente vê.

Chegou a assistir a um ou outro capítulo de “Vale Tudo”?

Sim, adorava ouvir a voz de Gal.

Você é um leitor voraz…

Sim, leio muita coisa, muita coisa…

O que exatamente? Ficção, ensaios, sociologia?

Tudo isso junto. Leio mais de uma coisa, e as leituras acontecem de forma simultânea.

E, como naquela sua canção, melhor do que o silêncio só João (Gilberto)?

Exatamente, só João.

A Inteligência Artificial te fascina ou amedronta?

Ela me fascina um pouco e me amedronta muito. Tenho pensado muito sobre isso.

Você se vê hoje mais próximo daquele personagem da canção “O homem velho”, de 1985, ou mais próximo do “vovô nervoso e manhoso” de “Não vou deixar”?

Eu me identifico com os dois (risos), mas me pareço mais com o personagem de “O homem velho”.

O Rei dos Animais então?

É (risos)… Sou Leão, né? O Rei dos Animais.

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