7 de setembro (25/08/2013)
No 2 de Julho Salvador esteve bonita como às vezes a gente pensa que ela não vai nunca mais voltar a ser. Ou pelo menos foi a impressão que me deram as fotos que Regina Casé me mandou de lá, tiradas de uma janela no Carmo. O desfile do Caboclo (com Maria Quitéria, Joana Angélica e vários outros personagens que viraram nomes de ruas de Ipanema) parece ter sido deslumbrante. As manifestações de junho contribuíram positivamente para isso.
As paradas do 2 de Julho são uma tradição em Salvador e no Recôncavo. Em Santo Amaro saíamos marchando com os colegas de ginásio, enchíamos a cidade de guirlandas verde-amarelas e apreciávamos a Cabocla em seu carro-charola, como se fosse uma santa pagã. Aliás, a capela que há no Largo da Lapinha, em Salvador, onde ficam guardadas as imagens do casal de índios que simbolizam a Independência, tem portal verde-amarelo-azul-e-branco e é como se fosse um santuário. Há um gosto de igreja positivista nisso tudo. Mas o sentido geral é muito maior. Mangabeira Unger me conta que acompanhar o desfile do 2 de Julho com o avô, o ex-governador Otávio Mangabeira, foi experiência formativa do essencial em sua personalidade. Para mim, é coisa à beça. Pois bem, contam-me que esses desfiles, que passaram alguns anos um tanto desprezados, vinham voltando a crescer, tendo-lhes a série de passeatas iniciadas em junho injetado energia, o que fez a parada deste ano ser ainda mais concorrida. E sobretudo mais significativa. Manifestantes somaram às alegorias e às marchas escolares suas faixas e cartazes, sua revolta e sua esperança, como, aliás, convém a uma celebração de independência.
Procurem saber por que a festa da Independência na Bahia é mais intensa no 2 de julho do que no 7 de setembro. Ou leiam algum antigo artigo de Cesar Maia sobre o assunto (ele pôs uma estátua do corneteiro Lopes numa esquina de Ipanema porque conhece e ama essa história, e a narrou em texto publicado). Parece maluquice falar em Cesar Maia num artigo em que pretendo me dirigir a quem planeja enriquecer a comemoração do 7 de Setembro com reiterações das exigências espontaneamente expostas nas manifestações de junho/julho. Mas tenho de manter a minha fama de mau. O que desejo, no entanto, é tomar o 2 de Julho baiano deste ano como exemplo do que deve ser o 7 de Setembro nacional. Li no Jânio de Freitas (articulista cuja carreira inspirou Glauber Rocha e é exemplo do lugar que ocupa na grande imprensa o pensamento crítico de esquerda) palavras indignadas com a agressão à emergência do Hospital Sírio-Libanês perpetrada pelos grupos violentos que se tornaram um lugar-comum do estágio final de cada passeata. Já me referi aqui à arriscada simplificação que a mídia faz quando separa os protestos, que começam pacíficos, dos atos de “vandalismo” que em geral a eles se seguem: muita gente que não joga pedra se sente representado por quem joga — e muitos dos que saem sem esse intuito muitas vezes aderem, no calor da hora, aos atos agressivos. Todos sabem (a Globo mostrou os vídeos da Mídia Ninja) que a incitação à barbárie por vezes parte de policiais infiltrados e disfarçados do Guy Fawkes do filme daqueles irmãos chatos que fizeram “Matrix”. Mas as depredações de bancos e butiques responde a uma raiva anticapitalista que é parte do impulso político que fez nascer as manifestações. Também às formas meio filosóficas, meio literárias de expressão de tal sentimento engendradas por leitores de Deleuze e Foucault, como Antonio Negri e Michael Hardt (de quem, aliás, ganhei um livrinho, chamado “Declaration”, que, apesar do frufru de sempre, me pareceu, à luz dos recentes acontecimentos no Brasil, muito interessante e algo pertinente). Seja como for, um 7 de Setembro violento seria uma burrice. Meu colega Sidney Waismann me procurou para propor algum gesto público que prevenisse a hecatombe que o artigo de Jânio de Freitas esboça (a partir do que leu em redes sociais). Sidney sugere chamar Zuenir, Alba Zaluar, Francisco Bosco, quem sabe companheiros músicos e outros criadores e pensadores, e pedir audiência com Beltrame. Por outro lado, expor aos manifestantes a questão não formulada: a violência é mais eficaz? Ele lembrou que Zuenir evoca Gandhi, Luther King e Mandela como exemplos. Se sairmos pela paz na Independência, o país lerá concentradamente a pergunta “Cadê Amarildo?” e tentará respondê-la. O mundo passa por convulsão. Nós precisamos de sabedoria. Dizer que passeata pacífica é armação da mídia golpista é pobreza que ajudará os piores argumentos dos reacionários. O artigo de Francisco Bosco foi iluminador. Para mim, violência no 7 de Setembro seria simplesmente burrice.
Caetano Veloso.
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